Seria cômico se não fosse trágico. Como relembra Friedrich Nietzsche (1844-1900), “temos de quando em vez que descansar de nós, rindo ou chorando sobre nós, alegrar-nos ou chorar-nos, vez ou outra, com nossa tolice, para podermos continuar alegres com a nossa sabedoria”.
Sabedoria de pensar a nós mesmos, examinando-nos a partir de perspectivas várias, na busca de compreender o que se passa em nós e nas relações que mantemos com a realidade circundante e presente. Afinal, a pergunta ainda não foi totalmente respondida: que forças e interesses, internos e externos, nos conduziram ao pesadelo do ataque direto ao Estado de Direito brasileiro, pela via do estabelecimento do Golpe de 2016, à prisão ilegal de Lula em 2018 pelas mãos de Sérgio Moro (codinome Russo),com a consequente eleição da antipolítica extrema-direita do inepto Bolsonaro a nos trazer ao inferno dantesco do tempo presente?
Seria cômico se não fosse trágico. Segundo o filósofo polonês Arthur Schopenhauer (1788-1860), o que provoca o riso é o resultado da incongruência entre os conceitos que temos sobre a vida e os seus objetos reais, as coisas como elas são. O riso desconcertante, mas esclarecedor das incoerências humanas. Rimos para denunciar a incongruência entre o real e o dissimulado, o vácuo entre verdade dos fatos e a mentira das narrativas do poder.
Risível, digno de escárnio público, continua sendo o assim dito “jornalismo” da Rede Globo, braço semiótico do conluio da Lava-Jato e do Golpe de 2016. Ontem, 23, na chamada de abertura do seu JN, estampou: “As provas do processo do tríplex do Guarujá vão ser anuladas”. Registre-se com que cinismo eles dão a notícia para o seu público fiel telespectador. Que provas? Não há provas! Nunca houve. Não se pode anular o que nunca existiu. Lula foi esdruxulamente condenado sem provas e fato definido.
Foram necessários cinco longos anos para o Supremo Tribunal Federal declarar nulos todos os processos suspeitos, parciais, coercitivos e incompetentes conduzidos por Sérgio Moro (codinome Russo) contra o Presidente Lula. Com danos irreparáveis para a sua pessoa, como para a democracia brasileira.
Ontem também, na conclusão do julgamento do HC 164.493 pela Segunda Turma do STF, do paciente Luiz Inácio Lula da Silva, impetrado pelo Dr. Cristiano Zanin, um dos momentos risíveis foi a incongruência do voto do ministro Kássio Nunes Marques, ao não acolher o HC. O voto do juiz concentrou-se nos textos e áudios do material apreendido na Operação Spoofing, contendo trocas de mensagens entre Russo, Dallagnol e o bando de Curitiba, realizadas pelo aplicativo Telegram, obtidas por um hacker de Araraquara-SP.
Nunes, manipulando na interpretação sobre a totalidade do voto de Gilmar, quis induzir que o ministro Mendes teria cometido deslize jurídico em seu voto. Ficou muito claro que: 1) ou Kássio Nunes não leu os autos – grave atitude diante de um momento histórico como o daquela votação – 2) ou, caso tenha lido, foi parcial em sua análise, porque não fez referência nem se deteve devidamente no estudo dos pontos cruciais que fundamentavam o HC, apresentados em 05/11/2018, quando sequer havia notícia de áudios hackeados, muito menos de Operação Spoofing, além de aparentar publicamente má intenção em relação a Mendes. O Dr. Cristiano Zanin, em sua intervenção, registrou que além de toda a fundamentação constante nos autos, chegou a fazer a sustentação oral em 2018, algo que Kássio Nunes também desconheceu.
No aprimoramento da dialética da sessão, coube a Gilmar Mendes, sem risos, mas com vigor intelectual, fazer sua réplica, para recolocar a verdade em seu devido lugar, desnudando a dissimulação e a incongruência mal intencionada do voto de Kássio Nunes Marques.
As precisões de Mendes dizem respeito que: 1- a alegação de suspeição e impedimento de magistrado pode ser analisada em sede de habeas corpus, se nos autos estiverem os elementos pré-constituídos, sem necessidade de produção de provas (HC 95.518, relator ministro Eros Grau); 2- é preciso fazer a distinção do que é efetivamente a avaliação de fatos controvertidos e mera valoração das provas existentes nos autos e de informações públicas e notórias (relator ministro Sepúlveda Pertence); 3- se a partir dos elementos já produzidos e juntados aos autos restar evidente a incongruência ou a inconsistência da motivação judicial das decisões das instâncias inferiores, deve-se resguardar os direitos violados com a concessão da ordem do HC; 4- É pacífica no STF a compreensão de que o HC serve sim como instrumento de revisão criminal; 5- Placitado já no STF que aquelas conduções coercitivas eram ilegais.
Mendes prosseguiu enfatizando ainda que a defesa expôs diversos fatos que denotam a ausência de imparcialidade da autoridade judiciária de Moro (codinome Russo). Entre eles, destaca-se: 1) Deferimento da espetaculosa e indecente condução coercitiva (“debaixo de vara”) do Presidente Lula e de seus familiares, ocorrida em 04/03/2016, sem que tenha havido prévia intimação para oitiva pela autoridade policial; 2) Autorização para interceptação de ramais para monitoramento, por 30 dias seguidos, de telefones pertencentes ao Presidente Lula, aos seus familiares e aos 25 advogados integrantes da Banca de Advocacia do Escritório do Dr. Cristiano Zanin; 3) Divulgação ilegal no dia 16/03/2016 do conteúdo de áudios captados de conversa telefônica entre a Presidente Dilma Rousseff e o paciente, vazados para a Rede Globo; 4) Atuação impeditiva ao cumprimento da ordem de soltura do Presidente Lula exarada pelo desembargador federal Rogério Favreto, no dia 08/07/2018; 5) Aceitação do convite feito pelo presidente eleito em 2018 para ocupar o ministério da Justiça, deixando transparecer que estava em seu projeto a ocupação desse cargo. Ou seja, as provas estão nos autos. É preciso lê-los.
Dito isto, Mendes ainda colocou em relevo, além do manancial de provas acima, a sentença do ministro Edson Fachin, no julgamento do HC 193.726, em 08/03/2021 na qual todos os fatos, processados e julgados pela 13ª Vara Federal de Curitiba, relativamente ao Presidente Lula, eram incompetentes porque não deveriam lá estar, por não guardarem relação com a Petrobrás. Portanto, jamais Moro (codinome Russo) poderia ter dado andamento ao processo. Em resposta direta, olho no olho, ao voto risível de Nunes Marques, Gilmar Mendes refez a leitura de todo o seu voto anterior baseado rigorosamente nos autos.
Depois se dirigiu diretamente a Nunes Marques, interpelando-o: 1) “A combinação de ação entre o Ministério Público e o Juiz encontra guarida em algum texto da Constituição de 1988? Pode-se fazer essa combinação? Isto tem a ver com garantismo?”; 2) “A interceptação de telefones de advogados representa um modelo totalitário (da Rússia Soviética). Se alguém disser que isto faz parte de alguma prática lícita, podem abrir para o aparte, digam-me, estou aguardando. Só isso já é suficiente para acolher habeas corpus e reconhecer a suspeição do juiz Moro (codinome Russo). Portanto, não vamos ficar com conversa fiada, não estamos a falar aqui de prova ilícita. Isto são documentos dos autos”. 3) “Esses temas não admitem covardia. Nós estamos vendo e nós seremos julgados pela história. É preciso ter essa dimensão. Esse julgamento aqui não é jogo de esperteza. Os falsos espertos acabam sendo pegos e desmoralizados”.
Por fim, em sua conclusão, o ministro Gilmar Mendes invocou as palavras do ex-preso político do regime soviético, Aleksandr Soljenísin, prêmio Nobel de Literatura, em 1970: “A Violência não vive sozinha e nem é capaz de viver sozinha. Ela depende, para a sua própria existência, da Mentira. Se no seu nascedouro a Violência atua de forma escancarada e com orgulho, fato é que ela não conseguirá existir por muito tempo sem descer para uma névoa de mentiras, de falsidade e de manipulação. Por isso, qualquer homem que em tempos aclamou a Violência como seu método, só conseguiu suceder escolhendo a Mentira e a Falsidade como o seu princípio”.