Serviço público de qualidade – X – propaganda de prefeito e governador

A propaganda é uma ferramenta vital do sistema capitalista, portanto típica dos negócios privados. A propaganda pode alavancar os negócios das pequenas empresas, e fazê-las grandes. A publicidade  estimula a competição, e isso incentiva a pesquisa e a inovação em favor do consumidor. Este fica sabendo pelos anúncios das melhores ofertas de produtos, preços, formas de financiamento e assim se beneficia. O circuito se repete, se realimenta. Mais propaganda, mais competição, mais inovação, mais pesquisa, mais propaganda…Este é um ciclo virtuoso permanente.

Pode ter e tem lá suas falhas e imperfeições, mas é eficaz. Há quem desconfie que a propaganda é inútil, um luxo e um vício. Estes só acreditam no resultado do suor do trabalho. Mas, sobretudo, trata-se de dinheiro privado – o empresário faz do seu dinheiro o que quiser, no limite  da lei. A propaganda privada, mesmo para quem a acha um despropósito ou um desperdício (mais engana do que beneficia o consumidor), seria, mesmo neste contexto extremo, um exemplo perfeito do dito “vícios privados, benefícios públicos”.

Bem, mas o que dizer do dinheiro que os governadores e prefeitos aplicam em propaganda?

Trata-se, neste caso, de dinheiro público. É o suado dinheiro dos impostos pagos por cidadãos, na expectativa de receber em troca serviços públicos de qualidade em saúde, educação, segurança, infraestrutura. Sim, o dinheiro da propaganda desfalca essas destinações prioritárias, mesmo que isso não aconteça assim tão direta e linearmente.

Mas qual a utilidade da propaganda de governadores e prefeitos?

Pode-se dizer que depende da propaganda. Uma campanha de vacinação, uma campanha de prevenção de doenças e uma campanha de prestacão de contas ou de mobilização de centenas de milhares de servidores públicos seriam válidas, aceitáveis. Afinal, estariam dentro da previsão da Constituição de 1988 que restringe a propaganda com dinheiro público. Campanhas assim respeitam o cidadão, protegem a população, estimulam a cidadania, cuidam do bem-estar coletivo.

Infelizmente, não é a prática mais comum dos governantes quando se tornam anunciantes. Vaidosos, arrogantes, costumam alardear suas marcas e seus slogans, supervalorizar suas obras e dar respostas indiretas aos adversários políticos e às críticas da oposição, gastos inúteis e improdutivos que só beneficiam o próprio governante e seu projeto político pessoal. Não menos importante é o fato de que os governantes acreditam estar comprando com essas gordas verbas publicitárias a simpatia e a boa vontade dos veículos de comunicação de massa.

Os valores absolutos usados na divulgação de prefeitos e governadores são expressivos. Em termos relativos, as verbas de propaganda costumam ficar entre meio e um por cento do orçamento anual do Município ou do Estado. Uma capital pequena como Fortaleza tem um orçamento anual de cerca de seis bilhões de reais, um Estado pobre como o Ceará movimenta perto de vinte e dois bilhões de reais por ano.

A propaganda seria cem por cento legítima se respeitasse a limitação constitucional (que a destina à prestação de contas) e se fosse feita pensando apenas nos interesses maiores da população.

Infelizmente, ainda não é o caso. Prefeitos e governadores desrespeitam a Constituição. As câmaras municipais e as assembleias legislativas fingem que não vêem o desvio de função. Os tribunais de contas fazem vista grossa. O poder judiciário desprezou até hoje todas as chances que teve de punir a prática irregular.

A propaganda pública é um instrumento muito forte, pena que não esteja ao lado da população.

Como a cidadania vai reagir a esse mau uso do dinheiro público, se não conta com apoio da imprensa, nem do parlamento, nem dos organismos de fiscalização?

Osvaldo Euclides de Araújo

Osvaldo Euclides de Araújo tem graduação em Economia e mestrado em Administração, foi gestor de empresas e professor universitário. É escritor e coordenador geral do Segunda Opinião.

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Osvaldo Euclides de Araújo

Osvaldo Euclides de Araújo tem graduação em Economia e mestrado em Administração, foi gestor de empresas e professor universitário. É escritor e coordenador geral do Segunda Opinião.