Perante um auditório estarrecido de 1.500 delegados do Partido Comunista da União Soviética, o Primeiro Secretário Nikita Kruschev, que tinha assumido o poder três anos antes pela morte de Stalin, fez, em 25 de fevereiro de 1956, um discurso que mudou a história da URSS e do comunismo em nível mundial, redirecionando o modo como a URSS seria governada daí para frente.
O Primeiro Secretário desmontou o mito do “guia genial de todos os povos” cujo culto era uma religião na União Soviética.
O discurso focou em quatro pontos. O central e mais profundo foi a conta dos “Expurgos” que ocorreram entre 1937 e 1938, quando 1.500.000 pessoas foram presas e 690.000 executadas, incluindo praticamente todos os companheiros de Stalin na revolução de 1917, os “fundadores do comunismo soviético”. Kruschev disse que quase todas esses executados eram inocentes e só a paranoia de Stalin via nele inimigos da URSS.
O segundo ponto foram os imensos erros de Stalin na condução da Segunda Guerra, quando deixou a URSS despreparada, especialmente afetada pelos expurgos no Exército que eliminou 85% da cúpula e deixou a URSS com suas fronteiras desguarnecidas, confiando em Hitler, apesar de persistentes avisos de que a Alemanha atacaria. Esses “erros” de Stalin provocaram a imensa perda de vidas que poderia ter sido evitada, só nas primeiras duas semanas da invasão alemã de 21 de julho de 1941 a Wehrmacht fez seis milhões de prisioneiros, dos quais dois milhões pereceram em pouco tempo por maus tratos e execuções.
O terceiro ponto foram os erros de Stalin com a agricultura soviética, dizimando 10 milhões de camponeses para forçar a coletivização das fazendas, o que fez cair a produção de trigo e matou de fome outros tantos milhões. Kruschev era engenheiro agrônomo e sobre esse ponto estendeu-se com estatísticas aterradoras.
O quarto ponto foram erros de política externa que prejudicaram o nome e a influência da URSS em importantes áreas do mundo, especialmente nos EUA, que viveu a era do macartismo como reação à agressividade do estalinismo.
Os 1.500 delegados ouviram o discurso em profundo silêncio e não houve nenhum aplauso ao final, estavam todos chocados. Afinal, todos aqueles na plateia eram frutos do sistema estalinista e foram criados dentro dele.
O discurso de Kruschev teve imensa repercussão mundial e criou uma nova fase na governança da URSS, mais liberal e mais moderna, provocou desdobramentos nos partidos comunistas do ocidente, com cismas e deserções, criou um racha profundo com o Partido Comunista Chinês, Mao não digeriu o discurso de Kruschev, afinal seu modelo era baseado no estalinista e tinha suas mesmas características autoritárias.
Para seus detratores, Kruschev respondia que ele, como ninguém, conhecia o sistema estalinista pois conviveu intimamente com Stalin, era seu comensal à mesa dos famosos jantares na
Dacha de Kuntsevo, de onde muitos saíam para a prisão de Lubyanka. Kruschev completou o desmonte do sistema estalinista que já tinha começado com a execução de Beria pelo Exército em dezembro de 1953 e pela instalação da troika da qual Kruschev fazia parte.
O discurso de Kruschev foi bem recebido no Ocidente, o que não se refletiu todavia numa mudança radical da política externa soviética, que continuou ativa como demonstrou-se na profunda influência política da URSS no Egito e Síria a partir de 1956 e depois com a instalação dos mísseis em Cuba em 1961, sendo a URSS a patrona do regime castrista que se implantou. No domínio soviético da Europa do Leste tampouco se viu afrouxamento como se mostrou com o esmagamento da Revolução Húngara no mesmo ano de 1956, com mais de 1.000 execuções inclusive do Primeiro Ministro Imre Nagy.
O discurso de Kruschev foi um dos maiores acontecimentos politicos da segunda metade do Século XX.
(Artigo de André Araújo, originalmente publicado em www.jornalggn.com.br)