Diário de bordo, data estelar – algum ano entre 1997 e 2000:
Eram os idos de minha adolescência. Uma época de poucas preocupações, cujas mais urgentes eram: lidar com a puberdade (espinhas no rosto e um cabelo ridículo), não reprovar em Geometria e conseguir alguma paquerinha na escola, tentando combater minha timidez pela raiz. No âmbito dos meus lazeres, uma das poucas coisas que eu começava a descobrir bem era ouvir bandas que não conhecia, além de arranhar os primeiros acordes no violão.
Quando ainda engatinhava meus sentidos pra aprender o que era rock ou heavy metal, certo dia um colega (que escrevia no caderno os nomes de bandas das quais eu nunca tinha ouvido falar e costumava bater cabeça* no meio da aula) levou uma fita K7* lá pra casa depois da aula. Na caixinha toda arranhada da fita, naqueles adesivos brancos onde se escrevia, havia um nome que na época achei engraçado e aparentemente sem sentido. Peguei e li pausadamente na letra garranchada: Stra-to-va-ri-us. E ao lado, o nome do que seria o álbum ali copiado, um tal de “Visions”.
Ao dar o play, meus ouvidos foram invadidos por um tipo de rock que ainda não conhecia: era veloz, pesado, vocais mais agudos que o normal, guitarras tocando notas na velocidade da luz. Era o tal power metal, variante do heavy metal tradicional, que traz mais melodia e velocidade que o estilo clássico. Comecei a ouvir quase tudo dessa banda finlandesa, procurando outras fitas K7 ou CDs (na época, a busca era manual mesmo: não tinha as facilidades do YouTube ou Spotify de hoje) buscando conhecer mais aquela banda tão legal. Fui descobrindo, então, um estilo tão rico e empolgante em elementos que te dão um poder, uma sensação de grandeza, de imortalidade, uma liberdade e uma energia tão positivas que chega arrepia até os cabelos do dedão do pé. As letras, também, trazem muitas histórias interessantes, mitológicas e cheias de frases de efeito. Dali pra frente, foi só ladeira acima.
Fundada lá em 1984, tendo como principais membros mais clássicos o antigo guitarrista Timo Tolkki, o já mencionado Jens e o fantástico vocalista Timo Kotipelto, seu nome forma uma sonora brincadeira com a fusão das palavras Stratocaster (modelo de guitarra famoso da tradicional fabricante americana Fender), Stradivarius (em referência aos lendários violinos dos sécs. XVII e XVIII feitos pelo italiano Antonio Stradivari) e ainda uma possível interpretação de stratosphere (estratosfera). Até hoje, são 15 álbuns de estúdio, diversos registros ao vivo, compilações e DVDs que fazem da banda o crème de la crème do metal finlandês.
A banda tem por marca registrada a velocidade, linhas melódicas bastante empolgantes e um teclado que flerta apaixonadamente com a música clássica, sobretudo com efeitos que imitam orquestras e também sequências harmônicas, escalas e simulação de instrumentos que remetem a esse gênero. Isso veio bastante graças ao tecladista Jens Johansson, um dos dois únicos membros originais da banda. Johansson tocava na década de 80 com o guitarrista Yngwie Malmsteen, que também é outro expoente da música neoclássica aplicada ao rock e heavy metal.
Diário de bordo, data estelar – 24 de novembro de 2019:
Saltamos mais de 20 anos à frente no tempo. Era a semana de meu 33º aniversário, e eu já sabia qual presente antecipado eu teria para viver. Aquele dia 24 de novembro era também o domingo em que vozes estridentes de fortalezenses extasiados, guitarras melódicas e bateria furiosa ecoariam até os céus de nossa capital. Mais ainda, eu diria: até a estratosfera.
Anunciado ainda em agosto do ano passado, a notícia caiu como uma bomba de felicidade e expectativa. Finalmente acontecia naquele domingo, 5 dias antes do meu aniversário, um dos momentos que mais esperávamos desde nossa adolescência: o show do Stratovarius em Fortaleza. Ao se iniciarem as vendas, logo que possível tratei de dar meus pulos com o cartão de crédito e comprei o ingresso, antecipando meu auto-presente de aniversário em quase 3 meses.
No dia do evento, cheguei ao local alguns minutos antes do início, e logo me arrepiei ao ver lá no palco os bumbos da bateria e alguns totens laterais estampados com o símbolo da banda: a Estrela Polar. Dali pra frente, uma torrente de adrenalina já era constante nas veias de cada um ali presente, ao mesmo tempo em que a expectativa pelo início aumentava.
Era pouco mais de 20h30 quando as luzes se apagaram e uma introdução épica ressonou nos P.A.’s para um público que, àquele momento, já se encontrava ensandecido. Uma leve luz azul se projetava sobre o palco poucos momentos antes de Rolf Pilve (bateria) entrar e sentar em seu banquinho, o já mencionado Jens Johansson entrar sob uma chuva de palmas e gritos para tomar o posto no seu teclado, Lauri Porra (sim, ele tem esse sobrenome mesmo!) tomar seu lugar com seu baixo e o sensacional Matias Kupiainen entrar com sua icônica guitarra branca e assim todos iniciarem a introdução da primeira canção. Por último, Timo Kotipelto entrega as primeiras notas de sua potente voz aos ouvidos fortalezenses para todos cantarmos juntos, a plenos pulmões, o glorioso refrão de Eagleheart, um dos singles de maior sucesso da banda – inclusive no Brasil, com a nossa saudosa TV União ajudando na época a tornar a banda bem mais popular por aqui.
Terminada a euforia da primeira canção, a plateia emanava uma energia fantástica. Aproveitando isso, a banda não deixa cair a peteca e emenda logo o set com a poderosa Phoenix, já um clássico do álbum Infinite (2000). Na sequência, Oblivion dá uma esfriada nos ânimos, mas logo é obliterada pela empolgante Shine In The Dark, sendo estas duas exemplos mais recentes da “nova era” do Stratovarius – com uma formação consolidada após a conturbada saída de Timo Tolkki, ex-guitarrista. A esta altura, a banda encaixa um petardo atrás do outro: a clássica SOS, seguida de Enigma (uma de minhas favoritas dentre as mais recentes da banda) e daí outra esfriada com 4000 Rainy Nights, primeira balada do show.
Nem é preciso falar da competência de cada músico, o que é mais reforçado ainda em momentos como os solos de guitarra e de teclado – uma coisa que eu acho bastante chata nesses shows, justamente porque você já sabe que os músicos são muito competentes, e não necessitava desses exibicionismos de virtuose! Mas enfim, faz parte do showbizz. A noite continuou com muito mais clássicos, e a banda encerrou seu espetáculo com um encore de 4 canções, mandando inclusive as clássicas The Kiss Of Judas e Black Diamond, ficando a saideira por conta de Hunting High And Low, onde a casa praticamente cantou em uníssono da primeira à ultima nota.
A energia dos membros em palco mostra que a banda está mais viva do que nunca, e é de invejar o quanto Timo e Jens estão musicalmente “inteiraços” no auge de seus 50 e 56 anos de idade. Sem contar na simpatia com nosso país: na segunda metade do show, o guitarrista Matias retorna ao palco vestindo uma camiseta da seleção brasileira. É pra desejar um “volte sempre” ou não??
Tão especial também foi curtir esse show encontrando tanta gente boa e também ao lado de dois grandes amigos que tocaram juntos comigo numa banda cover do Stratovarius da qual fui felizmente parte entre 2016 e 2018. E por falar em amigos, no meio da plateia encontrei até aquele meu amigo que me apresentou a banda, agradecendo por ser culpa dele que eu conhecia aqueles artistas sensacionais. Sem dúvidas, aquela fita K7 mudou minha vida.
Ver o Stratovarius em Fortaleza foi mais do que um espetáculo: foi uma experiência e uma jornada no tempo, revisitando a adolescência com aquele desejo antigo de qualquer garoto louco por heavy metal de ser um guitar hero. Bandas como essa e como outras “das antigas” que já tive a grande satisfação e o prazer de ver ao vivo (como o Iron Maiden, Whitesnake e Scorpions) merecem todo o nosso respeito: esses caras – em seus respectivos momentos – ajudaram a (re)escrever a história do rock, da música. Muitos continuam felizmente na ativa, fortes, mesmo após mais velhos. São como um bom vinho: melhoram com o tempo. E que venham mais shows assim para nossa cidade, para que possamos cada vez mais valorizar e abraçar sempre que possível algumas das maiores lendas vivas do rock, metal ou de qualquer estilo.
Up the Stratos!
Serviço:
Stratovarius em Fortaleza
Data: 24 de novembro de 2019
Local: Complexo Armazém
Setlist:
1 – Eagleheart
2- Phoenix
3 – Oblivion
4 – Shine In The Dark
5 – SOS
6 – Enigma
7 – 4000 Rainy Nights
8 – Bass Solo
9 – Visions (Southern Cross)
10 – Keyboard Solo
11 – Black Diamond
Encore:
12 – Forever
13 – The Kiss Of Judas
14 – Unbreakable
15 – Hunting High And Low
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*Movimento frenético realizado ao ouvir rock/heavy metal durante algum show (ou ouvindo música em qualquer lugar) que consiste em balançar rapidamente a cabeça pra cima e pra baixo (ou girando circularmente) com sérios riscos de fraturar alguma vértebra ou distender um músculo do pescoço.
**Formato de mídia analógica muito popular nos anos 80/90, contemporânea dos vinis e sendo uma das que antecedeu os CDs.