Neste tempo sombrio do Brasil do Golpe, tempo de mediocridades, no qual cinismo, hipocrisia e baixaria tomaram conta da cena pública, é preciso retornar às fontes sapienciais de nossa construção histórica para delas recebermos água pura restauradora da energia e do discernimento necessários para a luta política do enfrentamento e da superação das trevas que se abateram sobre nós.
Revisitando o pensamento do gigante pernambucano Josué de Castro, deparei com uma sua carta, datada de 08 de setembro de 1964, redigida na França, do exílio a ele imposto pela ditadura militar de então, endereçada à sua filha Anna Maria. Nela ele destaca a necessidade de vivermos a vida em meio ao bem e ao mal, mas sempre com grandeza, nunca com a mesquinhez dos pensamentos pequeninos e egoístas. E para tanto, diante daquela realidade autoritária de 64, era preciso reagir contra o exército de pigmeus da mediocridade que assolava o Brasil em todo o seu território com um apetite e ferocidade de formigas esfomeadas, agitadas, inconscientes do mal que perpetravam ao povo brasileiro e ao mundo.
Josué declara sua revolta pelas perseguições miseráveis, publicadas pelos jornais da época, onde a mediocridade recalcada se desforra contra os homens e mulheres de Pensamento, de Caráter e de Coragem que se entregaram ao serviço de trabalhar pela emancipação econômica, social e cultural do povo brasileiro. Notícias estarrecedoras sobre os métodos de tortura “que os novos nazistas brasileiros estão usando e que certamente receberiam efusivas congratulações de Hitler e seus seguidores”. E tudo isto feito apenas para entregar as riquezas nacionais ao capital internacional, resultado do reacionarismo feudal brasileiro, apodrecido no clima decadente dos seus privilégios desumanos.
Em seu livro “Sete Palmos de terra e um caixão”, Josué descreve com maestria a necessária atitude de luta permanente diante da estrutura de opressão historicamente mantida ao longo dos séculos no Brasil, pela abusiva permanência de um sistema que ofende a dignidade humana e mantém todos os poderes nas mãos de umas poucas famílias de privilegiados. Diz Josué de Castro: “Foi vendo este espetáculo que Francisco Julião apareceu e deu expressão à agitação autodidata assim como, há muito séculos, Frei Bartolomeu de Las Casas, assistindo à hecatombe dos índios dizimados pelos colonizadores espanhóis, passou a agitar o problema da escravidão dos índios. Como Joaquim Nabuco, diante da escravidão do negro se fez agitador da abolição. Como Antônio Silvino e Lampião, diante do desrespeito aos direitos do homem impostos pela prepotência dos latifundiários do sertão, fizeram-se agitadores do cangaço. Joaquim Nabuco riscando a história com os traços de sua pena e Lampião com os traços de sua bala. Sempre o mesmo processo: a agitação latente se exprimindo pela força consciente de uma forte personalidade humana”.
O tempo presente não nos pede menos. A arquitetura do Golpe de 2016 visa destroçar todas as conquistas sociais obtidas pelas políticas públicas implantadas no Brasil nos três mandatos dos governos do PT, com Lula (2003-2010) e Dilma (2011-2014); dizimar o protagonismo internacional conquistado pelo Brasil por meio dos diálogos multilaterais desenvolvidos nesse período; entregar nossas riquezas estratégicas ao capital internacional, a começar pelo Pré-Sal. Para isso o ultraliberalismo autoritário, representado por Guedes, Moro e Bolsonaro, estão buscando implantar uma estrutura de violência econômica, jurídico-policial e ideológica, para deixar a população brasileira pauperizada e dominada.
A voz de Josué de Castro é muito clara: é tempo de agitação contra essa opressão colocada em andamento por Bolsonaro e seus pigmeus. E para que essa luta ganhe um marco na verdade histórica ela precisa ser escrita no tecido espiritual da consciência coletiva. É preciso ser suficientemente ousados e corajosos para encarar os desafios de frente para superá-los de forma profunda.