_ O senhor tira três por quatro?
_ Não senhora. Trabalho no jornal.
_ Mas num tira três por quatro?
A boca mole da velha dança no rosto seco.
Ele não tem tempo a perder com aquilo.
_ Senhora, me desculpe, preciso tirar uma foto da morta.
_ A Brigite? Então se adiante, meu filho, que já chamaram o rabecão.
_ Dê licença.
Abre caminho por entre as mulheres e crianças que se amontoam no corredor estreito.
Encontra Brigite esparramada na cama.
“Tomou Aldicarbe”, dissera o médico, recostado na ambulância. Nada puderam fazer.
Ele procura o melhor ângulo.
Os flashes da câmera explodem sobre Brigite. Duas, cinco, doze vezes. Uma daquelas fotos há de agradar o editor.
O policial se aproxima.
_ O senhor é da televisão?
_ Não. Sou do jornal.
_ Mas vem reportagem, num vem?
_ Deve vir.
O policial alisa o bigode.
_ Tá quente, né?
Ele concorda com um aceno e volta a olhar para Brigite, que segue encarando o teto com os olhos esbugalhados.
_ Mais um que se mata. Já é o terceiro essa semana. Antes de ontem foi lá no Passeio Público. Na terça-feira, lá na Princesa Isabel. E tudo do mesmo jeito. Chumbinho. Parece que virou moda. – diz o policial.
O barulho no interior do quarto aumenta, assim como o número de crianças ao redor da cama. Uma delas cai sobre as pernas finas de Brigite. O policial a retira com brutalidade.
Na parede mofada uma foto antiga de Madonna sorri para todos.
O calor se torna insuportável, assim como o cheiro de urina. Melhor sair.
Já no corredor estreito, dá passagem para a equipe do rabecão. Ouve a algazarra atrás de si.
Na calçada, sol a pino. Precisa beber algo. Alguém puxa sua camisa.
_ O senhor tira três por quatro?
A boca mole da velha dança no rosto seco.
Ele não tem tempo a perder com aquilo