“Abolition de l’aliénation: fin de l’université”,
cartaz afixado na Sorbonne, em maio de 1968.
“Em rigor, a universidade entre nós, nunca foi propriamente humanística, nem de pesquisa científica, mas simplesmente profissional, à maneira das universidades mais antigas […]. As nossas politécnicas não imitavam Manchester, mas Paris. Na realidade, nem influência inglesa, nem Americana, mas francesa e certos lampejos germânicos são as forças mais visíveis. No fundo, o substrato português e talve ibérico”. Anísio Teixeira, 1964, pa. 42)
Bernard Shaw acreditava que a demonstração da racionalidade das ideias terminaria por vencer a resistência das criatura incrédulas, indiferentes. Ou de tanto as incomodar com argumentos de inteligência, as levaria à capitulação diante da Razão: “Aquilo em que ninguém crê, deve ser demonstrado tantas vezes quanto possível”. Na prática, os argumentos de existência e racionalidade nem sempre são bem sucedidos. É da índole dos humanos, entretanto, valer-se do paradoxo para explicar o que não entendemos e buscar entender aquilo em que queremos acreditar.
Mergulhados nesses agravos de consciência, os terráqueos procuram o encorajamento da esperança, entregam-se à espera confiante na força da fé e dos milagres e à candura das profecias para mitigar a amarga ansiedade com o padecimento dos seus temores, medos e hesitações. Foi sempre assim, desde que tomamos consciência das nossas próprias circunstâncias e reconhecemos no “outro” o coadjuvante ameaçador, o aliado suspeito, o preposto de intenções provisórias. Chesterton valia-se do paradoxo, do inverossímil, como modo de reconhecer a verdade; em suas narrativas carregadas de humor, dizia que “o mais incrível é que os milagres existam”. E, por cima dessas contravenções lógicas, parecia-lhe evidente que o homem era o único animal que “criava dogmas” e os impunha aos que neles não quisessem acreditar…
Bolonha acolheu a primeira universidade do mundo ocidental, em 1088, quando a Europa não portava, ainda, valores politicos extratificados no poder de Estados organizados. Não foram poucos os riscos que a universidade correu e a ameaçam, ainda, transcorrido pouco menos de um milênio de tantas conquistas e pelejas, assédios e batalhas vãs. Lembra Eco que a quebra de velhos estereótipos criados na intimidade da Alma Mater favoreceu a adoção de novas “revelações”, cujo caráter desperta velhos dogmas da fé e do Estado. A universidade tentou desvencilhar-se dessas amarras letais, valida do amparo incerto e frágil da “autonomia” que lhe tem sido negada no curso dos tempos. Para o sábio italiano, o combate que se trava na universidade tem por causa – e não parece pequeno esse desafio — a “scientia” e a “pietas”, luta interminável pelo saber, e o respeito pelo dever; pelo domínio do conhecimento e pela liberdade de o transmitir sem constrangimentos que lhes imponham as ideologias e as persignações da fé.
A universidade como fruto de toda criação humana reflete a imagem, com as cores do seu tempo, dos anseios guardados, das circunstâncias, diante de novas perspectivas de cenários sociais em permanente transformação. Vozes inquietas e disciplinadas nos exercícios da fé condimentados nos breviários ideológicos, reagem a qualquer questionamento que possam revelar laivos suspeitos de heresia conservadora. Poucos, mais ditosos, escapam ao julgamento dos vigilantes universitários. A sua perspicácia haverá de demonstrar quão suspeitas e incoerentes se apresentam estas imprudentes ponderações. A universidade não é uma ilha. Dir-se-ía que fosse um arquipélago, território de pluralidade de percepções e controvérsia. Que em suas praias não desembarquem e finquem bandeira os dogmas de ideologias peregrinas que frustram e impedem o esforço por aprender, pensar e fazer.
Custou muito à universidade e aos que nela investiram talento, disciplina e expectativas, ao longo de pouco menos de dez séculos, para que se livrassem do domínio terreno das forças da fé religiosa, rompessem as amarras da censura intelectual e escapassem ao cerceamento politico e ao domínio senhorial das elites. Não seria razoável, mas certamente trágico, que esses espaços de liberdade, do cultivo do saber e do fazer fossem sacrificados ou mutilados pela intolerância dissimulada do redentorismo que a tantas criaturas encanta e motiva em seus arroubos missionários.
A consciência crítica é da índole da universidade, compõe o discurso da racionalidade que condiciona o trabalho acadêmico. Falta-lhe, entretanto, a mesma clarividência e isenção para que perceba como fatores e circunstâncias externos pressionam e condicionam o seu entendimento e de que forma atuam sobre a sua autonomia no plano do seu magisterio, quanto no da pesquisa, e no cotidiano de sua gestão. Padece esse corpo de estudiosos da ausência de mecanismos que lhe permitam exercer, como estratégia regular de sobrevivência, uma certa capacidade de autoexame, de mergulho em suas certezas e eventuais hesitações. A capacidade de formulação crítica, tão enérgica em relação ao que vem de fora, deve ser por ela exercitada, com igual competência e isenção ao que se produz internamente, em seu território de criação. E para temperar melhor os instrumentos de seu governo, que empregue a universidade, a exemplo de prática regular e estratégica, um sistema de “governança” institucional que promova o planejamento e a definição de objetos, objetivos e prioridades para o cumprimento de sua missão. E que todo esse aparato de marinhagem não lhe roube o engenho e a virtude, e lhe permita corrigir o percurso traçado com a revisão constante de sua rota. Em outras palavras, que a força da inovação não ceda diante da imposição das velhas cartas de navegação. Quanto às nossas liberdades individuais de pensar e falar, que Deus as guarde e preserve – e o faça com desvelo, que por esquecê-las poderemos chegar ao ponto da salvação que nos prometem obsequiosamente os profetas das nossas desventuras.
A autonomia da universidade está na sua capacidade de se reinventar
Universidades não vivem apenas dos recursos financeiros que lhes são destinados pelo Estado, no caso das instituições públicas.
Nos registros da brevíssima história da universidade brasileira, poucos são os projetos que merecem referência, na perspectiva acadêmico-institucional que lhe dá forma e conteúdo. No mais das vezes, a universidade fez-se por obra de inspiração administrativa, acalentada no seio do Estado ou estimulada pelos anseios de corporações prestigiadas, na periferia dos empreendimentos privados. Dir-se-ía arranjo burocrático, ao estilo peninsular, extraído pelos nossos governantes com a lógica de sua ação intemporal. Não que faltem proposições consistentes em setores mais dinâmicos da sociedade e o exemplo de países europeus, desde Bolonha, Paris, Oxford, Berlim e Heidelberg, síntese dos cometimentos da época. As estratégias de governo, no Brasil, seguem, historicamente, o vezo da exclusão, perfilamos o que nos apetece e não contraria o consenso dos homens bons.
A invenção tardia da universidade brasileira, mais de um século transcorrido desde a criação dos primeiros cursos superiores, com a chegada da Corte ao Rio de Janeiro, fez-se ao improviso da adoção de modelos estrangeiros. Algumas dessas iniciativas foram, entretanto, decisivas. Fomos, assim, forjando uma ideia de universidade. Aos poucos, a modelamos, com a marca dos defeitos de adoção, ao sabor de inovações improvisadas, assimiladas pela sua adequação aos anseios e necessidades de uma nação em construção, por graça um mimetismo cultural bem intencionado.
A maior parte das boas ações, na origem da universidade, no Brasil, foi gerada no ventre do Estado. A concepção de um modelo universitário que atendesse mais de perto as características culturais brasileiras e as suas carências manifestas, nasceu, entretanto fora do território da burocracia do governo.
Deveu-se à percepção ousada de educadores e da experiência colhida em outros países. Dentre tantas, a que mais produziu resultados situa-se com a vinda das Missões francesas e alemãs, na década de 1930, para a Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras da Universidade de São Paulo. A formação dos primeiros grupos de pesquisadores no domínio das Ciências Exatas e das Humanidades decorre da contribuição de universidades francesas e alemãs, as primeiras nas Ciências Humanas e as segundas, nas Ciências Exatas. Não se esgotam, entretanto, com esses grupos as contribuições que se sucederam, ao longo do tempo, quando se constituíram nossas primeiras universidades: missões de professores e cientistas de notória reputação deixaram no Brasil contribuição valiosa, vindos da Inglaterra (cientistas sociais), da Itália (sobretudo matemáticos e físicos) e da Suiça.
No plano estadual, destacou-se Armando Sales de Oliveira (1927), com a USP em 1930, seguida da criação da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras. Zeferino Vaz, associado a Anísio Teixeira e Darcy Riberio na criação da UnB, desenvolveu e implantou a Universidade de Campinas — UNICAMP, em 1966, da qual foi reitor por 12 anos. Na UNICAMP concentrou-se, à época, o maior contingente de cientistas nas áreas básicas e aplicadas, no campo das Ciências Exatas e Humanidades, grande parte deles contratada no Exterior.
Anísio Teixeira aplicou-se, em anos de incerteza, na vigência prolongada do Estado Novo, ao projeto da Universidade do Distrito Federal — UDF, no Rio de Janeiro, criada pelo prefeito Pedro Ernesto, por decreto municipal. em 1935. A UDF pretendia não apenas produzir profissionais, mas formar “os quadros intelectuais do país”.
No âmbito federal, Anísio Teixeira e Darcy Ribeiro, conceberam o projeto da Universidade de Brasília, no efêmero governo João Goulart, em 1962, com a criação da Universidade Nacional de Brasília — UnB, em 1961. Para Anísio Teixeira, a nova universidade, concebida tendo como base uma estrutura inovadora, atendia um pressuposto essencial, o da Liberdade: “Somente quando as instituições do saber estão com a sua independência salvaguardada e a livre circulação desse saber assegura a conduta deliberada e refletida dos homens e a crítica e a revisão constante de suas leis e instituições, é que teremos um regime de liberdade, como a inteligência humana naquele minuto de splendor em que teve, na Grécia, a revelação do seu poder não só de contemplar o mundo mas de transformá-lo” (Anísio Teixeira, in Gilson Porto, Jr. 2001).
Projetos inovadores surgiram, ainda, em outras universidades federais. Na Universidade Federal do Ceará — UFC, em 1960, com Antônio Martins Filho e Valnir Chagas, foram instalados os “Seminários Anuais de Professores”. Atendiam a uma prática pouco comum, senão desconhecida até então, de integração de uma ampla cadeia de níveis e instâncias acadêmicas para a definição dos compromissos da universidade com a educação e a pesquisa – e notadamente, neste caso, com a o Ceará e o Nordeste. Esse esforço compartilhado por docentes, pesquisadores, estudantes e agentes administrativos, da administração superior à acadêmica, proporcionou-lhes conhecimento mais extenso da universidade e das responsabilidades que lhes impunham a sua missão, as raízes sociais e culturais a que estavam ligados por suas origens comuns. “O Universal pelo Regional”, paradigma definido como ideário, objetivo e estratégia de sua ação, conferiu à UFC senha identificadora de características que lhe são próprias e a diferenciam de muitas das congêneres que surgiram depois ou a ela se anteciparam, na década dos anos 1960.
A Universidade Federal do Ceará, criada na década de 1950, foi uma dessas exceções. Menos de uma década após a sua instalação, a UFC, sob a regência do reitor Antônio Martins Filho, debruçava-se sobre os seus haveres, no plano do ensino e da pesquisa e das ricas atividades da extensão. Até 1967, realizaram-se dois Seminários de Professores, estruturados como assembleia, na qual se discutiam propostas geradas nas bases da administração acadêmica, nos departamentos, faculdades e institutos de pesquisa. As estratégias de planejamento formuladas a partir de então consagraram a participação das “bases” da Academia como fonte de políticas nas instâncias do ensino de graduação e pós-graduação. A representatividade docente, administrativa e estudantil ganhou força e expressão nas tarefas políticas de planejamento da instituição. Universal pelo regional.
A UFC já promovera, em 1958/59, mudanças significativas em sua estrutura acadêmica, consolidadas em Estatuto e no Regimento-Geral, em anos posteriores (1963/1966), com a criação de Departamentos e Conselhos Departamentais, instâncias de decisão que substituiram as Congregações das faculdades que os antecederam.
Os Seminários de Professores, com a mesma estrutura original, foram retomados em 1980, na gestão Paulo Elpídio de Menezes Neto. Com a crescente ampliação das demandas por espaços de representatividade no seio das universidades, formuladas na perspectica de “democratização”da universidade, os Seminários de Professores alcançaram significado relevante, na medida em que as iniciativas de planejamento da administraçãqo central da instituição passaram a incorporar, como contribuição regular, as proposições oriundas dos departamentos acadêmicos, assegurando, dessa forma, ampla vascularização dos projetos de inovação nascidos entre docentes, alunos e servidores.
As Reformas cartoriais e a persistência de velhos modelos e práticas muito pouco consensuais
A estrutura centralizada da administração brasileira, em uma federação muito pouco federativa, frustrou iniciativas inovadoras fora dos quadros rígidos do monopólio das boas ideias exercido pelo Estado. Algumas exceções são conhecidas, de muitas outras, entretanto, não se têm notícias confiáveis.
É fato que as universidades federais resultaram, na maioria dos casos, da agregação de unidades (faculdades e escolas) preexistentes, o que daria lugar a “federações” acadêmicas, ainda que portassem, formalmente, conforme definida pela lei, a denominação de universidades. A integração institucional de segmentos autônomos constituiu complexo desafio para a consolidação de uma estrutura unificada, de características universitárias. A pulverização de escolas e faculdades isoladas, no setor público e no privado, foi fator determinante do longo amadurecimento de um modelo universitário no Brasil, que veio surgir cerca de 130 anos depois da criação dos cursos jurídicos, com a chegada da Coroa à Colônia. Ainda hoje perduram resquícios de uma situação inadequadamente resolvida na estrutura das nossas universidades.
Mencione-se, por agravo das intenções de agentes públicos, algumas iniciativas que, boas ou más, consistentes na sua formulação ou improvisadas como ações de governo, conheceram a luz do dia e ocuparam espaço na mídia e nas acaloradas controvérsias despertadas.
Do “Manifesto dos Pioneiros da Educação Nova”, de 1932, à Reforma Universitária de 1968, esta, de nítida inspiração norte-americana, muitas ideias correram pelas usinas da engenharia governamental. Iniciativas dominadas por concepções fragmentadas ou projetos pontuais, de fundo administrativo, sobrepuseram-se, desde então, ao essencial da questão universitária, vencida pelas imposições burocráticas.
No Brasil, a burocracia engole e amolece, historicamente, as boas ideias e as submete ao esquadro dos procedimentos rituais da administração.
A “Comissão da Reforma do Ensino Superior” e o “Grupo Especial da Reforma do Ensino Superior”— GERES, em 1985/86, no governo José Sarney, abriram uma estação de caça aos reformadores, com a resistência firme das entidades de representação docente, sindicatos e associações profissionais, reação projetada e ampliada na mídia e nos movimentos sociais. Amplo e intenso debate tomou lugar na universidade, nas esferas governamentais e no plano politico-ideológico, sem que se produzisse a esperada convergência de propostas e de projetos para apreciação do poder legislativo. Todas as tentativas de negociação, quanto à tramitação do projeto de lei extraído dessas contribuições tornaram-se, entretanto, inócuas diante de fortes reações que levaram ao impasse e ao alongamento de uma controvérsia sem fim em torno de tentativas frustradas para obter consenso sobre uma reforma universitária possível.
Verbas, dotações e o vezo burocrático da subordinação: a fragilização da autonomia universitária
A busca por recursos orçamentários, a qualquer preço, junto a instâncias governamentais que fazem desse procedimento ato de indulgência ou troca negociada, submete a universidade ao alvedrio politico dos agentes do poder e tornam os seus dirigentes presas fáceis de interesses transitórios, fora da amplitude do horizonte universitário.
O envolvimento de instituições públicas em mobilizações politico-partidário-ideológicas não corresponde a uma estratégia administrativa consentânea com o “ethos” da universidade.
Em tempos mais recentes, administradores de universidades federais envolveram-se, direta e indiretamente, em dois episódios, até então inéditos, com a divulgação, em cerimônia oficial, de manifestos (em 2010 e 2014, anos eleitorais) em prol de uma bem sucedida candidatura presidencial.
As relações das universidades com o poder foram ambíguas, no Brasil, desde as suas origens, apesar do seu começo tardio. Instituições dependentes de recursos públicos, única origem dos meios para a sua manutenção, as universidades, federais ou estaduais, cresceram, com os seus problemas e conquistas, à sombra do Estado. Não fosse por essa razão ou por isso mesmo as relações entre a universidade e o Estado foram, no mais das vezes, tumultuosas. A interferência política pontua, como ainda hoje, as indicações de seus dirigentes. A disputa trava-se, internamente, entre grupos de professores, alunos e funcionários, encorajada pela inspiração ideológica predominante e ao peso dessas pressões definem-se concepções e modelos de gestão acadêmica, injunções a que logram escapar, por exceção respeitada, grupos de pesquisas e pesquisadores com reputação firmada fora do território da universidade.
Até 1964, quando se completou a rede de universidades públicas instaladas nas capitais da federação, os seus orçamentos eram definidos e aprovados pelo Congreso Nacional. A Comissão de Orçamento da Câmara dos Deputados decidia sobre verbas públicas e tornava lei as suas decisões, como derradeira instância governamental. As universidades travavam a luta para a sua subsistência com as representações parlamentares locais, mercê do prestígio de seus dirigentes. Após 1964, os orçamentos passaram a ser definidos no Ministério da Educação e até hoje assim se faz, em obediência a critérios de avaliação e planejmento, nem sempre claros ou sistemáticos. De lá para cá, nada mudou. Os ministérios agem politicamente, com ministros politicos (raros dentre eles conhecem o funcionamento real de uma universidade) que se cercam de técnicos indicados por critérios politico-partidários, na maior parte das vezes.
Vivia-se, por esse tempo, a alongada experiência de subordinação administrativa, mitigada pela habilidades das negociações, nas quais se imiscuía naturalmente a intermediação interessada de agentes politicos. Nessas tratativas não se incluíam, entretanto, como vem ocorrendo de uma certa época a esta parte, compromissos eleitorais ou manifestações públicas de adesão a candidaturas oficiais.
A autonomia preserva a universidade da interferência das instâncias políticas do Estado
Nesse longo itinerário, no curso dos anos que se seguiram a 1964 até a redemocratização do país, situada teoricamente em 1985, a universidade pública, mormente a federal, passou por experiências inéditas umas, outras tantas, a que já nos acostumáramos, não constituíam novidade.
Nos anos de exceção, 25 longos anos, a grosso modo, que iberdade não se mede pelo calendário gregoriano, as universidades se defrontaram com controles ideológicos que vieram juntar-se aos controles administrativos e financeiros já consagrados pela burocracia. Em nenhum desses graves momentos de sua vida, a universidade saiu, pela mãos de seus gestores, em apoio aos governantes, em desobriga eleitoral, com manifestos e apoios públicos. As relações eram por natureza institucionais, institucionais as demandas e as dissenções, no plano da gestão. E, até mesmo, em situações de aberto confronto com o regime instalado.
Para concluir, valham estas palavras derradeiras deixadas por Jean-Paul Sartre, em seus escritos espersos, para a nossa reflexão: “Não fazemos o que queremos, mas somos responsáveis pelo que somos”.
A universidade que vimos nascer e ajudamos a construir é o retrato fiel, por vezes encorajador, outras tantas, imagem constrangedora de uma realidade possível. Representa, em essência, a afirmação de ideias confrontadas com a realidade, em cujo embate nem sempre levaram a melhor.
A Universidade que criamos pode não ser o que gostaríamos de ter inventado: mas somos responsáveis pelo que ela poderá vir a ser.
Referências:
CPDOC/FGV – Anos de Incerteza (1030-1937), Universidade do Distrito Federal, in A Era Vargas, Rio de Janeiro, 2017
Eco, Umberto – Perché le università? (blogacritica.blogspot.com.br/2017/04;
G.K. Chesterton – The man who was Thursday, Mordern Library, Londres, 2001;
Menezes Neto, Paulo Elpídio – “A Universidade Possível”, Oficina da Palavra/Expressão Gráfica Editora, Fortaleza, 2011;
Porto Jr., Gílson — Anísio Teixeira e a universidade brasileira: a vida em um percurso, in Anísio Teixeira e o Ensino Superior, Editora Barbara Bela, Brasília, 2001
Shaw, Bernard – Saint Joan, Penguin Books, Londres, 2001;
Teixeira, Anísio – A Universidade de ontem e de hoje, Revista Brasileira de Estudos Pedagógicos. Rio de Janeiro, vol. 42, n. 45. junho/set de 1964. p. 42.