UTOPIAS E DISTOPIAS

Éramos o país do futuro. Campeões de crescimento econômico. A transferência de mão de obra do campo para a cidade e a dinâmica demográfica, população jovem crescendo aos milhões todos os anos, esperança na escolarização e no aproveitamento dos recursos naturais nos tornavam otimistas. Hoje temos décadas perdidas. Estamos envelhecendo. A migração do campo para a cidade exauriu-se. A grandeza futura tropeça na complexidade do mundo. Recursos naturais não bastam para o sucesso. Temos ideias, não resolutividade.

Utopias podem representar o aperfeiçoamento da sociedade e do homem, como pensava quem as escrevia. Platão ( 428/427 – 348/347), Jerônimo de Savonarola (1452 – 1498) e Thomas More (1478 – 1435) são exemplos disso. Podem, todavia, constituir-se em armadilhas que desorientam, formas de organização que em nome do bem fazem o mal, como adverte Isaiah Berlin (1909 – 1997), na obra “Limites da Utopia”.

Platão fracassou em Siracusa, abandonou a proposta da “República” e escreveu “As leis”, dizendo que a primeira seria adequada para seres superiores e a segunda para humanos. Savonarola fracassou em Florença. Fracassaram todas as tentativas de engenharia social supostamente perfeitas. A desilusão com as utopias estimulou as distopias. George Orwell (Eric Arthur Blair, 1903 – 1950) com “A revolução dos bichos” e “1984”; Aldous Leonard Huxley (1894 – 1963), com “Admirável mundo novo” são exemplos disso.

A literatura já não produz utopias. O mundo acordou? Não o Macunaíma. O “mecanismo” que sequestrou nossas instituições é insano. Destruiu o sistema de freios e contrapesos destinado a harmonizar e limitar os poderes. O STF usurpou as funções legislativa e executiva. O Legislativo, fragmentado em dezenas de partidos, perdeu funcionalidade, embora tenha ganho força. O Executivo, eleito para romper com o “establishment”, sem habilidade e sem apoio só conseguiu ser conflitivo. A ruptura veio do STF, não com os vícios do patrimonialismo, mas com a ordem institucional. O guardião da constituição escolheu rasgá-la.

Fortaleza, 2/7/20.

Rui Martinho Rodrigues.

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