Um projeto de extorsão popular, por Alexandre Aragão de Albuquerque

O fatídico ano de 2018 chega ao seu fim. Sobre este nossos artigos publicados no Segunda Opinião tiveram a oportunidade de apontar algumas de suas mazelas. O ano novo anuncia a continuação do projeto de extorsão popular perpetrado pelo Golpe de abril de 2016. Extorsão é o ato de alguém obrigar um indivíduo ou uma coletividade a tomar um determinado comportamento por meio de ameaça ou violência com a intenção de obter lucro.
O projeto em questão tem duas alavancas econômicas básicas para ampliar a exploração pela classe dominante do povo trabalhador: a reforma da previdência e a reforma trabalhista. Para ficarmos num exemplo, conforme vídeos que circularam abundantemente pelas redes sociais, o próximo presidente do Brasil defende abertamente ideia de que as garantias e obrigações sociais referentes ao trabalho humano do brasileiro e da brasileira devem ser iguais ao da informalidade. Na informalidade, entre outras faltas-de-garantia, não há férias, não há 13º. salário, não há seguro-desemprego, não há aviso-prévio nem indenização em caso de demissão, não há aposentadoria. Há somente a obrigação de trabalhar.
No campo político, esse projeto prevê a publicação de leis que garantam o açodamento da violência pelo Estado a movimentos sociais e organizações populares contrárias a essa extorsão, além de um forte “lawfare” contra os partidos de esquerda e suas lideranças, cujo exemplo maior é a prisão política do Presidente Lula.
E no campo cultural, faz parte do cardápio extorsivo, o uso da mentira (fake) como método de ação, como tivemos a oportunidade de constatar durante toda a “não-campanha” eleitoral deste ano. No dizer do pensador Albert Tévoédjrè, em sua obra “O Rosto Africano da Esperança”, a crise de nossa civilização é porque a mentira tornou-se um sistema. A mentira é a manipulação do outro: deixar-se perverter pela hipocrisia é uma das causas profundas da crise contemporânea, onde o outro se percebe como um ser estranho ao seu semelhante.
Para a ampliação dessa manipulação simbólica dos corações e mentes nacionais, há ainda o suporte ideológico do conservadorismo religioso presente nas correntes evangélicas neopentecostais e setores carismáticos do catolicismo brasileiro. Tudo isso para se apoderarem de partes cada vez maiores da riqueza produzida socialmente.
Se fizermos uma breve viagem no tempo, veremos que essa apropriação da riqueza produzida pelo trabalho humano não é hoje. Desde os primórdios da civilização, no antigo Oriente Médio, a terra era a riqueza principal sendo interpretada como propriedade dos deuses da sociedade em geral. Os templos eram as casas dos deuses e os humanos tinham sido criados como servos dos deuses, conforme atesta o mito babilônico da criação, “Enuma Elish”. Assim a responsabilidade da imensa maioria do povo era a de produzir abundância de bens (excedentes) para serem levados aos depósitos dos templos, onde os sacerdotes e os poderosos cuidavam e alimentavam os deuses.
Também no mito do antigo Israel, a terra (a riqueza) era considerada como pertencente ao seu deus Javé. Pelo fato de Deus lhe haver dado a terra, eles deveriam devolver uma parte do seu produto em gratidão pela sua benevolência. Conforme se lê em Neemias, o povo “obrigava-se” a levar as primícias do solo e as primícias de todos os frutos de todas as árvores, bem como os primogênitos do gado graúdo e do gado miúdo, além da melhor parte das moeduras, do vinho novo, do azeite seriam levados aos sacerdotes no Templo. E o dízimo da terra seria entregue aos levitas, sendo os próprios levitas a recolherem o dízimo em todas as cidades agrícolas. Acontece que a partir da monarquia dos reis davídicos, considerados como regentes de Deus, esses reis reivindicaram para si tanto os produtos da terra como a mão-de-obra que o povo supostamente devia a Deus e com isso mantinham o luxo a si, a seus familiares e aos sacerdotes.
Entre as lições conferidas por Michel Foucault em seus estudos sobre o poder está aquela na qual a verdade não depende da razão, mas dos regimes políticos. Instituir os mitos e a verdade é essencialmente um ato de poder. Quanto mais autoritário for o pensamento do grupo no poder, tanto mais autoritário será o regime que forjará a verdade por ele a ser imposta aos seus governados.
O ano de 2019 apresenta-se como uma grande arena de combate contra a pauta extorsiva que o Golpe visa implantar sobre o povo brasileiro. Cada um em seu lugar sociológico deve empunhar a armadura da resistência, articulando-se com todos os outros numa composição nacional de luta pela manutenção dos direitos adquiridos e pelo retorno imediato da democracia e do Estado de Direito no Brasil.

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Alexandre Aragão de Albuquerque

Mestre em Políticas Públicas e Sociedade (UECE). Especialista em Democracia Participativa e Movimentos Sociais (UFMG). Arte-educador (UFPE). Alfabetizador pelo Método Paulo Freire (CNBB). Pesquisador do Grupo Democracia e Globalização (UECE/CNPQ). Autor dos livros: Religião em tempos de bolsofascismo (Independente); Juventude, Educação e Participação Política (Paco Editorial); Para entender o tempo presente (Paco Editorial); Uma escola de comunhão na liberdade (Paco Editorial); Fraternidade e Comunhão: motores da construção de um novo paradigma humano (Editora Casa Leiria) .

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Alexandre Aragão de Albuquerque

Mestre em Políticas Públicas e Sociedade (UECE). Especialista em Democracia Participativa e Movimentos Sociais (UFMG). Arte-educador (UFPE). Alfabetizador pelo Método Paulo Freire (CNBB). Pesquisador do Grupo Democracia e Globalização (UECE/CNPQ). Autor dos livros: Religião em tempos de bolsofascismo (Independente); Juventude, Educação e Participação Política (Paco Editorial); Para entender o tempo presente (Paco Editorial); Uma escola de comunhão na liberdade (Paco Editorial); Fraternidade e Comunhão: motores da construção de um novo paradigma humano (Editora Casa Leiria) .