UM PROPÓSITO INÚTIL

“sejamos realistas, peçamos o impossível.”
 
Herbert Marcuse
 
Durante a segunda revolução industrial ocorrida no início do século 20, também chamada de revolução fordista pelo uso na indústria automobilística de padrão de produção incorporando os novos saberes tecnológicos de então, como o motor a combustão de minerais fósseis (o petróleo) e a energia elétrica, e outros minerais, bem como recursos da engenharia de produção entre outros comportamentos, manifestou-se o início de um novo tipo de domínio político: o grande capitalismo econômico-financeiro e industrial mundial.
O engenheiro de produção Frederick W. Taylor (1856-1915) havia introduzido a melhoria da produtividade industrial a partir da produção por peças na qual cada trabalhador repetia um fazer específico que lhe dava agilidade produtiva que ficou conhecido como “taylorismo”.
Henri Ford, precursor da indústria automobilística em Detroit, Estados Unidos, aproveitou os ensinamentos de Taylor e foi além, adaptando a máquina ao homem, introduzindo a forma de esteiras na qual os operários repetiam o gesto de produção repetidamente, mas sem precisar se locomover do local onde estavam, modo de produção opressor tão bem retratado por Charles Chaplin no antológico filme “Tempos Modernos”.
Tais recursos tecnológicos (energia e engenharia de produção) aplicados à produção de mercadorias gerou lucros capitalistas antes inimagináveis ao mesmo tempo que promoveu o consumo das mercadorias barateadas que se tornaram acessíveis ao consumo popular. Tudo parecia confirmar novos e promissores tempos.

O automóvel, por exemplo, que era caro e somente acessível à elite, passou a ser comprado mais comodamente e usado largamente no transporte de mercadorias e gente, substituindo em parte a ferrovia a vapor de então. Outros produtos modernos também surgiram concomitantemente, como os refrigeradores, a iluminação pública e residencial à luz elétrica, o rádio, entre outros apetrechos e ganhos civilizatórios.

Entretanto, tais eventos resultaram no aguçamento pelo novo tipo de domínio político-econômico, diferente do mal-intencionado colonialismo antigo, qual fosse o domínio da tecnologia na produção de mercadorias pelos países mais desenvolvidos nessa área, para produzi-las e vende-las com valor agregado obtendo acúmulo de riqueza abstrata (capital).

A produção industrial é predominantemente urbana, e assim, os braços antes usados na agricultura de subsistência foram chamados às cidades com os apelos da vida moderna e o sentido gregário que permeia a vida humana; então começou a se formarem os grandes centros urbanos,
Tais movimentos migratórios e de produção geraram a primeira grande guerra mundial na qual a Alemanha tentou dominar a Europa e parte do leste euroasiático (Rússia e países mais ao leste) com a teoria do lebensraum (espaço vital) que provocou a primeira guerra mundial (1914 a 1918) com o uso de máquinas da morte antes desconhecidas, causando um genocídio de cerca de 10 milhões de pessoas e mais de 20 milhões feridos e mutilados. Consta que o brasileiro Santos Dumont se deprimiu ao ver o seu invento, o avião, a soltar bombas mortíferas num propósito diferente daquele por ele pensado.

O capital é assassino.

Como resultado da primeira guerra mundial, dos movimentos migratórios e dos novos modos de produção surgiu a primeira grande crise do capitalismo consubstanciada em 1929/1930 e cognominada como a “grande depressão” causando miséria, grandes turbulências sociais e o surgimento do crime organizado (as máfias estadunidenses da época da lei seca, no mesmo período).
A miséria social é mãe do crime organizado, como ocorre neste Brasil haitizado de hoje.
Entretanto, a “grande depressão” pôde ser parcialmente contornada com medidas estatizantes de indução ao consumo, como o “new deal” do Presidente Franklin Delano Roosevelt, que consistiu em intervenção de socorro aos bancos, empresas, e crescimento de obras públicas, tudo dentro do figurino preconizado por John Maynard Keynes, defensor da tese de intervenção estatal na economia que ficou conhecida como “keynesianismo”.
É daí que surgem os primeiros sintomas de inflação, ou seja, de perda de substância da moeda, que vem se agravando, e agora toma forma incontornável dentro das regras capitalistas, keynesianas ou neoliberais.

Mas os efeitos colaterais do capitalismo nunca desaparecem.

Com a Alemanha se recuperando dos graves e pesados encargos do pós-primeira guerra (a inflação na Alemanha de 1923 transformou as cédulas de sua moeda em lixo) surgiu o Partido Nazista (Partido Nacional Socialista dos Trabalhadores Alemães – o capitalismo sempre exaltou o trabalho e o trabalhador, seiva de sua exploração e existência) que ganhou popularidade apelando para o sentimento de revanche pelo sofrimento imposto no pós-guerra e resgate do orgulho alemão que fora ferido, e tudo junto com a tentativa de resgate de sua antiga e frustrada intenção de dominação, que resultou na segunda guerra mundial conduzida por um tirano eleito, Adolf Hitler.

Portanto, são as mudanças do modo de produção de mercadorias, e de capital, aquilo que tem tornado o ser humano refém de genocídios repetidos ao longo de mais de um século e que agora atinge um grau de letalidade capaz de nos destruir a todos, bem como de sermos extintos como espécie pela crise ecológica causada pela irracionalidade de um sistema de produção irracional e genocida.

O capitalismo foi indutor do desenvolvimento do saber e viabilização da vida de bilhões de pessoas? Sim, do mesmo modo que as guerras induziram descobertas. Entretanto, isso não significa que tais evoluções provocadas por ambos certifiquem que ele seja saudável, e muito menos as guerras, e nem que não pudessem ser obtidas por outras formas de relações sociais sem os genocídios do capitalismo e de suas guerras imanentes.

Atingimos atualmente a era da terceira revolução industrial da microeletrônica que criou a cibernética, que com mais profundidade do que as transformações sociais havidas na segunda revolução industrial fordista, simplesmente conspira contra as regras de funcionalidade da relação social sob a égide do capital, impelindo-nos à sua superação radical, sob pena de sucumbirmos junto com ela se não a superarmos.

Karl Marx tinha razão quando disse que o capitalismo cava a sua própria sepultura!!!

O desenvolvimento da cibernética a partir da descoberta e uso da microeletrônica está para o surgimento do motor à combustão fóssil e energia elétrica com o mesmo sentido de transformação das relações sociais perturbadoras, só que esta última com uma dimensão de irreversibilidade incontornável e maior grau de prejudicialidade.

Note-se que todas as invenções aplicadas ao modo de produção de mercadorias ocorreram como modo de geração de lucros individuais e exacerbação da extração de mais-valia e tudo sob a indução e controle da “mão invisível” do mercado, como assim a cognominou o pai da economia moderna, Adam Smith.

Entretanto, o lucro individual obtido na guerra concorrencial de mercado, paradoxalmente, conspira contra a produção da massa global de valor e decreta a falência do capitalismo que ora respira por aparelhos, com emissão de moeda oficial falsa, dívidas públicas com juros impagáveis e insuportáveis imputados aos países devedores pobres, e depressão econômica.

Parabéns a Karl Marx, por ter desvendado o mistério da exploração social encoberta pela farsa da prosperidade social capitalista há quase 170 anos.
É sob tal contexto de decadência do imperialismo belicista ocidental pelos motivos aqui expostos que se quer retomar a antiga ideia de formação de um outro bloco antagônico ao da OTAN, mas infelizmente sob os mesmos pressupostos mercantilistas e econômico-financeiros decadentes. É claro que isso não resolve a crise, e somente vai provocar uma guerra fratricida perigosa.
Precisamos de bons exemplos que sirvam de norte para toda a humanidade, e não apenas mais do mesmo (Estados Unidos e China, locomotivas chefes destas disputam de blocos, são os dois maiores poluentes promotores irracionais do aquecimento global).
É sob tal contexto que se retoma a ideia antiga de formação de blocos capitalistas que disputam ( tal qual o pequeno comerciante de Bairro com seus concorrentes ali estabelecidos) a vitória de Pirro na guerra da concorrência industrial, comercial e financeira mundial, para se ser detentor do comando político serviçal de uma pretendida hegemonia econômica num momento de depressão da dita cuja.
Senhores da OTAN e dos BRICS, vocês mais se parecem com crianças brincando com armas altamente letais carregadas nas mãos.
Nós outros, menos interessados no poder político a serviço do capital, devemos ter a consciência de retirar das mãos desses adultos infantis e vaidosos, eleitos pela manipulação do poder econômico e midiático, ou pela fraude ou negação da derrota eleitoral escancarada, ou ainda pela exclusão de má qualidade dos seus adversários eleitorais, as armas da morte cuja pólvora se chama capitalismo.

Dalton Rosado

Dalton Rosado é advogado e escritor. Participou da criação do Partido dos Trabalhadores em Fortaleza (1981), foi co-fundador do Centro de Defesa e Promoção dos Direitos Humanos – CDPDH – da Arquidiocese de Fortaleza, que tinha como Arcebispo o Cardeal Aloísio Lorscheider, em 1980;