Akuanduba é uma divindade da mitologia de um dos povos primitivos brasileiros – o povo Arara – que habita a margem esquerda do Rio Iriri, no estado do Pará. Era um tocador de flauta com a qual levava a harmonia e a ordem ao mundo onde os araras viviam, apenas a fazer coisas simples e boas na relação entre si e com a natureza celestial: pescar, comer, beber, brincar e repousar.
Um dia, porém, houve um forte conflito provocado por um grande roubo na região. Por mais que Akuanduba tocasse sua flauta, não conseguia devolver a harmonia ao seu povo, porque alguns teimosamente insistiam em roubar. Por conta deste conflito, muitos adultos e crianças morreram jogados nas águas do rio quando a casca do céu onde habitavam foi rompida devido ao mal introduzido pela ladroagem de alguns homens maus.
O mito de Akuanduba deu nome à operação deflagrada na quarta-feira, 19/05, pela Polícia Federal, mirando o contrabando ilegal de madeiras para o exterior, cuja suspeita do comando recai sobre o ministro do Meio Ambiente, Ricardo de Aquino Salles, e o presidente afastado do IBAMA, Eduardo Bim. Entre os delitos citados estão os crimes contra a administração pública, prevaricação, facilitação de contrabando de madeira, corrupção. O ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF), já autorizou a quebra do sigilo fiscal e bancário de Salles. Ele também foi alvo de mandados de busca e apreensão em seus endereços em São Paulo e no Pará.
Esta operação só foi possível porque em 10 de janeiro de 2020, três contêineres carregados de madeira do Pará, sem autorização do IBAMA, aportaram no porto da Geórgia, nos EUA. O sistema aduaneiro de lá desconfiou das irregularidades e barrou a carga, acionando imediatamente o IBAMA confirmando que as cargas não haviam sido analisadas pelo setor competente. Isto chamou a atenção da Polícia Federal (PF) brasileira. De fato, ao solicitar a busca e apreensão contra Ricardo Salles, a PF registrou o “grave esquema de facilitação ao contrabando de produtos florestais, de caráter transnacional”. Um esquema baseado num forte esquema quadrilheiro de “legalização retroativa de milhares de carregamentos de produtos florestais exportados em total desacordo com as normas ambientais vigentes entre os anos de 2019 e 2020”.
Importante lembrar que na famosa reunião dos palavrões, em abril de 2020, de Bolsonaro com o conjunto de seus ministros, cujo vídeo-registro foi disponibilizado pelo ministro do STF Celso de Mello, além das falas de Guedes e Bolsonaro, outra intervenção de destaque naquela bandalheira foi a de Ricardo Salles. Disse ele: “Nós temos a possibilidade, nesse momento em que a atenção da imprensa está voltada exclusivamente para a Covid, de ir passando a boiada, ir mudando todo o regramento, passar as reformas infralegais. Agora é hora de unir esforços para dar de passeada na regulamentação”. Note-se que não houve da parte de quaisquer participantes daquela reunião ministerial com o presidente da República questionamentos ou contrapontos às propostas apresentadas. No que se conclui plena adesão da parte de todos os presentes, principalmente das autoridades superiores a Salles.
Neste ano, o Senado Federal foi compelido a instalar a Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) do Genocídio da Covid-19 (hoje o Brasil conta 454 mil pessoas mortas pela pandemia), para investigar os crimes de responsabilidade de autoridades federais na omissão e negligência pelo não enfrentamento devido à doença, em função da inação das instituições ordinárias de controle a quem caberiam tais investigações. E o que está se constatando é uma sucessiva ajuntada de documentos reveladores e incriminadores de diversas autoridades, diante das confirmações e contradições dos depoimentos colhidos até a presente data. Espera-se que o Relatório Final enquadre os responsáveis, apontando seus nomes e respectivos crimes cometidos.
Entre os depoimentos, ficou claro que a ingerência do presidente da República no ministério da Saúde é evidente. Tanto os médicos Nelson Teich como Henrique Mandetta confirmaram em suas declarações à CPI que a causa de suas renúncias como ministros deu-se pelo fato de não terem autonomia para imprimir uma política sanitária federal de enfrentamento da Covid-19. Fato até agora não desmentido pela presidência da República. O mesmo não ocorreu com o general Pazuello, por onze meses à frente do ministério, afirmando que era uma tarefa simples: “Um manda (o Presidente), o outro obedece (o ministro da Saúde)”.
Diante da gravidade dos fatos, por analogia, fica a pergunta no ar: quem comanda o ministério do Meio Ambiente? Quem de fato determina como deve ser tocada a boiada? A julgar pelo o que ocorre no ministério da Saúde, não é o ministro o único que dá a palavra final. Nesse caso, parece ser de fundamental importância a instalação no Senado Federal da CPI do Meio Ambiente.