Se Eu Fosse Uma Escritora, por HELIANA QUERINO

E se eu fosse um escritor, um menino, um pequeno prodígio, imagine só, compor encontro de amor entre vogais, sem o temor de se tornar rotina.

Mas se eu fosse uma escritora, dá até pra imaginar, transferir meu intelecto com tinta sobre folha de papiro. Fazer revelações e cravá-las a gota de trevas num livro feito para bicho se inspirar; nem curto, nem comprido, e que deslize e não se embole expondo mágoas entre aperreantes linhas.

Se eu fosse uma escritora, eu queria cada sílaba com sabor. Tingir a pena no pensamento e confessar desejos que ainda nem tive. Se houvesse inocência, fosse compreendida e os dramas psicológicos, em exagero, fossem todos respeitados.

Com pingos de tinta lux ou escrita da potência, se eu fosse uma escritora, grafaria com estilete numa tabuinha coberta com “sutil extrato de cera”.

O segredo das origens de qualquer criatura, um drama barroco – alemão ou nordestino -, com o signo da criação ou do divino, mas as letras do alfabeto deste livro fossem todas elas bem escritas em pergaminho.

Se eu fosse uma escritora, um livro escrito, quem nele se aventuraria? Um ser “certinho” ou um “ser não ser”, com espírito de contradição?

Poderia espalhar sílabas mais ou menos tagarela, em páginas que irrompem como embrião para falar do princípio de identidades, fraqueza ou medo do ser humano diante de tanta vida, da velhice ou da “não eternidade”.

Quanto tempo falta para o futuro chegar? Já é meio dia e só tem a melodia. Cento e quarenta caracteres não me envolvem e só dissolvem um pouco de um outro alguém.

Se eu fosse um escritor – livre, lânguido, que evoca doçura, selvagem e feminino, -, aquele mesmo menino, poderia romper tratados com páginas de toda cor: amarela, liberdade, violeta e poesia.

E se eu fosse uma escritora onde o personagem ama, consciente, a sua autora, embora ela pareça, para ele, uma esfinge, não se abala, pois quem domina a ligação é Ariadne, e segue o fio, símbolo potente, telepático.

O personagem,  herói-bandido, Mesrine ou Virgulino, que confronte, ultrapassando com fôlego, o terceiro ato e encoraje a própria autora a enganar o diabo e trucidar o chefão criminoso, perfumando as páginas com essência de Simone e Sartre.

Se eu fosse uma escritora, ponto, vírgula, capa ou batalhas com editor, chapéus brancos e pretos, mocinhos, meretrizes, bandidos, viúvas ou heroínas feministas, contanto que nesses casos fossem ou seja seja seja ele mais que um grito ou desabafo!

Sem medo, sem disfarce.

Sem páginas radioativas.

E não somente se resuma a festivais.

Estrela cruel ou vendaval, um livro como o vinho, e não como página de jornal – sobreviva e fique melhor depois de um primeiro centenário.

Se for luta, palavras onde eu demore nas notas,  como quem se busca algo – com junção, melodia e conteúdo -, e conjunção dos escritos com suas páginas, para fazer jus à transcendência poética em Adélia Prado.

E assim, como se fosse um ofício inato, depois de tudo escrito numa batalha decisiva, destruídos alguns pilares, eu adentraria a noite para batizar o título.

Agora, observo as palavras e deixo que elas voem livres na “volúpia de ser pássaro”, pois sei que a vida é mudança e mistério e somente os tolos querem controlar o incontrolável.

 

Heliana Querino

Heliana Querino Jornalista

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