“Ahora las torturas se llaman apremios ilegales. La traición se llama realismo. El oportunismo se llama pragmatismo. El imperialismo se llama globalización. Y a las víctimas del imperialismo se las llama países en vía de desarrolho.“ — Eduardo Galeano
Em política, como na guerra e nos processos judiciais, a primeira coisa que sucumbe é a verdade.
Comecemos pelo direito. Nos meus 46 anos de advocacia (a serem completados em 20.07.2022) confirmei aquilo se ouvia na faculdade: a subjetividade interpretativa das leis encontra justificativa para tudo.
Já vi juízes corruptos fundamentarem a injustiça com palavreado pomposo do jargão jurídico e com isto fazerem valer direitos inexistentes que nada mais são do que a negação do direito como realização do ideal moral de justiça.
Mas como não gosto de generalidades conclusivas, há muitos juízes probos, ainda que obrigados ao cumprimento da lei injusta, e mesmo que isto fira os seus princípios pessoais de senso de justiça.
Quando falamos da interpretação capciosa da lei pelos julgadores falamos do julgamento tendencioso, que apenas auxilia o antidireito codificado e doutrinariamente justificado que já é por si só segregacionista na sociedade do capital; sob o capital o direito é um mal social.
Na política a interpretação e versão facciosa dos fatos ocorre até com mais intensidade; verificamos a negação de princípios virtuosos em nome da pretensa realização da virtude; e a defesa do indefensável como se por questões táticas fosse sempre necessário engolir sapos (que me perdoem os sapos, aqui tratados como metáfora de coisa ruim) que de tão volumosos terminam por infectar o organismo no qual se instalam.
Há muita gente bem intencionada, por exemplo, que justifica a agressão do Vladimir Putin à Ucrânia como se fosse comportamento correto por conta de uma contraposição ao capitalismo ocidental hipócrita e não menos criminoso. Uma injustiça não justifica outra.
Putin tem um histórico pessoal de inclinação totalitária firmado e afirmado por sua profissão de policial do serviço de Inteligência da Rússia que tem uma tradição de atuar como Tribunal de Exceção que aterroriza, julga, condena e mata.
A antiga KGB e Stalin formaram um simbiose tenebrosa que terminou por representar um mau exemplo do que se pretendia dizer ser um regime comunista, que nunca foi; Putin pertence a esta escola doutrinária nefasta.
O perpetuado mandatário russo no poder gosta das lutas marciais nas quais se tornou faixa preta, e se insere num figurino pragmático ditatorial que se encaixa perfeitamente em face de tantas agressões por ele praticadas às nações que um dia pertenceram à União Soviética; esta última foi desintegrada em momento de necessidade da expansão capitalista que tudo determina.
O ocidente capitalista também tem pecados indesculpáveis neste campo de atuação e interesses.
Mas não precisamos ir muito longe, vez que temos um exemplo em nossa casa de pretensos opostos que se atraem. Não é que o discípulo tupiniquim de Donald Trump resolveu alçar um voo de estadista de aza quebrada ao ninho putinista anteriormente criticado? Lembram-se da rejeição dele à vacina comunista da Rússia?
Não é que Boçalnaro, o ignaro, que até ontem considerava Nicolás Maduro, o ditador venezuelano que vê passarinho verde-oliva encarnado de Hugo Chaves, e que era considerado como a representação fidedigna do mal comunista, é quem a ele se alia no apoio a Putin???
Não é ele quem agora sem se alia a Daniel Ortega, ora convertido a ditador totalitário religioso de fazer inveja a Anastácio Somoza na Nicarágua, no apoio a Putin?
Neste contexto é fichinha regional a aliança da desbotada estrela socialista do PT com quem era até outro dia o representante político mais destacado da Opus Dei até outro dia, o picolé de xuxu, agora convertido em membro da partido socialista brasileiro.
Tal evento e circunstância não passa de um apego inescrupuloso ao poder político burguês em fase de decadência e que apenas nos demonstra que o péssimo é péssimo e que o ruim continua sendo ruim.
Aliás, alianças espúrias do PT, umas por outras, a antiga aliança com José Alencar (que era do PL do Valdemar da Costa Neto, que foi condenado no mensalão; que hoje recebe Boçalnaro, o ignaro, como candidato filiado, que antes era o paladino do combate à corrupção como Sérgio Moro; que brigou com quem beneficiou e ora é também candidato, ufa…) era até menos perniciosa do que a atual, porque aquele era apenas um idoso capitalista simpático e bonachão, que queria apenas acrescentar ao seu curriculum empresarial a glória de ser Presidente da República, mas que terminou por demonstrar apenas quão incoerente é a busca da migalha de poder dos representantes políticos do capital e dos que dizem falsamente combatê-lo.
Mas isto não é coisa nova.
O que dizer do apoio de Luiz Carlos Prestes, enquanto representante do Partido Comunista Brasileiro, subir no palanque eleitoral de Getúlio Vagas que havia deportado poucos anos antes do Brasil para os campos de concentração nazista a sua mulher, a comunista alemã Olga Benário, grávida de uma filha do líder comunista brasileiro, e que terminou por ser assassinada naquele local de holocausto político-racial, salvando-se apenas a sua filha, diante do clamor mundial do que representaria assassinar um criança por questões ideológicas, e que nasceria num local de morte e crueldade.
Foi a falsidade da política pragmática, sob pressão de denúncia internacional, o que salvou Anita Leocádia, a filha de Prestes e Olga, da morte nascitura.
O que dizer de quem, formulando um raciocínio dentro da lógica capitalista (e apenas se curvando à dita cuja), e em nome da governabilidade, retira do trabalhador direitos previdenciários sob o argumento de que é preciso salvar o Estado e a meta fiscal; ou pior, defende reduzir direitos para reduzir custos de produção para com isto gerar riqueza supostamente para o bem do próprio trabalhador, numa tentativa de convencimento de que é a vítima a culpada do seu próprio infortúnio???
Pragmatismo político é sinônimo de desculpa de comportamentos espúrios nos quais a injustiça é praticada em nome da busca de uma pretensa justiça maior e mais abrangente que nunca se realiza.
Na guerra se justifica a explosão de uma bomba atômica, que numa manhã serena de Hiroshima, no Japão, onde pessoas comuns, que acordavam para ir ao trabalho, à escola ou para qualquer outra atividade, foram pulverizadas tais como algumas moscas se desintegram diante de uma labareda de fogo.
Dias depois o mesmo episódio macabro viria a ocorrer na vizinha cidade de Nagazaki, com a morte de centenas de pessoas, seja no mesmo dia ou em meses e anos depois, vítimas da radioatividade cancerígena. Tal evento, indesculpável, ocorreu em nome de se evitar mais mortes diante da resistência nipônica em frangalhos de rendição incondicional na segunda guerra mundial.
É que sob a lógica belicista do capital quando se tem força política-militar de dominação nunca se deixa de fazê-lo.
Quando se analisa o comportamento do Japão, ávido por uma expansão vital de suas fronteiras estreitas numa próspera ilha, vamos verificar quão mesquinho é o sentimento nacional-capitalista de relação entre os povos; quando se analisa o comportamento nacional-capitalista dos Estados Unidos, profundamente beligerante (conforme se comprovaria nas décadas seguintes e até agora), vamos verificar que há uma mesma base comportamental negativa que tudo justifica e que comanda a ação dos homens: a lógica inumana do capital.
Isto é o pragmatismo político-sistêmico que justifica a prática de uma injustiça em nome de uma pretensa busca da realização da justiça, e que termina por tudo deformar, tal qual o uso contínuo do cachimbo sempre termina por entortar a boca.
Há que termos um pensar fora da caixa e de modo a que os pressupostos limitadores de questões colocadas por premissas equivocadas não nos brutalizem nem nos idiotize como marionetes de uma lógica a que seguimos como zumbis alienados e dirigidos pela flauta mágica de um fetiche suicida.
Quando vejo e ouço na televisão as atuais pesquisas eleitorais avidamente acompanhadas por muitos como num jogo entre o time do coração e o adversário, fico tão constrangido (e enfastiado) como alguém que é obrigado a cumprir uma ordem que sabe ser injusta sob pena de receber uma severa punição.
Mas, felizmente, como manda quem pode, mas só obedece quem não tem juízo, eu NÃO VOTO!
Como dizia Drummond, as coisas são muitos fortes, mas eu não sou as coisas, e me revolto.