O Palhaço Tiririca, quando da sua campanha vitoriosa para deputado federal, há quatro anos, repetia o mantra: “Vote no Tiririca, pior do que tá não fica”. Se se considerar a realidade partidária cearense, é um caso sério do que o que já era ruim ficou pior. O trágico tornou-se mais trágico. Senão, veja-se.
Há quatro anos, escrevi um artigo com o título idêntico – apenas sem o “revisitada” – ao deste (“Segunda Opinião”, 7/5/2014), do qual retiro as seguintes considerações: 1. a observação dos fatos demonstrava que, no Ceará, partidos políticos de fato pouco significavam. A não ser, em obediência à prescrição constitucional, segundo a qual monopolizam a função representativa, ou seja, pertencer a um partido é condição necessária à elegibilidade, aspectos outros das suas existências e potencialidades não eram valorizados; 2. o noticiário da conjuntura escancarava a dimensão trágica da vida partidária estadual; 3. generalizava-se o discurso da lealdade/deslealdade, da gratidão/ingratidão, da atenção/desatenção pessoais, enfim, a regra era a fulanização, em detrimento de estruturas e processos; 4. não se via a apresentação de um programa, de uma diretriz, de uma linha de ação que apontasse para além da racionalidade instrumental, de ocasião.
De fato, a existência de partidos tende a constituir um “sistema partidário”, ou seja, a interação que as agremiações desenvolvem, entre si, diante de leis, instituições e mecanismos que regem o processo eleitoral e o processo parlamentar e que acabam por indicar o amadurecimento político-democrático de uma sociedade. Num Estado federativo, a multiplicidade e a diversidade dos padrões das unidades subnacionais, padrões econômicos e sociais, políticos e culturais, tendem, ademais, a constituir “subsistemas partidários”, com consequências evidentes em relação ao centralismo partidário.
Publicação do final da década de 1990 dá conta de que, concernente à realidade cearense, a análise da série histórica de eleições para mandatos federais e estaduais, após a redemocratização, observava indícios de institucionalização – embora devessem ser vistos com cautela – de um subsistema partidário, decorrentes dos seguintes indicadores: 1. as eleições legislativas encontravam-se razoavelmente associadas, com os votos dados aos mesmos partidos para os planos federal e estadual; 2. as taxas de alienação eleitoral (abstenções, e votos nulos e em branco) diminuíam; 3. a existência de algum tipo de identificação partidária em torno do eixo situação-oposição.
Nos últimos dezoito anos, todavia, a situação vem num crescendo de desinstitucionalização dos partidos e do subsistema partidário estadual. A título de ilustração, observem-se duas situações. O PSDB, praticamente “partido único” durante a década de 1990, agora possui uma bancada parlamentar ínfima e tem que buscar, por conta da anemia de quadros, um oficial-general recém-saído do serviço militar ativo para lançá-lo candidato a governador do Estado. O PT, que tem o chefe do Executivo estadual nos seus quadros e como suposto candidato à reeleição está propenso, a crer na imprensa (“O Povo”, 22/5/2018), pode compor uma coalizão eleitoral com mais 23 partidos, reunindo desde o PDT dos irmãos Ferreira Gomes às pequenas siglas de esquerda, dos ditos “golpistas” do MDB e de outros partidos aos oportunistas de diversas extrações.
Por tudo, não é ocioso lembrar a constatação/profecia formulado por Samuel Huntington, em outro contexto temporal, que, de outro modo e em outras circunstâncias, interpela ainda hoje os que se preocupam com a qualidade do regime democrático. Fatores como declínio da força partidária, a fragmentação de lideranças, a evaporação do apoio das massas, a decadência da estrutura organizacional, a transferência dos líderes do para a burocracia, o aumento do personalismo, tudo isso anuncia “o momento em que os coronéis ocuparão o Congresso”. Segundo Huntington, “golpes militares não destroem os partidos, ratificam apenas a deterioração que já vinha ocorrendo”. Talvez, não haja militares com condição de ocupar o Congresso Nacional ou as Assembleias Legislativa nos dias de hoje, mas é possível que tais instituições se tornem objeto da ira cívica, do desprezo social e da indignação da voz rouca da multidão.
A comprovação da hipótese do Tiririca teria sido alvissareira, entretanto, ele errou redondamente. No Ceará, em matéria partidária, pior do que estava ficou.