O EDITOR NO CASTELO
A heráldica da editora dizia: “As árvores se acabam”. Em certo momento, a placa com a frase anunciava a entrada de um prédio vazio: o editor, tirano, tinha se mudado e instalado sua editora numa caravela. Submetia seu corpo voluntariamente a vergastadas diante do olhar atônito do resto da tripulação: foram cem golpes, precisos e impiedosos, no lombo do próprio contratador de escribas, revisores, diagramadores, ilustradores, capistas, tipógrafos e impressores, uma gente triste e suja de graxa que fazia tempo que não via o sol. “Não existe ser humano que não possa ser santo”, ele disse, logo que foi desamarrado e desamordaçado, imediatamente após pedir com um gesto mudo uma dose de rum que bebeu num só trago, enquanto suas costas sangravam e ele agia como se nada de-mais houvera ocorrido. Logo em seguida, o tronco ainda nu, os mamilos duros que davam um constrangimento genésico — pois os homens muito homens ficavam confusos com a vontade de beijar e de lamber aqueles pontos agudos de couro e queriam desviar o olhar e não desviavam, porque de verdade queriam olhar muito, e salivavam feito pagãos livres — o editor pôs na porta da sua cabine o édito: dizia da quantidade de vergastadas por infração cometida: cinco por cada rata que deixasse passar o revisor, vinte por cada capa que fosse indigna do nome, trinta a cada tipografia torta, vinte e cinco a cada ilustração que desobedecesse a um mínimo padrão de identidade visual (o mesmo valia para os diagramadores) e mil vergastadas ao escriba que conseguisse fazer passar pela editora uma obra irrelevante. À noite o editor, capitão, saiu dos seus aposentos completamente nu, contemplou a lua e, sob os olhos extasiados de todos (além das bocas que salivavam sem que ninguém visse e das gargantas, indiscretas, que engasgavam), ele elogiou a lua como se a lua nunca tivesse visto, e se declarou o mais furioso dos democratas.