UNIDADE CONCRETA – Alexandre Aragão de Albuquerque

Aprendemos com a filosofia hegeliana que o concreto é concreto porque é síntese de múltiplas determinações, ou seja, é unidade do diverso. Por isso o concreto aparece no pensamento como processo de síntese, como resultado. Ao mesmo tempo, por ser concreto, transforma-se em um novo ponto de partida da intuição e da representação. Concreto deriva do latim, “concretum”, o que cresceu junto, “concrescere”, em antítese ao “separado”. Portanto, não existem humanos concretos isolados, separados de outros: isso é pura ideologia. A pessoa humana concreta só pode existir em comunidade. E para que sujeitos humanos possam conviver plenamente numa comunidade civil – sociedade – é necessário que precisamente cheguem a se reconhecer enquanto germanus – irmãos – possuidores das mesmas origem e dignidade humanas.

 

Este reconhecimento mútuo exige que pessoas autoconscientes nem deixem subsistir sua liberdade e ao mesmo tempo reconheçam a liberdade do outro. Sendo assim, somente num Estado de Direito a liberdade dos sujeitos é efetiva uma vez que a sociedade é única condição na qual o direito tem sua realidade concreta. A pessoa concreta, sujeito de necessidades e de interesses, existe como autônoma não fora, mas inserida na sociedade na qual todos os indivíduos estão vinculados uns aos outros.

 

Ontem, 07 de dezembro, tivemos a oportunidade de assistir via internet a um evento jornalístico inaugural das comemorações do centenário de nascimento de Chiara Lubich (22/01/1920), fundadora do Movimento dos Focolares. Entre as reportagens apresentadas de diversos recantos do mundo, chamou-nos atenção o relato sobre a ação que o Focolares no Brasil realiza no Morro da Cruz, na cidade de Florianópolis – SC, desde novembro de 2014, com a abertura de uma pequena “casa focolarina” naquela favela, com o sentido de colaborar com o trabalho social que o padre Vilson Gro desenvolve desde 1983, envolvendo 17 comunidades, com cerca de 5.000 famílias, na busca de enfrentar o desemprego, a questão migratória, a violência contra jovens. Grande a nossa alegria ao identificar na transmissão o amigo focolarino e arte-educador pernambucano Hélson “Mangaba” Bezerra como um dos integrantes desta experiência.

 

No relato do Padre Vilson, encontramos uma teologia concreta. Em seu depoimento ele apresenta a razão central de sua ida ao encontro daquelas pessoas oprimidas: “O que me fez vir até aqui para periferia foi o desejo de estabelecer o meu encontro com Jesus Abandonado: um Jesus concreto, que possui nome, vulto, território e sofrimento. É um Jesus que eu o toco a cada dia. Eu vim para o Morro porque nesse espaço de Mistério, nesse espaço da Teologia-do-encontro-com-o-Abandonado, com o seu Grito, é aqui que realizo todo o meu exercício de retomar o avental de Jesus em seu serviço do Lava-Pés”.

 

Para Vílson, a presença do Focolares no morro concretiza a compreensão de Chiara Lubich, em 1962, quando afirmava seu grande desejo de abrir “casas focolarinas” nas periferias do Brasil. Segundo ele, esta é uma compreensão hoje muito necessária para o Movimento, da importância do que foi aquele acontecimento em 1944, em Trento, na Itália, no qual Chiara “esposou” a dor do outro manifesta naquela mulher, pobre e enlouquecida, que havia perdido seus quatro filhos vítimas dos bombardeios da guerra. Esse fato foi fundamental para todo o desenvolvimento de sua experiência vital sob a perspectiva do que viria a ocorrer no primeiro focolare de Trento onde sentavam sempre à mesa uma focolarina e um pobre. De fato, anos mais tarde Chiara irá expressar que as diversas formas de encarnação da unidade são sempre históricas e concretas, porque acontece entre pessoas concretas, mesmo se é uma experiência mística pela presença de Jesus em meio (“Onde dois ou mais estão reunidos no meu nome, eu estou no meio deles”). Para ela, “o castelo exterior pede comunhão, pede imersão no mundo”.

 

Aqui que reside a força dos movimentos sociais e civis: a partir do concreto e por meio de novas intuições, apontar de forma articulada para uma nova representação e organização da realidade por meio de novas éticas e novas práticas que qualifiquem o vínculo relacional e existencial humano concreto tendo em vista o bem comum.

Alexandre Aragão de Albuquerque

Mestre em Políticas Públicas e Sociedade (UECE). Especialista em Democracia Participativa e Movimentos Sociais (UFMG). Arte-educador (UFPE). Alfabetizador pelo Método Paulo Freire (CNBB). Pesquisador do Grupo Democracia e Globalização (UECE/CNPQ). Autor dos livros: Religião em tempos de bolsofascismo (Independente); Juventude, Educação e Participação Política (Paco Editorial); Para entender o tempo presente (Paco Editorial); Uma escola de comunhão na liberdade (Paco Editorial); Fraternidade e Comunhão: motores da construção de um novo paradigma humano (Editora Casa Leiria) .

Mais do autor

Alexandre Aragão de Albuquerque

Mestre em Políticas Públicas e Sociedade (UECE). Especialista em Democracia Participativa e Movimentos Sociais (UFMG). Arte-educador (UFPE). Alfabetizador pelo Método Paulo Freire (CNBB). Pesquisador do Grupo Democracia e Globalização (UECE/CNPQ). Autor dos livros: Religião em tempos de bolsofascismo (Independente); Juventude, Educação e Participação Política (Paco Editorial); Para entender o tempo presente (Paco Editorial); Uma escola de comunhão na liberdade (Paco Editorial); Fraternidade e Comunhão: motores da construção de um novo paradigma humano (Editora Casa Leiria) .