Reflexões de Ramlig II

Era uma noite escura como breu. Sentado numa pedra, eu contemplava as estrelas no céu. Meus ouvidos se deliciavam com o silêncio manso e duradouro que reinava no pico da montanha. Meu coração acompanhava o cricar de um grilo que insistia em ser ouvido.

Bem distante, lá embaixo, a luz forte de uma lamparina me mostrava uma mulher e um homem entretidos, conversando baixinho como se estivessem fazendo algo muito importante e sigiloso. Apertei os olhos e aproximei a cabeça, procurando ver melhor. Observei que era uma casinha branca com as portas verdes. A janela lateral estava aberta. Abruptamente ouvi o choro estridente de uma criança que acabara de nascer e sorrisos largos de contentamento se abriram.

Entrei em casa para ver a data no calendário que estava debaixo da Bíblia Sagrada, ferramenta companheira de todo monge. 11 de agosto de 1937. Que belo dia! Ajoelhei-me e, contrito, rezei uma Ave Maria, agradecendo pelo dom da vida e rogando a Deus aquela criança fosse sempre protegida.

Muitos anos se passaram. Numa das minhas descidas anuais da serra, procurei saber notícia do menino que nascera naquela linda noite. Soube que era primeiro fruto do matrimônio de Afonso e Maria, esperado com grandes expectativas. Maria, entretanto, passara nove meses assustada e rezando noite e dia para que seu filho nascesse são. A lembrança de que Afonso tinha quatro irmãos surdos-mudos lhe causava medo.

Com os poderes de Deus nosso filho nasceu lindo e perfeito, disse Maria, respirando aliviada e olhando para Afonso que também transmitia paz. É o nosso mundo em nossas mãos, falaram os dois felizes e com cumplicidade.
Maria falou tudo isso para mim, com ares de felicidade e apreço, quando a vi pela primeira vez e falei que tinha visto seu filhinho nascer, lá do alto da cordilheira, naquela linda noite estrelada e calma.

Ela também me falou exultante que antes de sair para o roçado bem cedo, todos as manhãs, Afonso caminhava até o berço de Gilvan e o olhava com afeto e aperto no coração, sentindo saudade por ter que se ausentar.

Hoje, 11 de agosto de 2020, oitenta e três anos depois, Afonso, Maria e eu estamos em comunhão em outro estado, enviando bênçãos para o Gilvan que cresceu e se multiplicou obediente aos dois mandamentos divinos: “Amar a Deus sobre todas as coisas e ao próximo como a si mesmo”.

Aleluia! Aleluia! Aleluia!

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