UMA VISÃO MAIS AMPLA

“Um homem virtuoso considera a justiça como o interesse maior”. (Pensamento chinês).

 

No dia 23 de outubro, na cidade de Kazan, na Rússia, o Presidente da República Popular da China, Xi Jinping, pronunciou seu discurso na 16ª Cúpula do BRICS, demarcando a necessidade de essa articulação histórica dos países do Sul Global avançar por meio de escolhas cruciais que moldarão o futuro da humanidade. A opção pelo caos e desordem ou pela paz e o desenvolvimento dos povos. Para tanto, precisarão caminhar em unidade de coração e mente.

Jinping alicerça seu discurso em duas bases axiológicas. Primeiramente recorrendo ao pensamento confuciano para o qual a virtude central é a justiça, valor fundamental que deve guiar as ações e decisões de pessoas e governos. Quando a justiça é o interesse maior, não se trata apenas de seguir leis, mas de agir com integridade, honestidade e equidade em quaisquer circunstâncias.

Uma pessoa virtuosa, segundo a perspectiva confuciana, coloca o bem comum acima dos interesses pessoais, diferentemente do neoliberalismo ocidental cuja centralidade é o ultraindividualismo predador: “farinha pouca, meu pirão primeiro”.

Em termos práticos, considerar a justiça como o maior interesse implica em tomar decisões que promovam a igualdade, trabalhar para a construção de um mundo mais justo e correto, pautando as ações por princípios éticos capazes de visar o bem comum e não pela busca desenfreada e frenética da realização de desejos privados. A justiça, nesse contexto, é vista como um pilar para a harmonia social e bem-estar coletivo.

A outra referência apontada pelo Presidente Xi Jinping foi o romance “Que fazer?”, escrito em 1862 pelo intelectual russo Nicolai Tchernyshevsky (1828-1889), líder do movimento democrático na década de 1860, confiante de que a luta política poderia por um fim ao despotismo czarista da Rússia. O herói desta obra consagrada é um homem comprometido com o seu tempo, com forte crença num futuro melhor a ser conquistado.

Diz Xi Jinping: “A determinação inabalável e o impulso apaixonado do protagonista do romance são exatamente o tipo de força de vontade de que precisamos hoje. Quanto mais tumultuados nossos tempos se tornam, mais devemos permanecer firmes na vanguarda, exibindo tenacidade, demonstrando a audácia de ser pioneiros e exibindo a sabedoria para nos adaptarmos. Devemos trabalhar juntos para transformar o BRICS em um canal primário para fortalecer a solidariedade e a cooperação entre as nações do Sul Global e uma vanguarda para o avanço da reforma da governança global”.

O correlato do pensamento confuciano seria o pensamento cristão, central na construção da cultura ocidental. Para o cristianismo, há uma trilogia angular das virtudes a serem vividas pelas pessoas: fé, esperança e amor. Sendo o amor a virtude suprema.

Para o filósofo francês, Alain Badiou, conhecido por sua obra complexa e influente, o pensamento só pode ser libertado de suas formas antigas e de sua impotência por meio de algo que exceda a sua ordem, capaz de reorganizar a vida nos seus lugares. Para Badiou, essa operação chama-se “ressurreição”, entendida como a reinvenção de um modo de viver que desvia da repetição e produz novos modelos de pensar e agir. Implica uma nova fé, com uma nova militância. O sujeito vivo deve determinar-se não apenas em seu surgir, mas também em seu labor. O amor é o labor do qual a fé é capaz. O acreditar mostra-se eficaz pelo amor. Pelo amor descobre-se que a nossa energia não é contra a verdade, mas para a verdade. E uma energia só pode ser verdadeira se levar em consideração toda a humanidade. (Pensando Paulo Freire – Segunda Opinião).

A universalidade, portanto, não é um conceito estático, mas um processo contínuo de elaboração e redefinição. Um projeto em constante evolução, que requer a participação ativa e a coragem de enfrentar as adversidades, implicando labor coletivo, visando a um mundo mais humano e justo. Daí a importância de eventos singulares que podem desafiar e transformar a ordem estabelecida, promovendo novas formas de pensar e de agir. O sujeito vivo é aquele que sustenta o universal.

Xi Jinping, em seu discurso, convida todos a construir um BRICS comprometido com a paz e com a segurança comum, como uma comunidade indivisível de segurança. Construir um BRICS comprometido com a inovação, atuando como pioneiros do desenvolvimento de alta qualidade, promovendo novas forças produtivas de qualidade. Construir um BRICS comprometido com o desenvolvimento verde, agindo como promotores de desenvolvimento sustentável, definindo o verde como a cor norteadora dos novos tempos. Construir um BRICS comprometido com a justiça, precursores na reforma da governança global. Garantir que o sistema financeiro internacional reflita de forma mais eficaz as mudanças no cenário econômico global. Para isso o NDB (New Development Bank) deve ser expandido e fortalecido.

Por fim, o Presidente da China, em sua ampla visão, defendeu um BRICS comprometido com intercâmbios mais estreitos entre pessoas. Todos devemos agir como defensores da coexistência harmoniosa entre todas as civilizações para a construção de uma comunidade internacional com um futuro compartilhado.

Alexandre Aragão de Albuquerque

Mestre em Políticas Públicas e Sociedade (UECE). Especialista em Democracia Participativa e Movimentos Sociais (UFMG). Arte-educador (UFPE). Alfabetizador pelo Método Paulo Freire (CNBB). Pesquisador do Grupo Democracia e Globalização (UECE/CNPQ). Autor dos livros: Religião em tempos de bolsofascismo (Editora Dialética); Juventude, Educação e Participação Política (Paco Editorial); Para entender o tempo presente (Paco Editorial); Uma escola de comunhão na liberdade (Paco Editorial); Fraternidade e Comunhão: motores da construção de um novo paradigma humano (Editora Casa Leiria) .