Serviço público de qualidade – XI – flashes da transparência

Era o ano de 1993. Eudoro Santana era um deputado progressista, atuando no parlamento estadual em coerência com sua trajetória de esquerda. Nessa linha, propôs e viu aprovar por unanimidade um projeto de lei que estabelecia que o Governo do Estado deveria publicar prestações de contas das receitas e gastos mensalmente. Ciro Gomes, então governador, o vetou.

Era ainda 1993, e, na Câmara Municipal, os vereadores Durval Ferraz e Heitor Férrer apresentaram projeto de lei similar, estabelecendo obrigação equivalente para a Prefeitura da capital. O então prefeito Antonio Cambraia, com toda a força de um mandato ainda no começo, jogou todo o peso do cargo para barrar a proposta.

Um ano antes, em 1992, o Instituto Brasileiro de Executivos de Finanças – Ibef, capítulo do Ceará, realizou uma longa e intensa campanha pela “Transparência das Contas Públicas”. Entrevistas em rádios, jornais e televisão, uma campanha publicitária, palestras em universidades, escolas e palestras e debates em inúmeras entidades tentavam sensibilizar governantes, parlamentares e imprensa, mas também o cidadão, para abrir a caixa preta do dinheiro público.

Voltando ao ano seguinte, exatamente em maio de 1993, em Berlim, Alemanha, nascia a Transparência Internacional. Uma organização não-governamental criada por um ex-executivo do Banco Mundial, cansado de ver tanto dinheiro de convênios, projetos e programas serem consumidos na malha dos interesses poderosos antes de chegar aos mais pobres e mais carentes de países da América do Sul e da África. Anos depois, a revista “Seleções”, do Reader´s Digest, fez matéria com este ativista e numa foto dele, de página inteira, colocou a seguinte legenda: Herói do Mundo.

Em 1999, o Congresso aprova a Lei de Responsabilidade Fiscal, que estabeleceu mecanismos de acompanhamento das contas públicas. Infelizmente, neste caso, o parlamento legislou de costas para o cidadão e a norma cuida apenas de fixar limites para evitar déficits, ou seja, nada de controle social, só monitoramento burocrático.

Em 2000, nascia no Brasil a Transparência Brasil, com a mesma bandeira da transparência das contas públicas. Pouco depois, nascia também outra ONG destinada a jogar luz nas contas do poder público brasileiro: a Contas Abertas.

Em 2012, entra em vigor a Lei de Acesso à Informação, que estabelece o prazo de 20 dias para qualquer gestor de organismo oficial responder a qualquer questionamento de qualquer cidadão sobre qualquer aspecto da administração pública. Os Estados tiveram prazos para fazer leis estaduais que estabelecessem as formas de simplificar e facilitar esse atendimento.

Pouco antes, iniciou-se um processo de obrigar Estados e Municípios a criar e lançar no na internet os seus Portais da Transparência, que devem colocar ao alcance do cidadão todas as informações sobre o gasto público em tempo real, de forma didática. Em poucas palavras: prefeitos e governadores precisam informar cada pagamento que fazem com o dinheiro dos impostos. Esse processo teve seu prazo concluído há poucas semanas. Que entre o cidadão num destes portais e faça seu próprio juízo sobre se há adequação entre o que a lei determina e o que se oferece à população.

A transparência das contas públicas vence, aqui e ali, algumas batalhas, mas está longe, muito longe, de vencer a guerra. Quem está na oposição a defende; quando chega ao poder, esquece o que falou, esquece o que escreveu, esquece o que propôs.

Nos frios países escandinavos, que não por acaso têm o mais alto padrão de vida do mundo, assegurado por serviços públicos de alta qualidade, a legislação de controle social e transparência tem mais ou menos duzentos anos. Lá, o interesse do cidadão fala mais alto. Aqui nos trópicos, os interesses que falam mais alto são outros.

Osvaldo Euclides de Araújo

Osvaldo Euclides de Araújo tem graduação em Economia e mestrado em Administração, foi gestor de empresas e professor universitário. É escritor e coordenador geral do Segunda Opinião.