A indústria e o comércio da informação produzem falsos consensos – Serviço público de qualidade XXVII

A informação é um bem público. A indústria e o comércio da informação são feitos por empresários privados. A presença do Estado no negócio da informação deve ser apenas referencial, complementar, nunca dominadora. Como a informação tem valor estratégico para a população, e como o negócio da comunicação não se submete à concorrência tradicional (como a lei da oferta e da procura, por exemplo), é preciso que se evite a formação de cartéis ou monopólios no setor, é necessário que se evite a concentração de qualquer tipo (regional, econômica, política, ideológica). Por isso, as nações civilizadas e desenvolvidas criam normas reguladoras para o negócio da comunicação.

Até aqui tudo é simples e aceitável. O passo natural seria o Estado agir para regular esse mercado. O problema é que, no caso do Brasil, a concentração é tão grande que, sempre que o poder público acena com a ideia de regular, o setor da comunicação reage e “constrói” o “consenso” de que essa regulação (de natureza econômica e administrativa) é “censura”. Nada mais falso. Esse discurso é como uma nota de três reais, ninguém acredita. Entretanto, ele é a única versão, e fica sendo repetido, repetido, repetido, repetido, dia após dia, semana após semana, ano após ano. É assim que se constrói um falso consenso, e a regulação nunca acontece.

A concentração do poder de mídia no país é tão alta, que a construção desses consensos virou a regra, não a exceção. É como se o país tivesse sido encapsulado e passasse a pensar de uma maneira só em relação a assuntos específicos.

Um exemplo: diz-se agora que o país vive uma crise econômica sem precedentes, que estamos num abismo profundo, que a situação é grave e dramática. Criou-se, em pouco mais de dois anos, um clima de fim de mundo. O debate não se faz, não há discussão nenhuma, só adjetivos, ninguém apresenta propostas e números. Aliás (e ei-lo, o consenso) o único tema é o déficit fiscal. A crise é o déficit, o déficit é a crise, o Brasil é e será o que acontecer em relação ao déficit. Economistas e jornalistas se repetem e se revezam na repetição vazia desse falso consenso.

As questões mais relevantes e que definem e desenham o futuro de uma nação desaparecem por completo do noticiário e dos debates.

Que debates tivemos sobre a educação e a saúde nos últimos dois anos e meio? Como está qualidade dos serviços públicos nessas duas áreas de interesse absoluto da maioria dos brasileiros?

Quais são os desafios tecnológicos que o país precisa enfrentar e superar para não aumentar o fosso que o separa dos mais avançados?

Que investimentos são necessários, indispensáveis e inadiáveis na montagem ou no aperfeiçoamento da infraestrutura (transporte, energia ,comunicação, basicamente) que dará suporte ao crescimento econômico e ao desenvolvimento?

Quais são as formas de financiamento que o mercado pode oferecer aos empreendedores e aos já empresários que queiram aceitar os riscos e inovar? Como montar um mercado de capitais, como os americanos fizeram há uns cem anos?

Como organizar o serviço público de maneira a evitar que os escândalos de corrupção voltem a ocorrer? Como evitar que os escândalos de corrupção só sejam combatidos em campanhas moralistas e ações de viés político-partidário?

Como inserir o país e sua economia num modelo de sustentabilidade que inevitavelmente vai condicionar o futuro?

Nada disso é assunto, nada disso é notícia, nada se discute, nada se propõe. Nem mesmo o déficit é explicado, debatido. Este é apenas um exemplo de um falso consenso que a concentração da informação pode produzir.

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