Hoje acordei mais empolgado do que nunca. Notícias de que alguns países estão bombardeando o Covid 19 com a consciência do isolamento e achatando a curva da estatística do ocaso que anuncia o prenúncio de dias saudáveis. Vejo também crianças nascendo; é o amor que não para, é a vida brotando. Sinal de um porvir cheio de esperança.
E imagino: distanciamento físico, sim. Distanciamento social, nunca.
O “Home Office” me economiza duas horas de deslocamento para o trabalho, disponibiliza tempo para conversar mais com familiares e amigos, sorrir com quem está alegre e chorar com quem está triste. Dá-me o conforto de trabalhar de pijamas, seguindo sempre o padrão fisiológico dos vencedores: olhar no horizonte, respiração profunda, peito pra fora, barriga pra dentro.
É com esse espírito que converso virtualmente com uma pessoa muito querida, portadora de um portfólio Acadêmico-Profissional invejável:
Engenharia Civil;
Bacharelado em Direito;
Licenciatura em Matemática e Estatística;
Especialização em Segurança e Saúde do Trabalho, Avaliações e Perícias, Ensino da Matemática e Direito Público;
Extensão em Transações Imobiliárias, Inspeções Prediais e Master Practitioner em Programação Neurolinguística – PNL;
Mestranda do curso de Administração.
Currículo es-pe-ta-cu-lar.
Minha entrevistada é ainda:
Servidora Pública Estadual, exercendo a função de Analista Ministerial em Engenharia Civil.
E uma grande surpresa … ela é autista.
Luciana, bom dia, meu público está ansioso por informações sobre AUTISMO. Há atualmente uma preocupação gigantesca com a inclusão social. Vou formular seis perguntas apenas:
Gilmar: Em que idade você foi diagnosticada como autista?
Luciana: Em 2012, em tinha 40 anos. Com base em estudos e observações eu levantei a hipótese de que seria autista. Em 2014, especialistas emitiram o laudo e em 2018, houve uma reavaliação que confirmou o diagnóstico, em face das peculiaridades da minha condição e de desafios com a interação social, a comunicação e o desenvolvimento sensório motor fino.
Gilmar: Quais as maiores dificuldades que você teve no relacionamento familiar? Na escola? No trabalho?
Luciana: Os maiores desafios foram nas relações em consequência da atipicidade; alguém fora da curva do padrão de normalidade.
Em todos os contextos, os autistas são indivíduos com desenvolvimento físico normal, mas com grande dificuldade para as relações sociais ou afetivas por viverem em um mundo que se volta para dentro e na compreensão de si, como seres únicos em seu universo. O que incomoda os outros é o isolamento do indivíduo que, ao se voltar para a sua unidade, perde a conexão com o todo, como se vivesse em um mundo de conjuntos unitários sem interseção.
Na família, a tônica das discussões é o isolamento do indivíduo. Na escola, a atipicidade dentro dos moldes e dos modelos de ensino e aprendizagem. E, por fim, no trabalho, dificuldade em lidar com pressões, mudanças bruscas e flexibilização sem considerar a legislação vigente.
Gilmar: Como identificar um autista?
Luciana: Em linhas gerais, o autista se identifica pela dificuldade com prejuízos na interação social (socialização, contato visual e diálogo), problemas na comunicação (literalidade, dificuldades no uso da linguagem e metáforas), interesses restritos, hiper foco, repetição (sons e gestos), isolamento, distanciamento emocional e necessidade de rotina.
Gilmar: Posso dizer que é uma situação de sofrimento para a pessoa portadora de autismo e de toda a sua família?
Luciana: Sim, com certeza absoluta.
Gilmar: Qual o percentual de autistas no Brasil e no mundo?
Luciana: Segundo o CDC (Center of Deseases Control and Prevention), órgão estadunidense, a proporção é de um autista a cada 110 pessoas. Algo em torno de 1%.
A tendência é que com a criação do banco de dados de autismo no Brasil e as mudanças nos critérios de diagnósticos, este número venha a crescer para uma proporção de 1 para cada 59, em torno de 1,5% da população mundial.
O subdiagnóstico é mais percebido na população feminina, uma vez que os critérios levam em consideração os padrões culturais masculinos, distorcendo o diagnóstico em mulheres.
Gilmar: Existe uma gradação de Autismo? Exemplo: leve, médio e severo?
Luciana: Existe. No entanto, ela é evitada, porque, por ser um espectro, uma mesma pessoa pode variar o nível e, também, para evitar preconceitos entre os autistas. O que se fala é de autismo com ou sem associação de outras condições e do tipo e extensão do apoio necessário a cada um. A perspectiva é de inclusão:
Nível 1 – Leve, determina o mínimo de apoio;
Nível 2 – Moderado, apoio mediano;
Nível 3 – Severo, apoio pleno.
Gilmar: Há um componente genético no Autismo?
Luciana: Dentre as causas do autismo existe um forte componente hereditário (genético) associado a fatores ambientais e epigenéticos decorrentes de traumas e outras interações.
O autismo é um transtorno do neuro desenvolvimento caracterizado pelo comprometimento da interação social, comunicação verbal e não verbal, por comportamentos restrito e repetitivo e pela necessidade de rotina e padrões, afetando o processamento de informações no cérebro de modo a alterar a forma como as células nervosas e suas sinapses se conectam e se organizam.
Na classificação antiga, o conceito de autismo era separado da Síndrome de Asperger, tendo sido unificado na nova classificação, em que, o antigo Asperger é o autista de Nível 1 que possui o transtorno com maior dificuldade de identificação.
Gilmar: Indique um livro, coisa do tipo: Autismo para Leigos.
Luciana: A BATALHA DO AUTISMO: Da Clínica à Política. Nesse livro Éric Laurent aborda o problema da política de inclusão social. É um livro maravilhoso. Fácil de ler e entender.
Gilmar: Pelo comportamento, eu acho que tenho alguns familiares e amigos autistas. Como você, são pessoas inteligentes e de sucesso.
Luciana: É possível.
Gilmar: Com a incidência de 1 para cada 59, em torno de 1,5% da população mundial, é o caso de se perguntar: Será que sou autista?
Luciana, super obrigado pela entrevista. Foi muito esclarecedora … e você é muito simpática.