Quando se fecha o Livro do Rock N’ Roll

Na narrativa histórica dos heróis da guitarra, há pouquíssimos capítulos reservados àqueles que realmente causaram uma virada surpreendente no status quo artístico de sua época. E neste 6 de dezembro de um estranhíssimo e cansativo 2020, completam-se dois meses que nos despedimos subitamente de uma dessas figuras. Talvez, a última delas.

Quando soube da morte de Eddie Van Halen, numa terça-feira mais do que comum, logo fui pesquisar o que havia acontecido. Já sabia dos problemas que o lendário guitarrista vinha apresentando após combater um câncer na laringe e na língua e visto algumas notícias de que ele desejava voltar com a banda – inclusive havendo supostos esforços para uma reunião com a formação clássica do Van Halen.  Mas a notícia de sua morte  pegou o mundo inteiro de surpresa.

Guitarras cantaram e choraram em sua homenagem durante os dias e semanas que se seguiram; não é preciso dizer também que os discos da banda homônima subiram absurdamente de preço e sumiram das prateleiras. Não é de surpreender,  visto que estamos falando de Edward Van Halen, holandês que transformou o modo de tocar guitarra.

Desde que comecei a gostar de música e a tocar instrumentos, conheci o Van Halen a partir da invenção da técnica guitarrística por muito tempo atribuída a ele: o tapping , que consiste em “atingir” uma nota com os dedos da mão livre diretamente na escala, possibilitando novas combinações de oitavas e solos criativos.

Porém, Eddie não a inventou. Guitarristas de Blues mais antigos na década de 1950 já lançavam mão do recurso, mas Eddie de fato popularizou massivamente a técnica e a fez explodir pelo mundo inteiro, intensificando como nunca a linguagem da guitarra através de seu uso. Não é preciso dizer o quanto ele encantou músicos e fãs do estilo com essa enxurrada de notas e o virtuosismo que o “novo” recurso possibilitava, elevando guitarristas a um patamar inédito e criando todo um novo celeiro de guitar heroes ali pelo final da década de 1970.

Mas para além do tapping, as contribuições de Van Halen foram inúmeras para o estilo musical que tanto veneramos. Revisitemos algumas delas:

  • O chamado brown sound, seu inconfundível timbre – que envolve parâmetros específicos de tensão elétrica, altos volumes de amplificador e otras cositas más – é amplamente debatido e reproduzido até hoje, intrigando especialistas e músicos;
  • A ousada forma de customização do seu próprio instrumento: na época do pico de desenvolvimento das guitarras Les Paul e dos modelos Stratocaster de sua maior concorrente, Fender, Eddie juntou partes de modelos de ambas as marcas e construiu sua própria guitarra, a “Frankenstrat”, numa experiência que também ajudou a tornar seu timbre único;
  • No campo da composição, Van Halen e suas canções trouxeram uma alegria e carisma inconfundíveis para o mundo geralmente “marrento” do rock. Clássicos como Jump e Panama trazem um som “pra cima”, positivo e brincalhão, que geralmente não cabia aos guitarristas virtuosos e com cara-de-mau/machão e seus estereótipos;
  • Falando em estereótipos, a própria banda Van Halen sempre foi conhecida por usar visuais espalhafatosos, roupas folgadas e coloridas – vide seu exótico vocalista Dave Lee Roth nos áureos tempos. Em contraposição às bandas de rock/metal, com suas famosas calças de couro e roupas pretas sisudas, Eddie era um virtuoso fanfarrão, que sempre esbanjou carisma e alegria em sua atitude. Difícil não ver um show em que ele não esboce um largo sorriso ao tocar!

Por isso e tantas outras contribuições, além do legado musical de álbuns e canções inesquecíveis, é que posso endossar tranquilamente uma das opiniões mais completas sobre a vida e obra de Edward Van Halen que vi num dos inúmeros vídeos/matérias de homenagem após sua morte. A declaração dizia apenas com total propriedade: “Van Halen não encerrou um capítulo da história da guitarra: ele encerrou o próprio livro.”

Não vou discorrer sobre a discografia de EVH, pois já estou atrasado em dois meses com este texto e por isso também não vou me estender em palavras ou indicações de músicas. Vou apenas deixar os leitores com a maravilhosa homenagem musical que seu filho, Wolfgang, fez ao pai um mês após seu falecimento. A canção Distance esbanja emoção e traz momentos belíssimos entre pai e filho. Assista abaixo, pois as imagens e a canção falam por si:

 

 

Quando a luz de Eddie se apagou há dois meses neste plano, toda uma constelação se acendeu em alegria no Infinito. Vida longa e gratidão ao generoso mestre Van Halen. Que sua música continue movendo a Terra e, desta vez, também os Céus.

Eddie Van Halen – 1955 | 2020 (foto: Kevin Baldes)

 

Te vejo no próximo play!

Sérgio Costa

Bacharel em Ciências Sociais pela UFC e em Comunicação Social (Publicidade e Propaganda) pela Fanor/DeVry. Publicitário por profissão, empresário por coragem e guitarrista por atrevimento. Apaixonado incurável por música, literatura, boas cervejas, boas conversas, viagens inesquecíveis e grandes ideias. Escreve quinzenalmente sobre música para a coluna Notas Promissoras do portal Segunda Opinião.

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Bacharel em Ciências Sociais pela UFC e em Comunicação Social (Publicidade e Propaganda) pela Fanor/DeVry. Publicitário por profissão, empresário por coragem e guitarrista por atrevimento. Apaixonado incurável por música, literatura, boas cervejas, boas conversas, viagens inesquecíveis e grandes ideias. Escreve quinzenalmente sobre música para a coluna Notas Promissoras do portal Segunda Opinião.