Precisamos falar do Ceará… Parte 6

Na primeira metade dos anos 1960, o Ceará, com Virgílio Távora governador, introduzia o planejamento na gestão do Estado, missão que entregou a Hélio Beltrão. Este salto foi importante, mas não suficiente para produzir desenvolvimento na dimensão e na velocidade necessárias para eliminar a pobreza extrema e reduzir a desigualdade que ainda hoje maltrata a imensa maioria. VT dizia que o Ceará se via como o centro do mundo, o que seria uma boa verdade. A verdade é que os governos se sentem o centro de tudo, veem as árvores, mas não veem a floresta, enxergam os próximos quatro anos, não constroem o futuro.

O fato é que a história mostra que aqui e ali um estado pode ganhar uma centralidade por um salto na qualidade da gestão pública ou um passo ousado de um empreendedor privado. É dos primeiros anos dessa década (1960) o impulso empreendedor de um cearense ao abrir a primeira empresa de avicultura, uma estrada larga para o estado, com a visão de um negócio a merecer a condição de estratégico, já que poderia alimentar a população, a criação de frangos e produção de ovos em escala. Ele arriscou seus modestos capitais na montagem de uma operação que começava importando as primeiras aves. Logo depois investiu num incubatório e passou a crescer de forma autônoma, criou uma marca forte. Foi ampliando e abastecendo outros criadores, multiplicando a produção, conquistou outros mercados, estimulando e apoiando até novos empreendedores (concorrentes), dentro e fora das fronteiras, o Ceará ao centro.

O Ceará não estava naquele momento atrás do que viriam a ser as grandes empresas nacionais do ramo – Sadia e Perdigão, que hoje, juntas, são a BRF – Brasil Foods, destaque mundial no setor, na linguagem moderna, um player global.

Hoje, sessenta anos depois, há perto de vinte empresas cearenses que sobreviveram a tantas e tão profundas crises econômico-financeiras que afetam ainda mais um mercado pequeno e pobre. Essas vinte firmas empregam entre dez e doze mil pessoas diretamente (talvez o dobro do Complexo Industrial e Portuário do Pecém). Elas competem diretamente com as gigantes nacionais que acessam o mercado consumidor daqui apenas instalando uma representação local, ou quando muito um centro de distribuição.

As gigantes nacionais têm preços competitivos por duas razões mais diretas. A primeira é que a produção em larga escala dilui custos e melhora a competitividade. A segunda é que acessam quase diretamente na fonte as matérias primas que definem o custo total, que são milho e soja.

As empresas da avicultura cearense não têm escala porque não tiveram, no devido tempo, a oportunidade e as condições de fazer uma transição completa para o processo industrial e porque jamais tiveram acesso a milho e soja em condições atraentes. Compram de longe, transportam via rodoviária (o Ceará não construiu ferrovias, ao contrário, desmontou as que tinha). A avicultura em parte era vista como uma esquisitice empresarial que não era indústria e não era agricultura. Foi ficando esquecida.

Vejam um exemplo, falando de financiamento. Faz tempo que elas não contam com nenhuma fonte de financiamento adequado, porque não há mais bancos de desenvolvimento regional (BEC e Bandece desapareceram) e porque os bancos federais faz tempo não as suprem. Num determinado momento, um líder político da região obteve uma destinação relevante de recursos de longo prazo e baixo custo para a avicultura, nivelando-a a agricultura. O Banco do Nordeste entregou quase todo o recurso a uma única empresa. Privilegiou uma, desassistiu todas. Enfraqueceu o setor num momento decisivo, anos 1980.

A virada para os anos 1990 (que começou aqui com uma dura taxação da avicultura pelo governo do Estado, depois calibrada pelo bom senso) foi um tempo de hiperinflação que afetou a produção para beneficiar os especuladores. Era a ciranda financeira que fazia dançar quem se atrevia a produzir.

A avicultura de hoje nada pede e nada espera dos governos. Vive e enfrenta as lutas do mercado, sob a lei da oferta e da procura, mas experimentando a desproporção de tamanho (leia-se escala de produção muito maior) dos concorrentes.

Podem até torcer para que o Ceará um dia venha a produzir de dois a quatro por cento do milho que é produzido no país. E já houve uma vez em que o Ceará encostou no milhão de toneladas/ano de produção de milho. Este feito ficou no passado, foi convenientemente esquecido. O Brasil produz 70 milhões de toneladas. Pelo critério populacional o Ceará produziria 2,8 milhões de toneladas. Pela proporção do PIB, seriam 1,4 milhão de toneladas. Isso talvez demandasse muito menos água do que pedem os negócios do Pecém. Os avicultores torcem, mas não cobram, nem esperam.

Também torcem, mas não cobram, nem esperam que haja transporte ferroviário (mesmo que seja só um ponto a mais no projeto da ferrovia Transnordestina).

O futuro da avicultura cearense é …vamos falar disso depois.

(O empreendedor pioneiro da avicultura no Ceará chamava-se Antonio Edmilson Lima. Seu centenário de nascimento será justamente lembrado, mas não só por isso).

Osvaldo Euclides de Araújo

Osvaldo Euclides de Araújo tem graduação em Economia e mestrado em Administração, foi gestor de empresas e professor universitário. É escritor e coordenador geral do Segunda Opinião.

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Osvaldo Euclides de Araújo

Osvaldo Euclides de Araújo tem graduação em Economia e mestrado em Administração, foi gestor de empresas e professor universitário. É escritor e coordenador geral do Segunda Opinião.