Sobre o 8 de janeiro

Muito já se falou sobre a depredação e invasão da sede dos três poderes em Brasília no dia 8 de janeiro. Desnecessário lembrar que neste fatídico dia milhares de bolsonaristas, com a ajuda da polícia militar e de militares, fizeram um quebra-quebra generalizada em uma tentativa de golpe de estado.As investigações sobre o ocorrido, seus financiadores, organizadores e participantes ainda estão em curso e será difícil no curto e médio prazo que a página possa ser virada, como defende o Ministro José Múcio.O objetivo deste texto é refletir sobre as razões ideológicas que levaram uma parcela da população a protagonizar esse episódio.

Ainda que politicamente a ação de 8 de janeiro tenha manchado o bolsonarismo a nível internacional e ter, de certa forma, contribuído para que o discurso da Frente Ampla pela democracia no governo Lula tenha se fortalecido nas bases sociais da extrema-direita, a saber, na classe média alta, classe média urbana e ressentida socialmente e em certos círculos evangélicos, os ataques foram ou justificados ou respondidos com fake news.Do arruaceiro que quebrou o relógio histórico ser na verdade um integrante do MST ao fato do Ministro da Justiça ter acabado com a polícia no Brasil(e isso na mente dessa gente ter sido a motivação do ataque) a lista de mentiras é imensa e o leitor deve saber outras até mais absurdas.Isso tudo, infelizmente, não é nenhuma novidade.

O que me chama atenção é o fato da direita, seja a liberal-conservadora ou a extrema ter dado um 7×1 na esquerda no campo da comunicação política.Convido o leitor a fazer uma experiência; vá na praça do Ferreira aqui em Fortaleza,lugar bastante popular, e escute a ‘’conversa’’ sobre política dos idosos (em sua maioria homens) que lá se juntam para passar o tempo.De homofobia e racismo descarado passando por defesa da polícia e da ideologia pregada pelas elites econômicas, não se vê um só resquício de pensamento democrático ou progressista nesse espaço popular.E por que é assim? Por que homens trabalhadores,oriundos de classes populares e aposentados de baixa escolaridade não podem ser alvos de um trabalho de base realizado por organizações progressistas que os afaste do discurso fascista de empresas como Jovem Pan e da baboseira pregada a décadas pelas elites econômicas no Brasil? Será que o pensamento crítico deve ser reservado a ‘’escolhidos’’ que podem frequentas faculdades de ciências humanas e ler textos de autores impronunciáveis para seus conterrâneos? Entregar o ‘’ cidadão comum’’ para as garras da direita(liberal-conservadora ou a extrema) é brincar com fogo.Em outra frente, no Youtube e nas redes sociais, personalidades direitistas possuem muita mais influência(só lembrar que Olavo de Carvalho teve em vida muito mais público do que filósofos muito mais preparados e éticos do que ele) e seguidores do que seus adversários políticos.

A esquerda não pode achar que ao vencer Bolsonaro(por pouco) no certame eleitoral, derrotou fatalmente sua influência.A disputa política nos dias de hoje se baseia na tentativa de angariar corações e mentes para uma causa.O bolsonarismo mostrou-se mestre em fazer isso.Não é possível encarar como normal que pessoal comuns, que anos atrás provavelmente nem se importavam com política, hoje saiam das suas cidades(mesmo que financiadas por empresários, pelo menos o tempo elas ofereceram de bom grado ao extremismo) para peregrinar pela capital federal e fazer baderna nas sedes do Executivo e do Judiciário.Outras, mais comedidas, contentaram-se em defender os atos dos baderneiros em suas redes sociais ou espaços de socialização. Se o seu José(exemplo fictício, porém extremamente realista), aposentado, morador de Goiânia acha que vale a pena quebrar janelas do Palácio do Planalto, odiar todos aqueles familiares que votam diferente dele e propor golpe de estado para apoiar seu líder, este último (além de ser um criminoso) efetivamente foi bem-sucedido no campo da comunicação política, no trabalho de convencimento para suas bandeiras.É preciso um forte trabalho de comunicação e intenso trabalho de base para vencer este aparato de lavagem cerebral e manipulação de massas montada pela extrema-direita. Qualquer um que tenha tido o desprazer de ouvir trechos dos programas da Rádio Jovem Pan sabe muito bem disso.

Nesse sentido, a esquerda, liderada pela sua maior sigla o Partido dos Trabalhadores, precisa construir um trabalho de comunicação e convencimento que, diferente da extrema-direita, defenda a democracia e um programa político e econômico que beneficie a maior parte da população brasileira, combatendo as desigualdades e moldando um futuro melhor para o país. Não é saudável se contentar com vitórias eleitorais episódicas, nem angariar apoio sempre pro menos pior ou suspirar de alívio ao evitar uma barbárie parlamentar, como foi o caso na reeleição de Rodrigo Pacheco para a presidência do Senado Federal, evitando uma eleição de Rogério Marinho que seria uma vitória do bolsonarismo.É essencial combater as fake news e as desinformações, mas é preciso ir além disso e debater cotidianamente os rumos do Brasil com a população mais simples saindo dos muros da Universidade e das reuniões partidárias.Vencer a direita é um trabalho de longo prazo.

Gilvan Mendes Ferreira

Cientista social graduado pelo Universidade Estadual do Ceará-UECE, com interesse nas áreas de Teoria Política , Democracia e Partidos Políticos.

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Gilvan Mendes Ferreira

Cientista social graduado pelo Universidade Estadual do Ceará-UECE, com interesse nas áreas de Teoria Política , Democracia e Partidos Políticos.