ROMANTISMO E CRIME, por Rui Martinho

Temos elevada criminalidade, com viés de alta. Tentaram desarmar a população e exortar por uma cultura de paz. A ideia de Victor Hugo (1802 – 1885), de que “quem abre uma escola fecha uma prisão” tem sido lembrada, trazendo de volta o otimismo pedagógico. Inoperância policial, controle das fronteiras, situação calamitosa dos presídios, crítica à lei de execuções penais e Códigos Penal e de Processo Penal não se transformam em ações nem em uma política de segurança.

O desarmamento foi tentado. Uma consulta popular tentou enganar o povo trocando “desarmamento” por “comércio de armas”, mas teve a repulsa dos eleitores. Acumularam dificuldades burocráticas para legalizar uma arma, tornando-as, de fato, proibidas. E o crime? Cresceu. A cultura da paz, à semelhança dos sermões religiosos, com os artifícios de comunicólogos, não deu resultado, no contexto de uma cultura hedonista e relativista. Quem diz cultura da paz, mas absolve transgressores como vítimas da sociedade ou condena as diferentes formas de controle social como ilegítimas, destrói a pregação pela paz. O otimismo pedagógico se vale da evidente importância da educação, mas esta não é panaceia. É preciso considerar, ainda, a qualidade da educação. Afinal, construímos escolas, temos vagas e o crime cresceu.

E a inoperância policial? Uns querem armamentos melhores e em maior número, serviços de inteligência mais atuantes e melhor remuneração; outros querem cultura de paz nas polícias e mais preparação do policial. Todos estão certos. Mas interesses corporativistas, porém, se escondem sob alguns destes argumentos, de um lado; e romantismo de outro. O controle de fronteiras e o uso das forças armadas como polícia é outra proposta. Não se esperem resultados auspiciosos daí. Os nossos limites territoriais têm milhares de quilômetros. Não é possível controlá-los eficazmente. O exército não tem obtido resultados satisfatórios também nas cidades. A situação calamitosa dos presídios clama por verbas. Só falta dizer de onde tirá-las. Leis e códigos podem ser aperfeiçoados, mas precisariam fazer parte de uma política de segurança que transcenda o aspecto policial, sem tentar menosprezá-lo. É preciso contemplar a cultura, sem esperar resultados imediatos. É preciso enfatizar as responsabilidades individuais, ao invés transferi-las para as estruturas sociais, como parte da qualidade da educação.

A presença do Estado, conforme experiências exitosas na Colômbia e em outros lugares, produz resultados positivos. A teoria da janela quebrada explica: a atmosfera de abandono, como ruas esburacadas e lixo acumulado, sem aparente relação com a delinquências, sugerem abandono, terreno fértil para o crime. O Estado está falhando. Família, escola e igreja também falharam. A revolução cultural tem relação com isso. Mudança cultural rápida e profunda propicia desorientação e conflito.

Rui Martinho

Doutor em História, mestre em Sociologia, professor e advogado.

Mais do autor