Renda do capital versus renda do trabalho, por Fernando Nogueira da Costa

Entre 1995-2002, o juro real médio anual se elevou 15,1% e o rendimento médio real dos trabalhadores teve uma queda anual média de -1,05%. Já entre 2002 e junho de 2015, o juro real médio anual aos investidores foi de 6,6%, e as variações do salário real tiveram média anual de 1,1% – See more at: http://brasildebate.com.br/renda-do-capital-versus-renda-do-trabalho/#sthash.jNa8P8CT.dpuf

Em 2003, segundo a PNAD, quando se considerava a escolaridade média do trabalhador em percentual do total de ocupados, se encontrava 24,8% com 11 a 14 anos de estudo e 7,7% com 15 ou mais de estudo. Com cerca de 7 milhões de estudantes universitários, dez anos depois, esse percentual somado de 32,5% passou para 49%, ou seja, quase metade da força de trabalho ocupada era composta de universitários com cursos completos (13%) ou não (36%).

Pesquisa da OCDE indica que quem completa o ensino superior, no Brasil, receberá em média 157% mais renda do que quem só terminou o ensino médio. A média dos países da OCDE é de 57%.

Pelo último Censo Demográfico, eram 8.979.706 trabalhadores formados em universidade. Além desses, existiam 451.209 com mestrado e 170.247 com doutorado. Estes 9.601.162 profissionais com ensino superior completo equivaliam a 15,3% dos trabalhadores formais.

Na classe do 1% com renda mais elevada, estavam 62,4% graduados e 14,4% pós-graduados. Somente 23,2% dessa classe de renda não tinham ensino superior.

Um quarto dos graduados trabalhava em administração, negócios e economia. Nessa atividade com 2.274.184 profissionais, encontravam-se 15,4% do 1% com renda mais elevada.

Em seguida, em ordem decrescente nesta faixa, vinham os formados em direito (12,9%), engenharia, computação, produção e arquitetura (conjuntamente 12,2%). Em quarto lugar estavam os médicos (11,1%). Porém, entre os 241.510 médicos, 29% estavam nessa classe de renda superior, sendo este o maior percentual em determinada categoria profissional, acima mesmo dos pós-graduados com mestrado (13%) ou doutorado (18,8%).

Quando se verifica as classes de rendimento da população ocupada por classes de salários mínimos (sm), em 2003, acima de 5 sm (equivalente em 2015 a R$ 3.940), ganhavam 14,2% dos trabalhadores. Em 2011, com a elevação do salário mínimo real, esse percentual caiu para 9%, sendo entre 5 e 20 sm, 6,25%; entre 10 e 20 sm, 2,05%; e mais de 20 sm, 0,67%.

A renda anual mínima para se situar entre os 5% mais ricos era de R$ 57.600 em 2012, ou seja, cerca de R$ 5.000 mensais ou algo próximo do primeiro salário em São Paulo de um formado em curso superior em universidade de excelência. Para comparar, segundo a RAIS de 2013, a remuneração média na indústria extrativa (por exemplo, Petrobras e Vale) era R$ 5.450,90 e em instituições financeiras: R$ 5.129,25. Estes empregos eram os que pagavam mais em média.

Mas, para ingressar na classe do 1% de renda superior, era necessário ganhar no mínimo R$ 203.100 ao ano ou cerca de R$ 15.000 ao mês. Já para se situar no topo (0,1%), a renda anual mínima era de R$ 871.700 e a mensal, acima de R$ 67.000.

Um titular de cartório recebeu em média R$ 899.000, um membro do Poder Judiciário e Tribunal de Contas, R$ 476.000. Médico ficou em quinto lugar com a média de R$ 264.000. Em sétimo lugar situou-se o servidor do Banco Central do Brasil com R$ 241.800. Acima desta média estavam os seus diretores que exageram na fixação da taxa de juros básica, elevando sua renda de capital, em claro “conflito de interesses”.

Os trabalhadores de curso superior que recebem acima do teto do INSS (R$ 4.663,75) devem seguir o algoritmo-conceito 1, 3, 6, 9. É uma regra informal na estimativa de quanto se tem de acumular para manter na aposentadoria o padrão de vida alcançado na fase profissional ativa.

Assim, na idade de 35 anos, recebendo salário mensal de R$ 5.000, portanto, um anual de R$ 60.000, deve-se ter o equivalente a esse saldo em PGBL ou VGBL. Com 45 anos, salário anual de R$ 120.000, deve-se ter saldo equivalente a 3 deles (R$ 360.000); com 55 anos, salário anual de R$ 180.000, patrimônio líquido de 6 deles (R$ 1.080.000); finalmente, 65 anos, com salário mensal de R$ 25.000 e anual de R$ 300.000, para se aposentar bem deve-se ter acumulado 9 deles ou R$ 2.700.000.

O trabalhador-investidor nessa última faixa de idade está na fase da pré-aposentadoria. Com mais de três milhões de reais em volume de negócios, ele se torna um cliente de Private Banking. Em junho de 2015, existiam apenas 57.505 pessoas nessa situação no Brasil.

Como alcançar tal condição financeira?  No período 1995-2002, o juro nominal elevou-se 24,6%, em média anual, face a uma taxa de inflação média de 9,1%, resultando em uma elevação média anual do juro real de 15,1%. O rendimento médio real dos trabalhadores teve uma queda anual média de -1,05% aa. A renda do capital financeiro multiplicou seu poder aquisitivo real em 3,2 vezes. Enquanto isso, a renda do trabalho perdeu 16,6% do seu poder aquisitivo.

Entre 2002 e junho de 2015, o crescimento médio anual do juro nominal foi mais do que o dobro do IPCA: 13,2% aa contra 6,1% aa. Desde 2005 até 2014, a taxa de inflação ficou dentro do teto da meta de 6,5%. Mesmo assim, em todo o período considerado, com o ano corrente projetado (2003-2015),  a política de juro concedeu um juro real médio anual de 6,6% aos investidores.

Em contrapartida, as variações do salário real restringiram-se à média anual de 1,1%. Então, foi 6 vezes maior o crescimento real da renda do capital do que o da renda do trabalho.

Portanto, constata-se na história recente brasileira, a posteriori, um exagero do juro ex-post, isto é, deflacionado pelo IPCA. Evidentemente, ele tem um impacto distinto do juro real ex-ante (esperado) que influencia as decisões na época de sua fixação.

Na era neoliberal, foi 2,7 vezes maior do que a taxa de inflação média. Na era social-desenvolvimentista, foi 2,2 vezes maior. A queda do salário real na “era do livre-mercado” (sic) foi de -16,6%, ou seja, percentual igual e contrário ao da sua elevação de +16,3% na “era da hegemonia trabalhista”.

Por isso, o comportamento financeiro dos trabalhadores com curso superior adequou-se a essa dependência de trajetória. Com a equivalência da taxa do juro média real na era neoliberal (1995-2002) de 15,1% aa a 1,2% am, quem aplicasse durante 240 meses (20 anos) R$ 1.000 a 1% am, já acumularia R$ 989.255,37 e receberia renda de capital mensal de R$ 9.784,71.

Nas condições da era social-desenvolvimentista (2003-2014), com equivalência de 6,6% aa a 0,5% am, seriam necessários mais 10 anos, ou seja, 30 anos para se acumular R$ 1.004.515,04. Mas aí o milionário estaria recebendo “apenas” R$ 4.992,61 com renda do capital.

Será essa queda do juro real médio o motivo para os velhos brancos, vestidos de verde-e-amarelo e gordos, estarem batendo “panela-vazia”? A classe A (4,4%) e a classe B (5,6%) somam 10% das pessoas que moram em domicílios cuja renda total é classificada nas faixas superiores.

Seus “chefes de famílias” provavelmente estão entre 9.601.162 profissionais com ensino superior completo. Certamente, são os 9% que ganham mais de 5 salários mínimos. Possivelmente, estão entre os 8.967.859 clientes do Varejo (68%) e Varejo de Alta Renda (32%) dos Fundos e Títulos e Valores Mobiliários, cujas médias de investimentos são, respectivamente, R$ 45.265,78 e R$ 161.952,10. Somam a esses os 57.505 clientes do Private Banking que têm per capita a média de R$ 12.069.350,71 em investimentos financeiros.  Só…

Fernando Nogueira da Costa É professor livre-docente do IE-Unicamp. Autor de “Brasil dos Bancos” (Edusp, 2012), ex-vice-presidente da Caixa Econômica Federal (2003-2007)

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