Sobre parir e outras cóleras

[Escrevo enquanto amamento e talvez seja essa uma das maiores vitórias.]

 

Maternidade. 

Nada que eu diga, pense, escreva ou sistematize sobre isso chega perto do significado real. Realismo fantástico puro. Do leite que escorre aos cem dias de solidão. Tudo se mistura e transborda em sentimentos que dificilmente podem ser expressados. Muito menos romantizados.

 

Puerpério.

Esse é meu começo. E o fim. Ocitocina pura, mas também desespero. Lagrima, leite e explosão. Ninguém nasce mãe. Torna-se.

O começo da vida é também morte. Morre uma mulher de recém completados 29 anos. Morre o mundo que essa mulher desenhou. Nasce uma mãe, de mesma idade e outras impressões. Tudo muda.

Essa mulher poderia escrever sobre todas-as-sensações que a gravidez gera no corpo, na mente, na vida. Mas não. Sobre isso existem diversos manuais.

Essa mulher prefere escrever sobre o não sentido e o não planejado. Aquilo que não esteve em pauta e engendrou um novo ser.

Todas as lágrimas de todas as horas ao longo de 9 meses já evaporaram e os sorrisos, eles serão lembrados. 

Reconhecer-se naquilo que saiu-de-você. É a melhor sensação do mundo.

 

Preparo. 

Trabalho produtivo permanente

Dos chutes sentidos na barriga até o primeiro choro. O cheiro, o toque, o medo. Tudo junto. É ser amor, da cabeça aos pés.

 

Manhã de domingo. 

6:39 e as primeiras contrações. 37 semanas e 1 dia [-ué, mas tá cedo ainda, será que é contração de verdade?] medo, ansiedade, agitação.

Um dia antes, uma carta. Pra ele. Escrevi tudo que sentia e desejava pra ele. Expliquei, do jeito que pude, que o mundo no qual ele pisaria os pés não era o desejado, mas que ele podia transformá-lo se quisesse.

Alceu Valença na TV joga a ideia. “Tu virias numa manhã de domingo…”. Cantamos, eu e meu companheiro, sem saber o que nos aguardaria dali a umas horas.

6:39. Primeiras contrações. Às 10:30, hospital. Colo do útero amolecido, sem contração. Fernando estava sentado desde as 34 semanas, seria cesárea. Logo eu, que tanto havia me preparado para um parto natural. Mas tudo bem. Era ele decidindo e dizendo ao que veio.

Uma, duas, três horas. E nada. Um dia inteiro de dor. Dor indo, dor vindo e ansiedade aumentando.

21:55 da noite, foi quando eu o vi, pela primeira vez. Sob a luz da Lua Cheia, com a bunda pra cima! Cheio de vida e força. Jamais serei capaz de descrever a sensação.

 

9 meses.

Desde maio – quando descobri a gravidez- até dezembro, foram muitos os sentimentos. O não planejado assusta. A romantização faz cobranças demais. Enjôos, mal estar, pressão oscilante, expectativas. Tudo tudo fora de ordem. Fora de órbita. Barriga crescendo e o tempo correndo. São 9 meses mas passam como poucas horas.

 

Ser mãe não é sagrado. Nem fácil. Nem bonito o tempo todo. É angustiante. É solitário. É se jogar no escuro. A grande questão fica no tornar-se mãe. Um processo único, intransferível.

 

Ao longo de toda gestação, tentei escrever ou definir o que sentia. Não consegui. Hoje são mais de 40 dias pós parto e mesmo assim, sou toda sentimento. Toda coração.

 

Se eu pudesse dizer algo pra quem pensa sobre maternidade, eu diria que nada do que eu diga possa significar mais do que o processo real de tornar-se mãe. É uma entrega infinita. É um doar-se por inteira. E não, eu não sei quase nada. Aprendo todo dia, todo dia tenho aprendido. 

 

Enquanto vejo Fernando mudar, crescer, aprender, aprendo junto. Reaprendo coisas que minha memória já tinha arquivado. Reaprendo tudo sobre a vida e sobre o amor. 

 

Penso todo dia sobre o mundo no qual Fernando veio parar. Não é o que queria pra mim e muito menos pra ele. Diariamente tem sangue no jornal, acidentes de trânsito no meio do caminho e gente perdida. Mas há um céu que muda de cor, entre estrelas coloridas e o nascer do Sol. Há um mar maior que tudo e há o otimismo da vontade. Fernando poderá mudar o mundo, se quiser.  E essa mulher, aos 29, que escreve sobre aquilo que tenta entender, se sente mais capaz do que nunca em transformar todas as coisas. Só por hoje, me sinto forte.

 

Gerar, criar e amar um ser é revolucionário.

 

[Escrevo enquanto amamento e talvez seja essa uma das maiores vitórias.]

 

Juliana Magalhaes

Juliana Magalhães é licenciada em Ciências Sociais pela Universidade Estadual do Ceará (UECE) e mestre na mesma área pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN) . Atualmente é docente da UECE na cidade de Itapipoca. Mãe de primeira viagem do Fernando.

Mais do autor

Juliana Magalhaes

Juliana Magalhães é licenciada em Ciências Sociais pela Universidade Estadual do Ceará (UECE) e mestre na mesma área pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN) . Atualmente é docente da UECE na cidade de Itapipoca. Mãe de primeira viagem do Fernando.