A credulidade insana

O que leva algumas centenas de milhares de pessoas a vestirem uma camisa verde-amarela, simbolizando as cores da pátria, e alguns outros a empunharem a bandeira de Israel (e em apoio ao governo sionista genocida de Israel), prestando apoio político a um charlatão fundamentalista religioso cujo próprio nome está a indicar a sua essência (mala feia e sem alça, no linguajar popular) e a um político com certidão de golpista ditatorial passada pela sua própria história de afirmações e reafirmações nesse sentido?  

Qual a razão de se prestar apoio a um falso Messias, afastado da própria corporação militar ainda no início de sua investidura na farda por planejamento terrorista; golpista assumido (queria que a ditadura tivesse matado pelo menos 30.000 adversários); que faz ostensivamente homenagem ao seu ídolo Brilhante Ustra, militar que trucidou covardemente presos indefesos; e governante negligente social consciente capaz de provocar a morte de centenas de milhares de brasileiros por epidemia da covid 19 negando medidas de profilaxias públicas necessárias e urgentes?

A resposta não pode ser outra, senão a inconsciência social da maioria dos apoiadores destes tipos sobre a própria essência do seu agir político por considerarem, equivocadamente, que seus líderes são eficazes salvadores da pátria, que consideram como bastião seguro da boa cidadania.  

Começa pela inconsciência do próprio conceito de pátria.  

Qual é a pátria de um trabalhador assalariado de renda média mensal de RS 2.500,00 (e isso quando não está desempregado), que paga pesados impostos em tudo que compra (desde energia elétrica, água e alimentos)?
– que é atendido pelo SUS (cuja ideia e intenção é maravilhosa) em Upas lotadas e com estruturas físicas e de pessoal insuficientes?
– que pelos salários cada vez mais mínimos é impossibilitado de adquirir uma moradia decente e mora na periferia das cidades e em bairros com ruas mal pavimentadas e sem esgoto sanitário e dominadas pela violência urbana e crime organizado?
– que tem seus filhos estudando em escolas públicas mal conservadas e com professores mal pagos, e tantas outras mazelas sociais que bem conhecemos?  

Será que ali estavam presentes assalariados de melhores níveis de poder aquisitivo, ora perdidos? Ou até mesmo pobres trabalhadores explorados de baixa renda que ali estavam crédulos no estado como ente protetor de suas cidadanias exploradas?  

Seja qual for a sua motivação, o fato é que a pátria em nome da qual vestem verde-amarelo é-lhes madrasta justamente porque é a sua institucionalidade que mantém, via impostos cobrados aos cidadãos, uma estrutura jurídico-coercitiva de modo de produção social na qual quem a produz não se apropria integralmente de sua cota-parte em tal produção.  

Somente quando os trabalhadores abstratos deixarem de ser o que são, e se organizarem sob seus próprios domínios comunitários e livres da exploradora e totalitária pátria madastra é que serão suficientemente livres e conscientes do significado manipulador desse conceito culturalmente introjetado nas mentes infantis e adultas como sendo algo virtuoso.  

O patriota é um idiota. A rima é pobre, mas o conteúdo é transcendental. Mas há patriotas que sabem da função protetora do patriotismo aos seus interesses políticos e econômicos, e que nada mais são do que oportunistas da credulidade ingênua dos que são explorados pelo capital e acreditam na “aliança (patriótica) para o progresso e o anticomunismo”; lembram-se?
O segundo elemento no processo sublinear que galvaniza o pensar de muitos dos que estiveram na Avenida Paulista em 25 de fevereiro de 2024, prestando apoio aos golpistas do dia 8 de janeiro de 2023, é a ideia de que o bem estar social que almejam passa por uma governabilidade dentro da “ordem para o progresso”, que se consubstanciaria numa disciplina rígida, de obediência legal aos pressupostos capitalistas da relação capital e trabalho, sob tutela militar, e que seria a consecução do que entendem como “justo”  e “correto”.

São os inocentes inúteis a eles mesmos, mas muito úteis aos que os mantêm com os trabalhadores assalariados explorados uma relação social de jugo e subalternidade irrefletidamente consentida pelos primeiros.

Nesse processo, a esquerda institucional brasileira, social democrata, que aceita jogar o jogo eleitoral da democracia burguesa nas quatro linhas constitucionais do estado democrático de direito, padece as agruras de uma relação social que vive um processo de depressão econômica irreversível, mas que se dispõe a administrar a crise do capital a partir da assunção política ao aparelho de estado burguês, e que recebe em troca as migalhas que o poder político oferece pela legitimidade que confere ao aceitar tais condições de disputa eleitoral e governabilidade.

O Nationalsozialistische Deutsche Arbeitepartei – NSDAP, ou Partido Nacional Socialista dos Trabalhadores da Alemanha, arrebanhou multidões em apoio à cantilena nazista patriótica de soerguimento econômico da Alemanha devastada pela derrota na primeira guerra mundial (1914/1918) e depressão dos anos 1929/1930, e que levou a humanidade ao genocídio de cerca de 50 milhões de pessoas, ou 3% de toda a população mundial.

Tal qual a mentira nazista massificada pelo rádio, o mais novo meio de comunicação de então, reproduz-se via internet e pela via eleitoral, hoje, no Brasil e em várias partes do mundo em depressão econômica que se prenuncia como apocalíptica em face da impossibilidade de ajustes econômicos salvadores dentro da própria lógica do capital, conjuminado com a crise ecológica que causa aquecimento global, uma reprodução de métodos de comunicação na tentativa de legitimação do totalitarismo.

O populismo de direita no mundo e no Brasil muito se assemelha aos pressupostos nazistas de tomada do poder e de perpetuação dos seus líderes absolutistas.
Elementos novos se agrupam a tais métodos, como o fundamentalismo religioso pentecostal de direita que está de braços dados com o populismo de direita; setores empresariais do agronegócio; e de militares saudosos dos tempos em que gozavam de bons salários como dirigentes de grandes empresas privadas e estatais (não nos esqueçamos que foi na ditadura militar que houve mais estatização nesse país).    

A direita, vendo-se acuada por uma derrota eleitoral e pelo fracasso da tentativa de putsch do 8 de janeiro (tal qual aquele de Munique, na Alemanha,   em 8-9 de novembro de 1923) recicla o seu discurso se fazendo de vítima dos inimigos da pátria (tal qual fez Hitler ainda na prisão), pedindo anistia aos pretensamente injustiçados presos políticos e antevendo a extensão disso em causa própria.  

O veneno sórdido da serpente direitista, diante do impasse causado pela depressão econômica que aflige o povo, tenta galvanizar em torno de si apoio popular que lhe dê poder político absolutista, iludindo a todos com um velho discurso de salvação da pátria, mas travestido de novo (como fez Javier Milei, na Argentina).  

A mesa de apostas está posta, mas cabe a nós termos a suficiente lucidez para galvanizar o apoio popular a uma ideia humanista de superação da lógica do capital, razão de base do infortúnio social, e que somente pode ser assim efetivada e considerada com a própria superação das categorias capitalistas que a sustenta, e substituindo-as por uma relação social direta e sob controle dos que produzem coletivamente a riqueza material.    

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