Universidade pública ou estatal?

Apenas um breve comentário sobre uma questão cuja complexidade está estreitamente associada  ao perfil orçamentário do sistema de ensino superior federal. Trata-se, como se pode perceber, do financiamento e da manutenção das universidades públicas. Dos controles que os engenheiros do orçamento do Estado chamam prosaicamente de “verbas de custeio e verbas de capital”.

Sem parâmetros e indicadores seguros de custos e financiamento das universidades federais, o governo, o ministério da educação à testa dessa navegação sem carta náutica segura, promove a redução de prioridades a controles pontuais de gerenciamento financeiro e contábil,  estratégia de administração por projetos ou em resposta a pressões incontornáveis de lideranças  políticas ou de grupos de dominação ideológica, nas universidades ou no ministério.

Não é que este viés de gestão autoritária tenha sido criado agora.  Tais controles datam de tempos passados. 

Foi assim com o “boom” da criação das universidades federais, na década de 1950. 

Prosseguiu com os governos militares; a Nova Universidade, assim batizada na Nova República de 1985 de Sarney, aperfeiçoou os mecanismos de controle financeiro das IES federais. Os governos que se seguiram não fizeram por que ou como mudar essa prática que, aparentemente, a todos agradava: aos reitores, aos universitários, ao governo, aos políticos e à aguerrida militância de uma jovem esquerda nascente desembarcada na universidade nos anos das grandes inquietações acadêmicas — a “primavera” universitária  de 1968.

Sem recursos próprios, que fossem gerados por atividades científicas ou tecnológicas produtivas, as universidades federais acostumaram-se a depender de dotações ou verbas  orçamentárias  definidas pela União, e a recebê-las e a gastá-las atendendo ao alvitre dos seus impulsos inexperientes.

Verba ou orçamento, para melhor entendimento, são a versão político-ideológica dos impostos devidos e pagos pelo “contribuinte” ao fisco e retalhados por agentes financeiros do governo em nome de uma estrutura de planejamento literalmente suspeita pelas intenções que o governo dissimula…

O princípio da “autonomia universitaria”, inscrito na tradição e na ordem constitucional, nunca foi levado a sério, entre nós, pela razão elementar de que, sem autonomia financeira, jamais  seria reconhecida à universidade a autonomia acadêmica e administrativa suficiente para um governo efetivo e eficiente, a salvo da intervenção do poder do Estado. Apêndice da autonomia financeira e administrativa, a autonomia acadêmica, cientifica e didática transformou-se em um fantasia e fez-se distopia no armazém de maldades ou bondades dos governantes 

A falta de recursos para o que poderia parecer o essencial do planejamento de uma universidade, choca-se, em muitos casos, com o desperdício de recursos e dotações mal consignados ou de obras interrompidas ou abandonadas por evidente inadequação da sua destinação originária.

As perdas de recursos, escassos, mal definidos e aplicados, pontilham os dispêndios inúteis de oarte expressiva dos cometimentos universitarios. Na máquina do governo e na própria universidade.

O ensino de graduação, nos espaços  de alguns bacharelados e nas licenciaturas, engendraram na universidade brasileira um perverso  processo de “retenção” — a que se chama, em casos assim graves, de 
“imbreeding”.  

Os alunos entram na universidade, mas dela não saem, dominados pela sedução invencível de construir um novo mundo, desde que não lhes sejam reclamados grandes esforços e tempo para o aprendizado dos saberes burgueses cuja extinção parece ter sido definitivamente anunciada. 

Esta percepção anunciada reflete, aliás, a insegurança que o ensino da universidade, nas áreas contingentes das humanidades, desperta nos seus alunos.  

Diploma na mão — e depois? 

Os mestres são menos reflexivos, no que se pode observar,  em face das angústias de uma economia “sem empregos”. A estrutura sindical garante as suas conquistas, para tanto foram criados os sindicatos…

É que estas aptidões e a verbalização teórica dos mestres, sobreviventes das batalhas heroicas de 1964, são também ignoradas pelo “mercado”, aquele lugar inflame,  de sabor capitalista, no qual as pessoas recolhem os seus magros sustentos. 

A universidade brasileira carece ser vista e encarada  do ponto de vista das suas potencialidades e de um projeto de futuro, não de contingências mal avaliadas, impulsionadas por setores política e ideologicamente dominantes da corporação.  

Haveria muito mais a sugerir para a apreensão da enorme latitude em que se coloca a gestão da universidade pública no Brasil.

Este debate rouco tem mais de 50 anos, se minhas contas não estiverem erradas. 

Em torno de muitos palpites e digressões convenientes, cunhou-se o princípio da “autonomia universitária” que a tudo serve, menos para definir a natureza do governo da universidade brasileira.

Como dizia aquele velho militante: “não há almoço de graça”…

Paulo Elpídio de Menezes Neto

Cientista político, exerceu o magistério na Universidade Federal do Ceará e participou da fundação da Faculdade de Ciências Sociais e Filosofia, em 1968, sendo o seu primeiro diretor. Foi pró-reitor de Pesquisa e Pós-Graduação e reitor da UFC, no período de 1979/83. Exerceu os cargos de secretário da Educação Superior do Ministério da Educação, secretário da Educação do Estado do Ceará, secretário Nacional de Educação Básica e diretor do FNDE, do Ministério da Educação. Foi, por duas vezes, professor visitante da Universidade de Colônia, na Alemanha. É membro da Academia Brasileira de Educação. Tem vários livros publicados.