A Renda Básica da Cidadania é o debate que se impõe. Ele não é consequência direta da pandemia, mas o Coronavírus jogou luz sobre a questão de um jeito eficaz. Não há freios econômicos, limites sociais e polícia ou exército que segure uma população submetida diretamente à fome e à miséria. A opção seria a criação de vinte milhões de empregos a curto prazo e isso não aparece no radar dos próximos cinco anos, pelo menos. Sobretudo se a opção é por uma política econômica que amarra pés e mãos e fecha os olhos e ouvidos do Estado, e só se preocupa com o déficit primário (e estranhamente fecha os olhos para o déficit nominal, que é o verdadeiro), sempre através do corte de gastos sociais e vende a ideia falsa de que privatizar é atrair investimento produtivo, multiplicador.
O que a pandemia mostrou foi o barril de pólvora que representam dezenas de milhões de miseráveis, vivendo da mão para a boca, sem qualquer garantia para o dia seguinte, ou para a refeição posterior. A pandemia jogou luz e calor na questão. Entretanto, importa saber que a miséria já existia antes (e de uns anos para cá voltou a crescer e a acelerar) e pela insensibilidade das lideranças políticas pode permanecer depois que a Covid saciar sua fome de vidas humanas.
Como o Brasil conviveu tanto tempo com tanta pobreza? Fechando os olhos e fazendo ouvidos moucos aos gemidos surdos, oferecendo projetinhos do tipo A e do tipo B para acalmar as demandas, melhorando um tantinho aqui um tantinho ali os serviços públicos de educação e saúde que terminam por ajudar a alimentar, a aliviar a dor e a dar esperança. Como se dá esperança? Falando em sucesso ao alcance de todos, em meritocracia, em vencer desafios e todo esse lero-lero, com o fundo musical da “retomada”.
O jornalismo pouco mostra a tragédia dos humildes, evita discutir as raízes da injustiça social e só legitima a ação do Estado que convém ao que se chama mercado. Aos empresários, nem lhes passa perto a ideia de que a inclusão social aumenta o tamanho do mercado e incrementa o lucro de todos. Nem de longe lhe ocorre a ideia evidente de que sem a coordenação do Estado não há desenvolvimento verdadeiro e sustentável. Esta é uma verdade que a história provou em todos os quatro cantos do mundo desde os anos 1930.
O parlamento brasileiro (assim como os regionais) tem a agenda condicionada pelos interesses dos protagonistas mais poderosos. Os bem intencionados costumam ser rapidamente desestimulados de travar o bom combate e caem na armadilha da inércia do jogo de conveniências orquestrado pelas velhas raposas. Nesse contexto, as eleições podem até mudar pessoas, mas não muda o andar da carruagem.
A economia brasileira já patina há cinco anos e assim tende a permanecer por outro tanto de tempo, dadas as opções políticas. Com pandemia ou sem pandemia, o caldeirão vai continuar aquecido e ninguém sabe o exato limite em que pode acontecer uma explosão, como aconteceu no Chile, por exemplo.
Há muita gente no país que não tem mais nada a perder. E há um certo número de pessoas que não quer arriscar o muito que tem. Por essas e outras boas razões (como dignidade humana, justiça social, interesse econômico, estabilidade política) a Renda Básica da Cidadania é um debate que se impõe.