O tema do discernimento tem centralidade na ação pastoral do Papa Francisco. Para ele o discernimento é fundamental se se quer seguir em frente na conquista do bem pessoal e social para todos. Sem o discernimento, os atos humanos tornam-se casuísticos e fechados. Francisco afirma que não se pode temer a novidade; mas para isso, adverte o pontífice, é fundamental cuidar bem da formação humana, buscando-se conhecer os próprios limites a fim de identificar as armadilhas ideológicas, principalmente aquelas veiculadas ostensivamente nos meios de comunicação social hegemônicos: “Na vida, não é tudo preto no branco ou branco no preto. Não! Na vida, prevalecem os tons de cinza. Então, é preciso aprender a discernir nesses cinzas”.
No dia 14 de janeiro deste ano, em mais um de seus cavacos com jornalistas no Palácio da Alvorada, o capitão Bolsonaro, ao não reconhecer a história recente de nosso país, com sua ominosa atitude tosca, classificou como “comida que urubu come”, “porcaria”, o filme brasileiro DEMOCRACIA EM VERTIGEM, da diretora Petra Costa, indicado ao Oscar 2020, prêmio internacional concedido pela Academia Cinematográfica de Hollywood – EUA às melhores produções do ano. O longa-metragem é um rigoroso documentário do impacto dos protestos pré-golpe, iniciados em 2013, manipulados pela grande mídia e pela direita política brasileira, facilitando a arquitetura do processo político que deflagrou a deposição da presidente Dilma Rousseff, sem comprovação de crime de responsabilidade praticado por ela, como também com a prisão arbitrária e ilegítima do presidente LULA feita pelo global Sérgio Moro, resultando na eleição de Bolsonaro. No documentário consegue-se perceber claramente quem são operadores do Golpe 2016.
Em sua “live semanal”, no dia 16, o capitão afirmou que “depois de décadas, temos sim um secretário de cultura de verdade que atende ao interesse da maioria da população brasileira”. Na manhã seguinte, o secretário de cultura Roberto Alvim lançou um vídeo-manifesto ao reproduzir o pensamento do propagandista do nazismo alemão, Joseph Goebbels, afirmando que “A arte brasileira da próxima década será heroica e nacional. Será dotada de grande capacidade de envolvimento emocional e será igualmente imperativa”.
Heroísmo, nacionalismo e imperativo cognitivo. Brasil acima de tudo: ame-o ou deixei-o. Totalitarismo brasileiro com seus tons de cinza em movimento, desde a campanha eleitoral de 2018. Não foram poucas as manifestações do capitão ao demarcar a linha de conduta de sua campanha de desqualificar e de desumanizar o outro que lhe é diferente. Chamou a CNBB de “a parte podre da Igreja Católica”; insuflou-se abertamente contra jornalistas brasileiros e internacionais; divulgou amplamente seu preconceito contra indígenas, pretos, pobres e bichas.
Em reação ao discurso nazista de Roberto Alvim, a Confederação Israelita do Brasil – Conib – emitiu uma nota considerando “inaceitável o uso do discurso nazista pelo secretário de cultura”. Diz ainda a nota que “emular a visão do ministro da Propaganda nazista de Hitler, Joseph Goebbels, é um sinal assustador de sua visão de cultura, que deve ser combatida e contida”. Ocorre, porém, que essa mesma comunidade judaica, quando de uma palestra em campanha eleitoral, o capitão Bolsonaro, em 2017, no Clube Hebraica, no Rio de Janeiro, disse que foi “num quilombo e o afrodescendente mais leve pesava sete arrobas (medida para pesar animais de abate): nem pra procriador serve mais”, a comunidade judaica presente ao evento, em vez de proceder o combate aberto contra esse preconceito nazista manifesto por Bolsonaro, aplaudiu-o, ovacionou-o, chamou-o de “mito”.
Hannah Arendt, em seu maravilhoso trabalho sobre a banalidade do mal, registra que a primeira câmara de gás nazista foi construída em 1939 para implementar o decreto de Hitler de 1º. de setembro daquele ano condenando “pessoas imprestáveis” à morte. Cerca de 50 mil alemães foram mortos de 1939 a 1941, por gás monóxido de carbono, por serem consideradas imprestáveis. Mas, em sua segunda etapa, o papel desempenhado pelos líderes judeus na destruição do seu próprio povo foi, sem dúvida nenhuma, o capítulo mais sombrio de toda a história de sombras. Havia um processo seletivo, sob o comando desses líderes, de quem seria salvo e de quem seriam os judeus a serem levados aos campos de extermínio para morrerem nas câmaras de gás.
No outro lado do disco, ainda nessas tonalidades de cinza do bolsonarismo, vamos documentar um fato não menos curioso. No dia 15 de janeiro, o jornal Folha de São Paulo denunciou que Fábio Wajngarten, chefe da Secretaria de Comunicação da Presidência da República (SECOM), recebe, através de uma empresa de comunicação da qual é proprietário, dinheiro de emissoras de TV e de agências de publicidade contratadas pela própria SECOM. É um caso enciclopédico de violação do código de ética do serviço público. Em outros tempos, isso daria até cadeia. É desnecessário dizer o que a GLOBO faria se isso tivesse ocorrido num governo do PT. Mas o que a GLOBO fez? Silenciou. Tratou o escândalo como um não-acontecimento, como assinalou Jeferson Miola, integrante do Instituto Debates, Estudos e Alternativas de Porto Alegre (IDEA). Segundo ele, mais uma vez a Globo nos ensina o que é o bolsonarismo: é a forma que o ultraliberalismo assumiu no Brasil mediante o pacto de dominação firmado entre a oligarquia nacional e o establishment estadunidense com as finanças internacionais para promover uma profunda destruição dos direitos sociais, da soberania e devastação das riquezas de nosso país. É expressão genuína da alma da classe dominante, disfarçados como FHC e outros golpistas, que abandonaram qualquer compromisso com a democracia e proclamaram o ódio ao PT como centralidade do seu programa político. A Globo está na origem do bolsonarismo, é sócia-fundadora. Sem a Globo não haveria bolsonarismo: um fascismo de amplo espectro.