Resenha: uma breve e incompleta notícia sobre um jornal, Osvaldo Euclides de Araújo

BONS MOMENTOS

— As empresas jornalísticas eram até a primeira metade dos anos 1980 negócios familiares que tinham há pouco percebido a necessidade de entrar na dimensão de indústrias, e, para crescerem e ocuparem espaços no mercado, buscavam se tornar competitivas. Nesse esforço de competir e ocupar espaços da concorrência, ofereciam opções de financiamento a anunciantes e assinantes que, em regimes inflacionários severos viravam prejuízos insuportáveis. Os custos financeiros subiam às alturas e somavam-se a custos comerciais estratosféricos, sem paralelo em outros segmentos empresariais. O resultado final eram empresas descapitalizadas, endividadas e com uma vida sobressaltada pela ameaça constante ao seu crescimento, à sua modernização e, em alguns casos, à sua própria sobrevivência.

— João Batista Fujita, um empresário da construção civil, então ligado ao coronel Adauto Bezerra, me chamou para conversar e me mostrou uma a uma as matérias e notas do jornal com um e outro candidato, numa pesquisa de várias edições seguidas. A tese dele era que a redação estava pendendo para o lado do candidato Tasso Jereissati. Esforcei-me para convencê-lo de que ele estava enganado, disse-lhe que a orientação clara da diretoria do jornal era pela imparcialidade. Fui embora e fiquei pensando nos argumentos do capitão Fujita…dias depois, resolvi examinar o “conjunto da obra” (e não apenas a edição do dia), e, seguindo o mesmo roteiro feito pelo meu interlocutor, examinei todas as matérias mais uma vez. Vi nitidamente que ele podia ter razão, as diferenças eram sutis, mas havia diferenças de tratamento, e comentei com outros diretores do jornal. Mas aí a eleição já estava no final e ganha pelo PMDB. Era muito difícil não simpatizar com a candidatura de Tasso Jereissati e não torcer por sua vitória.

— …da lista tirei um nome, o do ex-governador e então deputado federal Gonzaga Mota. Liguei, coloquei o problema, ele, que ignorava completamente a pendência, mandou pagar de imediato e combinamos de conversar pessoalmente. Tivemos um agradável almoço num dos restaurantes da Praia de Iracema. Nesse encontro, ele me contou que, no primeiro ano de governo, recebeu do Sistema Verdes Mares de Comunicação uma sugestão que que, se aceita, na opinião dele, então Governador do Estado, poderia ter ferido de morte o jornal O Povo. Explicando as circunstâncias: como costuma acontecer, todo governador que assume, instaura um período de austeridade, dá um freio de arrumação.Interrompe contratos, susta convênios, suspende programas, fecha o caixa. Gonzaga Mota não fez diferente e, sob o discurso da austeridade, entre outras inúmeras coisas, interrompeu as aplicações da máquina pública em publicidade. E essa austeridade alongou-se por vários meses, fazendo com que o mercado (agências de propaganda e veículos) e suas entidades mais representativas reclamassem a retomada dos investimentos. Na contramão do consenso, o Sistema Verdes Mares propôs ao Governador:

— Pode passar o seu governo inteiro sem anunciar em jornal. Você terá toda a cobertura necessária.

— Numa economia pequena e pobre, numa sociedade ainda um pouco provinciana e atrasada, as empresas e as pessoas de destaque sempre têm algum tipo de relacionamento de submissão ou de interesse com a máquina pública do Estado. Isso implica dizer que os adversários políticos do Estado sofrem duplamente: sofrem porque o Estado os discrimina e sofrem porque outros atores relevantes (sejam públicos ou privados) também os discriminam, ao manterem uma prudente distância ou uma atitude hostil (em relação ao discriminado) para mostrar ao Estado que não quer afrontá-lo, por temor ou subserviência. O Povo enfrentaria nos anos seguintes uma conjunção de adversidades contra as quais poucas instituições sobreviveriam.

— O jornal O Povo deve muito a José Raimundo Costa. Esse muito pode ser resumido em creditar a ele a construção das duas pontes que conduziram O Povo do passado para o futuro. Costa fez do O Povo uma empresa. E Costa fez do O Povo uma instituição. Durante as décadas de 50, 60 e 70 Costa transformou O Povo de uma bem intencionada ideia de um poeta numa empresa sólida e lucrativa, e numa instituição acreditada e admirada, sem nunca ter tirado o menor partido ou vantagem pessoal disso. Salvo as honrosas exceções que fazem a regra, os jornais brasileiros só nos anos 80 vieram a tomar a feição de negócios industriais empresarialmente organizados. Costa antecipou isso no paupérrimo Ceará.

— Animado, Demócrito foi conversar com o Senador José Macedo. A reunião foi no gabinete do Senador, na sede de sua holding. Demócrito me mandou explicar a conjuntura e as circunstâncias da empresa (que vivia um bom momento naquela ocasião), que a empresa pensava em abrir o capital e que um dos primeiros passos para que isso acontecesse, a médio prazo, seria a futura formação de conselho de administração de alto nível, com pessoas de experiência e prestígio. O nome dele, Senador Macedo, seria uma escolha natural entre os futuros componentes deste conselho. O Senador Macedo foi seco:

— Quanto isto vai me custar?

Expliquei ao Senador que isso não lhe custaria nada, ele receberia gratuita e simbolicamente cem ações da Empresa, já que assim a lei exigia (que os membros do Conselho de Administração fossem acionistas). Quando terminei minha explicação, Demócrito mudou de assunto.

— “A surpresa, a estupefação e a indignação que experimentamos há meses e que, repetimos, hoje vive a comunidade cearense esclarecida, foram-se, em nós, ao longo do tempo, diminuindo e alimentando sentimentos e confirmando impressões que agora são constatações: os discursos e promessas de mudanças dos costumes e práticas políticas são falsos, pois os vícios permanecem, ainda que habilmente camuflados.”

CURTAS

— Meses antes, disse a ele que ia fazer vestibular e pensava ser jornalista, como ele. E perguntei quanto ele ganhava por mês como jornalista. Quando ele respondeu, desisti da ideia.

— Pode passar o seu governo inteiro sem anunciar em jornal. Você terá toda a cobertura necessária.

—  Me disseram que vai sobrar para você. Se você aceitar , só vai ganhar um infarto.

—  Qualquer bairro de São Paulo tem para a empresa uma dimensão de vendas maior do que Fortaleza, talvez do Ceará todo.

— Na habilidade de lidar com a informação, um fato banal e irrelevante, dependendo de como fosse tratado na poderosa máquina de multiplicação, podia atrair a atenção de toda a sociedade durante semanas, assim como podia distrair essa mesma atenção para outros fatos durante outras semanas, dar voz a um correligionário, calar um adversário…

— Os maiores varejistas estavam todos onde sempre estiveram: na televisão, no canal de maior audiência e no horário nobre.

— Resumindo a história: depois de três anos de trabalho, a empresa tinha realizado fora do Ceará negócios novos, com clientes novos, em valor capaz de compensar em boa parte a perda dos negócios locais.

— De certo ponto de vista, o caderno de anúncios classificados é o jornal perfeito: não tem notícia, é só anúncio, não precisa de jornalista nem de fotógrafo, todos os clientes são pequenos ou médios, tem alto índice de leitura, é interativo e tem cem por cento de participação da comunidade.

O AUTOR

Osvaldo Euclides de Araújo é economista e mestre em administração. Trabalhou na empresa O POVO de 1983 a 1998, ocupando as funções de Diretor Financeiro, Diretor Comercial e Diretor Superintendente. Exerceu também a diretoria executiva da Fundação Demócrito Rocha entre 1987 e 1989, e foi membro do Conselho Editorial do jornal. Osvaldo é filho do jornalista Olavo Euclides Araújo, que nos anos 1950 arrendou e depois adquiriu o controle do jornal “Gazeta de Notícias”.

 A PUBLICAÇÃO

O livro “uma breve e incompleta notícia sobre um jornal” de autoria de Osvaldo Euclides de Araújo foi publicado em 2008 (dez anos depois do executivo deixar a empresa) pela Editora Omni. O livro tem 180 páginas e prefácio do jornalista José Anderson Sandes.

CIRCUNSTÂNCIAS

Os anos 1980 foram decisivos para os grandes jornais do Brasil inteiro. O período marca a transição (ou pelo menos a tentativa) de empreendimentos de idealistas para a dimensão de empresas industriais de gestão profissional. A transição foi especialmente difícil porque o período foi marcado por crise econômica: recessão, hiperinflação, maxidesvalorizações do dólar, moratória cambial, explosão dos preços do papel jornal.

As empresas O POVO viveram nessa década um importante crescimento articulado com a busca da transição, enfrentando simultaneamente uma profunda crise econômica e inesperados problemas políticos. O livro refere-se a essas questões a partir do ponto de vista do autor, enquanto explica o funcionamento e a estrutura de um jornal.

A IMPORTÂNCIA DO LIVRO

A contribuição do livro é jogar luz sobre um período marcante da história da economia e da imprensa brasileira na dimensão e na perspectiva regional. Escrito por um executivo que viveu as rotinas e os processos de várias áreas do negócio, a publicação relata eventos acontecidos quase todos fora do ambiente da redação. Toda a obra faz a leitura dos fatos pelo viés de um gestor, que não pertence à família proprietária e nem é jornalista. E em vários momentos contextualiza os fatos com flashes da realidade econômica do Ceará dessa época.

O LIVRO

O livro é escrito em capítulos curtos, linguagem direta e objetiva. O texto cobre um período de 15 anos na vida de uma empresa jornalística, mas o faz a partir de um ponto de vista de um gestor profissional que não é jornalista.

O título do livro é especialmente honesto quando se adjetiva de “breve e incompleta notícia”. De fato, o autor não tenta fazer história, mas parece querer dar um roteiro ou uma pauta para quem quiser fazê-lo. O texto não faz discursos, elogios e proselitismo, não aprofunda debates, não tenta convencer o leitor de nenhuma tese, mas não se recusa a abordar vários assuntos especialmente delicados.

A estrutura e o funcionamento de uma empresa jornalística é explicado tendo como cenário a crise econômico-financeira que viveu a economia brasileira nos anos 1980. As áreas de comercialização de publicidade, a venda de exemplares e assinaturas do jornal e aspectos da gestão administrativo-financeira são exibidas em linguagem descomplicada quando fatos relevantes e interessantes acontecem na trajetória da organização.

As empresas O Povo fizeram investimentos para crescer nos anos 1980, instalando duas emissoras de rádio. O agravamento da crise pegou a empresa no contrapé, descapitalizada, endividada. Depois, compondo o quadro, veio um inesperado problema político.

Um dos elogios que se pode fazer ao livro de forma merecida é que ele costuma ser lido “de um fôlego”.

Sobre o autor:

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