“Numa época de mentiras universais, dizer a verdade é um ato revolucionário.”
Se a frase não é de George Orwell, é de um autor consciencioso anônimo com o qual concordamos.
Existem quatro possibilidades mais prováveis de prognósticos para o futuro imediato do Brasil. São elas:
– a vitória do Lula nas eleições de outubro de 2022 e a posse em janeiro;
– a vitória (pouquíssimo provável) de Boçalnaro, o ignaro, na mesma eleição;
– golpe militar após o resultado (menos provável ainda);
– golpe militar antes do pleito (dependendo da mobilização popular pró ou contra o apoio ao pretendido autogolpe).
Quaisquer destes cenários que se prenunciam como possíveis e que venham a se realizar, nós teremos dias difíceis. Mas, como todo parto difícil, pode ser que dele surja um novo pensar revolucionário emancipacionista, e não aquele em um messias fanfarrão, defensor das torturas e político medíocre que se escondeu por trás de uma facada Mandrake, mas de um movimento ungido pelo povo cansado de uma alternância democrática no poder burguês que nada resolve.
É claro que Boçalnaro, o ignaro, quer o autogolpe, e disso já deu provas mais do que suficientes neste sentido.
Movido por uma crença de que a força bruta pode conter a insatisfação popular, ou mais do que isso, que o pensamento conservador capitalista tradicional pode retomar o desenvolvimento econômico e fazê-lo novamente popular, conclama o segmento minoritário oportunista e menos sensato civil e militar para tal intento.
Acontece que a conjuntura internacional lhe é desfavorável.
O capitalismo vive um estágio de depressão econômica causada fundamentalmente pela contradição tornada estatisticamente comprovada (desemprego estrutural), visível e sentida entre forma (redução da produção da massa global de valor a partir do trabalho abstrato) e conteúdo (eliminação substancial de tal fonte de produção de valor pela guerra de mercado).
Estes fatores estruturais desembocam na inflação causada pela emissão de moedas sem lastro mundo afora e, principalmente, pelos países de moedas fortes;
– queda da produção de mercadorias em face do bloqueio internacional do fluxo de componentes e matérias primas essenciais;
– dívida pública estatal crescente;
– juros altos;
Como numa tempestade perfeita tudo tem se agravado com a reedição da pandemia em alguns países (China, Coreia do Norte, e alguns países da África e Ásia, etc.),
Os sintomas da gravidade de tal situação são claros e se acrescem, no caso brasileiro, a uma forte antipatia internacional dos governos democráticos burgueses às posturas autocráticas, anticivilizatórias e antiecológicas do presidente do Brasil, ao ponto de tal governo ser considerado como pária internacional.
Os argumentos ora expendidos eliminam a possibilidade de vitória eleitoral do presidente numa reeleição. Entretanto, caso conseguisse a reeleição consideraria que suas pretensões de autogolpe estariam legitimadas pelo povo, e aí o Brasil viraria um inferno.
A conjuntura internacional desfavorável desencoraja muitas das viúvas da ditadura militar à sua reedição, ainda que muitos outros menos clarividentes acreditem que possam contar com a insensatez social brasileira para tal aventura.
Desconhecem que o Brasil, ainda que seja conservador na sua maioria, já é suficientemente desenvolvido institucionalmente e economicamente e está inserido numa conjuntura mundial que não admite mudanças bruscas do tipo desejado (fechamento do STF, do Congresso Nacional e desligamento das conexões econômicas internacionais democrático-burguesas).
A vitória de Lula é provável. A balança da bipolaridade com seu adversário mais próximo pende ao seu favor.
Mas se é, simultaneamente, um antídoto diante da ruptura institucional democrática à direita, será, também, desgastante e inócua quanto à ruptura com o quadro de sofrimento por que passa grande parte da população brasileira, e deve representar uma frustração naqueles que veem em Lula a salvação da lavoura.
O presidenciável petista já anuncia, de antemão, o que vai ser o ser o seu governo caso seja eleito. Ao fazer um discurso cada vez mais de aceno ao capital nacional e internacional, e ao centro político, como a imposição ao PT de um candidato a vice-presidente como Geraldo Alkmin, que conhecemos de muitos carnavais, ele já diz tudo.
Lula sempre acreditou no capitalismo e no trabalhismo socialdemocrata como forma de relação social viável dependendo de sua condução. Desconhece a essência da economia capitalista e sua autodestrutibilidade e, pior, luta pela preservação das categorias capitalistas como se fossem ontológicas.
É um político aferrado ao parâmetro que construiu para si mesmo e do qual saiu vitorioso,parecendo cada vez mais apegado ao poder burguês e às migalhas institucionais que ele oferece.
Cada vez mais descrê na força da mobilização dos movimentos socais libertários (com todas as divergências e equívocos propositivos existentes), sejam eles do operariado sindical combativo ou autônomo, das mulheres, dos sem-terra urbanos e rurais, da diversidade lgbtqI+, dos antifascistas, dos antinacionalistas, dos antirracistas, dos anti–fundamentalistas religiosos, de solidariedade aos perseguidos mundo afora, etc., etc., etc.
Chega ao ponto de defender autocratas como se se justificassem os desrespeitos humanitários e ideológicos por eles praticados em nome de uma postura aparentemente madura e infensa a esquerdismos ingênuos.
Se ganhar as eleições e tomar posse começará o seu governo 20 anos após a primeira vez (2003/2023), mas sob um clima de conjuntura internacional bem diferenciado para pior do ponto de vista do capital. A marolinha se tornou uma onda gigante e incontrolável.
A esquerda tem tolerado a injustiça e a tem praticado em nome da consecução de pretensa justiça futura, e tem feito concessões que terminam por absorver o mal capitalista e com ele conviver numa alternância de poder político que a descredencia.
Lula, enfim, cada vez mais se distancia da estrela e do vermelho que simbolizaram o PT de tantos bons companheiros expurgados, e para aderir a um rosa choque entrelaçado com um verde-amarelo nacionalista. Lula nega tudo que prometeu ser nos primórdios de sua vida política e denuncia a sua verdadeira essência.
Não se trata de amadurecimento, mas de um retroceder que é, alternativamente, uma demudança de postura à direita a partir de uma mudança do pensar, ou a explicitação de um embuste histórico. Não sei mesmo qual a melhor hipótese entre estas duas, mas o futuro nos explicitará e, espero, não represente uma frustração que leve o povo brasileiro a novamente acreditar numa cantilena autoritária mentirosa.
O pior, entretanto, é que com os mecanismos de combate à depressão capitalista que Lula pretende e anuncia usar, os problemas continuarão e se agravarão, e pode dar perante o eleitorado uma nova vida à direita após o desencanto com quem representa e esquerda no imaginário popular.
Espero que mesmo de desencanto em desencanto possamos construir uma convicção alternativa de relação social (tanto institucional como de produção social) que nos emancipe definitivamente dos grilhões capitalistas.
Dalton Rosado.