UM NOVO TEMPO SEM CORDEIROS OU LOBOS

 

Desconfio que a aproximação de alguns de nós com grupos de familiares e de amigos de infância ou de profissão esteja obnubilando a razoabilidade dos “nossos” julgamentos e o desprendimento necessários para ruptura com o mal. Mal aqui emprego como tudo aquilo capaz de causar prejuízo.

Alguém tem dúvida de que o fenômeno do bolsonarismo é atinente apenas a Bolsonaro? Seria ingenuidade demais associar características nazifascistas a alguém apenas porque ela defende Bolsonaro. Todos sabemos que o presidente foi e é um fantoche do empresariado, dos militares mais antipatriotas e dos pervertidos por um maucaratismo extremo, capazes de trocar uma amizade pela histeria coletiva de pessoas mal educadas e burras, porém sacanas, quando se beneficiam da situação.

Todos nós temos um mau caráter na família, às vezes, tão próximo que nos envergonha. Mas a nossa bússola moral e ética não pode emperrar para nos deixar cegos e inermes com relação a eles. Não ter bandido de estimação significa que esse bandido pode ser parente próximo ou amigo querido. Não posso condescender a um mal (ou a um mau) porque vem de quem é ou me foi caro no passado.

Aquele determinado grupo (mais próximo a nós) que é altamente tóxico, se está cheio de pessoas insanas, fracas, moralmente deploráveis e defensoras de um sistema de exclusão mais cruel que possa existir, está roubando a nossa energia e a nossa paz. Se o fato de alguns membros desses grupos serem amigos impedir o nosso julgamento racional, estamos sendo concupiscentes, incoerentes, coniventes e omissos diante de todas as desgraças perpetuadas por esse governo e aplaudidas pelos que estão próximos a nós.

Creio que nossos filhos e a geração que os envolve é o que nos impele às lutas.

Sei que alguns têm uma batalha difícil, inadiável, com mais perdas que ganhos. Resta-nos pensar no que queremos para o futuro. Eu, como proveniente de um bairro operário e embarreirado numa condição social que impediu milhões, como eu, de acessar os bens mais primários durante muito tempo, não arrefecerei um centímetro diante do mal, mesmo não tendo fé religiosa. Não sucumbirei aos desejos de nenhum ditador, mesmo que seja meu pai, irmão ou filho. Não trocarei agrados com quem pode excluir um ser de existir na sua plenitude. O perdão ou a vista grossa ao comportamento dos ditadores é o que nos faz cordeiros cultuando lobos.

Carlos Gildemar Pontes

CARLOS GILDEMAR PONTES - Fortaleza–CE. Escritor. Professor de Literatura da Universidade Federal de Campina Grande – UFCG. Doutor e Mestre em Letras UERN. Graduado em Letras UFC. Membro da Academia Cajazeirense de Artes e Letras – ACAL. Foi traduzido para o espanhol e publicado em Cuba nas Revistas Bohemia e Antenas. Tem 26 livros publicados, dentre os quais Metafísica das partes, 1991 – Poesia; O olhar de Narciso. (Prêmio Ceará de Literatura), 1995 – Poesia; O silêncio, 1996. (Infantil); A miragem do espelho, 1998. (Prêmio Novos Autores Paraibanos) – Conto; Super Dicionário de Cearensês, 2000; Os gestos do amor, 2004 – Poesia (Indicado para o Prêmio Portugal Telecom, 2005); Seres ordinários: o anão e outros pobres diabos na literatura, 2014; Poesia na bagagem, 2018; Crítica da razão mestiça, 2021, dentre outros. Editor da Revista de Estudos Decoloniais da UFCG/CNPQ. Vencedor de Prêmios Literários nacionais. Contato: [email protected]

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