A NAVE DOS DESESPERADOS

“os seres humanos inventaram a bomba atômica, mas nenhum rato no mundo inventaria uma ratoeira.”
 
Albert Einstein
 

Se um alienígena fosse enviado ao nosso Planeta para um relatório sobre como viviam os seus habitantes, certamente diria que entre os seres vivos, divididos em grandes variedades de vegetais e mamíferos aquáticos e terrestres, que há uma espécie do grupo denominado de hominídeos que apesar de se arvorar como racional, paradoxalmente, age irracionalmente, sendo muito perigoso pela sua capacidade criativa intelectual e habilidade manual altamente belicosa e destrutiva do próprio habitat e de todas as espécies de vida, inclusive da própria.

Certamente que faria uma ressalva na qual afirmaria que se superassem o estágio evolutivo da sua racionalidade, ainda em transição de uma primeira natureza primitiva para uma segunda natureza cognitiva cerebral, e não sucumbisse como espécie, e nem tornasse seu próprio planeta inabitável, poderia atingir um grau superior civilizatório, mas faria uma observação entre parênteses (hipótese pouco provável…).

No corpo do relatório afirmaria que os seres irracionais, compostos por animais de vida selvagem, em geral, protegiam os demais de sua própria espécie, enquanto os considerados racionais promoviam matanças genocidas de seus iguais, sob o argumento absurdo de que tais ações se referiam à defesa das suas próprias vidas (por favor não riam, porque é assim que eles justificam tal comportamento denominado de guerras).

Como prova da afirmação contida no relatório, que certamente causaria incredulidade aos habitantes do seu planeta de origem, o alienígena escrivão da armada intergaláctica, enviaria imagens do bombardeio da Rússia aos prédios residenciais de Ucrânia; do bombardeio de Israel sobre a população civil de Gaza, território palestino, e de Beirute, capital do Líbano; bombardeio do Irã sobre a cidade de Tel-Aviv  e Jerusalém; e que o noticiário internacional vez por outra informava sobre a possibilidade do uso de armas nucleares que têm capacidades destrutivas dez vezes maiores do que a extensão territorial do próprio planeta…
Diria que enquanto não usam a tal das armas nucleares (que muitos países beligerantes têm), eles ficavam brincando de terror com bombinhas menores denominadas mísseis teleguiados por GPS (um sistema muito preciso de localização do alvo) de autopropulsão ou adaptados a drones, que são uma espécie de helicópteros não tripulados, também guiados por GPS.
E ainda afirmaria que a hipótese de extinção da espécie, numa ação suicida genocida, seria factível, a se considerar que há pouco mais de 106 anos (1918) e 79 anos (1945), esses mesmos hominídeos promoveram duas guerras envolvendo diretamente ou indiretamente todos os países do Planeta, numa carnificina que dizimou cerca de 3% de toda a população dessa espécie (muitos animais ditos irracionais foram também sacrificados pelos ditos racionais).

Diria que eles adoram a guerra, e até formavam segmentos militares adestrados com armas cada vez mais letais para manter o status quo interno e defender o que chamam de pátria, e que: “para manter a paz é preciso se preparar para a guerra”. É mole???

Mas o comportamento suicida não para por aí, afirmava o escriba alienígena. Além das guerras, eles poluem os mananciais de águas potáveis da qual necessitam para viver, bem como os mares, o solo e o ar.

Mas o principal problema da atualidade é a emissão de volume excessivo de gás carbônico (CO²) na atmosfera que provoca o efeito estufa, fenômeno que consiste no represamento desses gases sem que se dissipem no universo retendo o calor dos raios solares que dão vida terrena a essa espécie de hominídeos, mas que, paradoxalmente, aquecem a temperatura terrestre colocando em risco a própria vida animal e vegetal.

Já se observam desertificações de vastas áreas de terra; secas prolongadas; enchentes provocadas por chuvas intensas nunca existentes; aumento do nível das águas marinhas e da própria temperatura dessas águas; derretimento de geleiras; e os cientistas que denunciam tais evidências são destratados por uma espécie de hominídeos denominados de políticos que negam a cientificidade e os fatos evidentes.

Os países que mais emitem gás carbônico na atmosfera são os mais ricos, e cobram dos mais pobres as preservações de suas florestas como fator de equilíbrio de tais emissões poluentes; mas, seguindo-se a receita suicida irracional em prática, o aquecimento do Planeta provoca grandes incêndios naturais ou criminosos praticados por quem tem interesses próprios a uma relação social de produção irracional e concentradora de poder nas mãos desses produtores incendiários e poluentes.

A maior floresta tropical do Planeta, denominada Amazônia, que abrange diversos países e se alastra até uma região pantaneira, numa área de mais de 6 milhões de km², e tida como pulmão planetário, agora arde em chamas e produz o efeito contrário: de pulmão do mundo passa a ser campeã de emissão de gás carbônico, numa comprovação da irracionalidade suicida que venho relatando.

Recentemente uma epidemia de vírus denominada de covid19, dizimou cerca de quase 15 milhões de pessoas, e alguns políticos negaram sua existência e periculosidade (denominados negacionistas) interessados na continuidade da produção de bens de consumo sob tais circunstâncias (as mercadorias), visando a arrecadação de impostos e atendendo a uma parcela privilegiada desses hominídeos.

Paradoxalmente, inventaram as vacinas, que previnem esses tipos de doenças, mas há políticos (governantes que se dizem demagogicamente  homens públicos dedicados à causa pública) que as negam como instrumento profilático.

Eles são seres urbanos, na sua maioria, que costumam habitar cidades caóticas porque cindidas em classes sociais com pequenos núcleos de moradores beneficiados e completamente cercados por grandes contingentes de outros menos aquinhoados que pertencem ao segmento dos escravizados por uma coisa chamada salário, que é a forma de subtração da riqueza socialmente produzida.
Nessas cidades proliferam gangues do crime organizado que roubam cargas dessas mercadorias; traficam e vendem entorpecentes que escravizam ainda mais os hominídeos que as usam; roubam bancos para obter valor (que chamam de dinheiro) que é o mecanismo de mediação social e poder, e não raro funcionam como milícias formadoras de um estado paralelo ao estado oficial, ambos opressores dos escravizados.
O aparelho repressor oficial, as polícias, muitas vezes se acumpliciam com os criminosos; e o mais absurdo é que eles, ao invés de se unirem contra tudo isso, procuram se adaptar a esse estado de coisas. Uma babel.

A esses bens de consumo e serviços, num artificialismo escravista da maioria dos hominídeos, denomina-se “mercadoria”, mecanismo que é capaz de escravizar os que a produzem com seus esforços em benefício dos que delas se apropriam (nesse universo tudo é dinheiro, representação da abstração denominada valor, de que falamos, uma invenção capiciosa de escravização e apropriação indébita da riqueza socialmente produzida), e o mais grave é que os escravizados agradecem aos escravizadores a oportunidade de serem escravizados.

Os escravizados, pasmem, costumam, inclusive, pedir, juntamente com seus sindicatos (uma espécie de corporação dos escravizados), mais empregos, ou seja, mais oportunidades de escravização, e têm até representantes políticos e partidos que vivem de tal representação, como se fizessem uma advocacia administrativa dos primeiros, sem jamais questionarem a natureza da escravização, numa certificação flagrante de irracionalidade generalizada que graça entre tais hominídeos.

Eles se organizam em nações territorialmente delimitadas, e têm uma estrutura político-administrativa vertical na qual os escravizados elegem periodicamente os gerentes que vão gerir tais organizações em benefício dos escravizadores que exercem o poder econômico (o verdadeiro poder, que manda em todos).

Também fazem leis elaboradas pelos representantes dos escravizadores, e têm juízes que as aplicam coercitivamente, e por força militar, quando se faz preciso.

Assim, encerro esse relatório, concluindo que os mamíferos irracionais, por natural instinto de sobrevivência, são mais preservacionistas e agem mais racionalmente do que os seus parentes racionais, que por estarem num processo de evolução intelectual transitório, ainda primário, dele se aproveita para subjugar perigosamente a tudo e a todos.
Ainda ontem eles foram às urnas para legitimar com o voto as suas anuências a esse status quo sem se aperceberem que assim procedendo passam certidões de suas inconsciências sociais.
Quiçá não se autodestruam e possam transitar para um estágio superior no qual os hominídeos sobreviventes dessa nave de desesperados se apiedem dos atuais hominídeos.
Dalton Rosado.

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