Formação atual do Toto

TOTO: 40 anos servindo por completo à música

Façamos um breve exercício. Um grande músico é necessariamente aquele que está o tempo todo sob os holofotes? O mérito de um verdadeiro artista se dá apenas pela sua capacidade de aparecer em todo canto o mais frequentemente possível? Eu acredito firmemente que não. Existem aqueles músicos que conseguem equilibrar estes dois fatores – e muitos ainda o fazem muito bem. Falo isso porque é preciso prestar atenção também naqueles que trabalham grande parte do tempo nos bastidores do espetáculo musical.

Fazer arranjos, fazer orquestração, timbrar, dirigir outros músicos, produzir uma canção, compor e mixar são algumas das “simples” tarefas que grande parte dos músicos famosos muitas vezes não consegue fazer. Claro, a indústria fonográfica e o próprio showbizz se encarregam de distribuir essas tarefas dependendo muito do orçamento, do estilo e dos objetivos (não que isso seja um demérito, claro) do artista e do empresário em questão. Mas criar arranjos e composições atemporais para que estas brilhem nas vozes (ou instrumentos) de outros artistas é um ofício tão belo quanto ingrato. Belo porque envolve toda a magia que precisa unir a técnica à arte para resultar num produto quase que inquestionavelmente primoroso. Ingrato porque nem sempre a tarefa é bem paga ou mesmo reconhecida.

Assim, cunhou-se a expressão session musician (ou “músico de sessão”, sendo que a “sessão” refere-se a “sessão de estúdio”) para estes profissionais quase sempre anônimos que são responsáveis por todas as tarefas que listei no parágrafo anterior.

Nesta brava e nobre tarefa, destaca-se um grupo de músicos de Los Angeles que, lá no final dos anos 1970, saiu das cavernas dos maiores estúdios de gravação e das parcerias com grandes artistas do pop e outros estilos para estourar como verdadeiros rockstars. Estou falando do TOTO, uma banda que reuniu músicos veteranos de estúdio com uma qualidade técnica que os permitia passear com facilidade e muito talento por estilos como rock, jazz, soul, funk e pop.

 

O “naipe” da galera nos anos 70. Da esq. para a dir.: Steve Porcaro (T), David Paich (T), Steve Lukather (G), David Hungate (C), Jeff Porcaro (B) e Bobby Kimball (V)

O resultado desta reunião que surpreendeu as paradas de sucesso foi seu primeiro álbum, Toto, lançado em 1978. O álbum logo entrou no topo das paradas com os hits Hold The Line, I’ll Supply The Love Georgy Porgy, todas as 3 músicas levando aos ouvidos do mundo uma mescla bem interessante dos estilos que o grupo apresentava em seu som. Tudo isso a faz ser por vezes classificada tanto como uma banda de AOR como de rock progressivo – o que não deixa de ser verdade, mas com um pé no pop pela facilidade com que muitas de suas canções são aceitas pelo público em geral.

A estreia e o estrelato com Toto, de 1979

Quando se reuniram, Bobby Kimball (vocalista), Steve Lukather (guitarrista, de quem este que vos escreve é particularmente muito fã), David Paich (tecladista talentosíssimo, dono de uma pegada jazz, filho do famoso músico e arranjador Marty Paich), juntamente com os irmãos Jeff Porcaro (exímio baterista, que ganhou o apelido de mestre do groove), Mike Porcaro (baixista de apurado senso melódico e muito ritmo) e Steve Porcaro (tecladista, mestre em arranjo e ainda em criar sons e timbres espetaculares) estabeleceram um legado artístico que influenciou demais outros tantos músicos devido ao ecletismo, qualidade apurada e – mesmo assim – uma simplicidade melódica que possibilitava criar sucessos radiofônicos que todo mundo conseguia gostar e cantar. Isso ficou claro a partir de 1982 com a era mais bem sucedida do grupo devido ao lançamento de Toto IV. O álbum continha nada menos que três dos grandes sucessos que atingiram o top 100 da Billboard e catapultaram a banda ao estrelato: as canções Africa, Rosanna I Won’t Hold You Back. 

A consagração pop da banda com o álbum IV, de 1982

É claro que você mesmo já deve estar fazendo a zoeira e a brincadeirinha que eu mesmo ouço toda vez que apresento a banda pra alguém: “Ah, tu curte uma banda chamada TOTÓ?” Sem problema. Estou acostumado! Vamos lá: a explicação pro nome de grafia – bastante similar ao nosso popular jogo de pebolim – é explicada em duas versões. A primeira diz que, após terminadas as gravações do primeiro álbum eles ainda não tinham um nome. Foi aí que numa das fitas de estúdio, o baterista Jeff Porcaro havia escrito “Toto” para distingui-la das demais. A justificativa dele foi que a palavra significa “universal” em latim – e isso caberia muito bem com a história dos músicos, que já haviam tocado diferentes ritmos e gêneros musicais. Uma outra lenda conta que o nome nasceu de uma piada popularizada pelo primeiro baixista da banda, David Hungate, com a pronúncia do verdadeiro sobrenome de Bobby Kimball, que seria Toteaux. No final das contas, adotar este nome pareceu bem mais do que adequado.

Nos quase 40 anos de carreira da banda, foram muitas idas e vindas de formações, muitos álbuns (alguns bem sucedidos, outros nem tanto) e a perda de membros queridos: o grande baterista Jeff Porcaro faleceu em 1992 devido a um ataque cardíaco decorrente de uma reação alérgica a um pesticida que utilizava em seu jardim. Seu irmão, o baixista Mike Porcaro, se foi em 2015 após uma longa batalha contra a ELA (Esclerose Lateral Amiotrófica), mesma doença que afeta o guitarrista Jason Becker – do qual já falei neste texto. Fergie Frederiksen, um dos vocalistas que já fez parte da formação da banda e com quem gravou o excelente Isolation (álbum de 1984), perdeu a batalha contra um câncer terminal em 2014. Porém, a banda faz questão de homenagear e lembrar de seus eternos companheiros em cada show.

In memoriam: os eternos Jeff Porcaro, Mike Porcaro e Fergie Frederiksen

O que o TOTO perdeu em formações instáveis, problemas com drogas por parte de alguns integrantes e ainda fases não muito bem sucedidas comercialmente, ganhou em riqueza musical: os bateristas que já passaram pela banda (o eterno Jeff Porcaro e seu posterior substituto, o inglês Simon Phillips) sempre inseriram, por exemplo, ritmos e instrumentos africanos facilmente identificados em clássicos como Africa e a belíssima I Will Remember – de forma muito elegante e criativa. Por outro lado, a banda sempre foi criticada por muitas de suas letras serem bem mal escritas ou sem muito nexo. É, nem tudo dá pra ser perfeito!

TOTO em formação recente com Joseph Williams nos vocais

A título de curiosidade (e espanto, talvez), se juntarmos os membros que já passaram pelo TOTO temos alguns fatos bem interessantes e dignos de admiração:

  • Juntos, todos os membros já participaram das gravações de pelo menos 5.000 álbuns de variados artistas;
  • As vendas de todos esses trabalhos dos quais participaram já chegam a meio bilhão de cópias;
  • Também juntos, os músicos e álbuns já receberam cerca de 200 nomeações ao Grammy Awards, o maior prêmio da música mundial;
  • David Paich, Steve Porcaro e Steve Lukather participaram diretamente nas gravações do álbum mais vendido de toda a história da música: Thriller, de Michael Jackson (a guitarra base na famosa faixa Beat It é tocada por Lukather). E é bem legal ver nos créditos do encarte do álbum os nomes deles.

Nos anos em que ficou fora da banda, o tecladista Steve Porcaro dedicou-se ao arranjo de trilhas sonoras de filmes e também à produção de outros artistas, voltando em 2010. E aqui temos uma particularidade bastante interessante: enquanto grandes bandas possuem duas guitarras em sua formação (até três, no caso do Iron Maiden por exemplo) o TOTO ostentou – na maior parte de sua trajetória – não apenas um, mas dois teclados. A David Paich cabia sempre a parte mais piano/jazz da banda, enquanto que Steve Porcaro destilava criatividade e ousadia ficando com a parte complementar de efeitos e sintetizadores (ouça o início de Human Nature do Michael Jackson, composta inclusive por Steve, e você perceberá seu talento). Suas criações traziam cores e texturas sonoras que distinguiram a banda no mainstream da música.

Em reunião de uma das formações clássicas com David Hungate (primeiro baixista), ainda com Steve Porcaro e Joseph Williams de volta à banda

O TOTO possui um legado riquíssimo, tanto na produção em estúdio quanto nos hits que entregou ao mundo, sendo uma banda cuja discografia vale muito a pena conhecer. São fãs declarados da música brasileira: tanto que Steve Lukather foi convidado a gravar, em 1979, as guitarras da canção Realce de Gilberto Gil!E essa riqueza não se limita só às fases da própria banda, mas principalmente às fases de produção da arte musical. A importância de seus músicos nos bastidores da história da música nos faz olhar um pouquinho mais pra dentro e para além dos palcos, holofotes e grandes shows (que, claro, eles também fizeram e felizmente ainda fazem) mas também para a importância do trabalho de um músico de sessão.

 

A banda conta atualmente com os vocais de Joseph Williams (filho do consagrado maestro John Williams) que regressou à banda em 2010 – ele fez parte da formação que gravou Fahrenheit (1986). Recentemente, o TOTO anunciou que vai entrar numa turnê em 2018 para celebrar seus 40 anos de história, lançando ainda um álbum de regravações e algumas inéditas. É torcer pra passarem pelo Brasil (por onde a banda veio pela última vez em 2007) e quem sabe em breve teremos um novo texto, mas com minha resenha de um show desses coroas que sempre serviram fielmente à boa música em todas as suas fases.

Discografia recomendada:

Toto (1978)

Hydra (1979)

Toto IV (1982)

Fahrenheit (1986)

Tambu (1995)

Live in Amsterdam (2003)

Falling In Between (2006)

35th Anniversary Tour Live in Poland (2014)

Toto XIV (2015)

Sérgio Costa

Bacharel em Ciências Sociais pela UFC e em Comunicação Social (Publicidade e Propaganda) pela Fanor/DeVry. Publicitário por profissão, empresário por coragem e guitarrista por atrevimento. Apaixonado incurável por música, literatura, boas cervejas, boas conversas, viagens inesquecíveis e grandes ideias. Escreve quinzenalmente sobre música para a coluna Notas Promissoras do portal Segunda Opinião.

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Bacharel em Ciências Sociais pela UFC e em Comunicação Social (Publicidade e Propaganda) pela Fanor/DeVry. Publicitário por profissão, empresário por coragem e guitarrista por atrevimento. Apaixonado incurável por música, literatura, boas cervejas, boas conversas, viagens inesquecíveis e grandes ideias. Escreve quinzenalmente sobre música para a coluna Notas Promissoras do portal Segunda Opinião.