Precisamos falar do Ceará… Parte 13

Se a gente acender uma lanterna no túnel do tempo, apontando-a para a segunda metade do anos 1970, colocando o foco no que acontecia no mercado financeiro, instância decisiva para o desenvolvimento econômico, veja-se o que aparece de forma mais nítida. Antes, uma explicação básica. O mercado que cuida de dinheiro tem a função de dar destino racional a ele, recolhendo de quem tem sobras e financiando quem tem necessidades e interesses. Basta o Estado bem exercer sua função reguladora e estimuladora (e nesta função podem estar incluídas a indução para o investimento, o direcionamento para o desenvolvimento, o financiamento e a capitalização de negócios e empresas estratégicas, sejam elas públicas ou privadas…). O Estado tem que conciliar interesse privado com interesse público, assim como o interesse individual com o coletivo de forma inteligente, planejada.

Naquele momento o Ceará tinha cinco bancos comerciais privados (BMC, Bancesa, Banfort, Bic, Parnaíba) e esse número era proporcional ao tamanho do estado em relação ao país. Engana-se quem pensa que os bancos regionais privados não são importantes. Mesmo de porte relativamente pequeno, essas instituições privadas atendem muito bem as necessidades das pequenas e médias empresas regionais, elas as conhecem, são próximas delas, as relações entre elas já constituem uma tradição e esse conhecimento recíproco vence barreiras formais características da concessão de crédito.

Havia também um banco comercial público (BEC) e um banco público estadual de desenvolvimento (Bandece). Completando a área bancária, ponteava o Banco do Nordeste do Brasil, talvez então o maior banco de desenvolvimento da América Latina. Esse conjunto de instituições era capaz de atender as necessidades de capital de giro e financiamentos de médio e longo prazo das empresas, vale dizer o necessário ao desenvolvimento do Ceará.

Olhando para outro foco, tinha o Ceará duas companhias de crédito imobiliário (Crédimus e Terra) e uma associação de poupança e empréstimo (Domus) privadas, sem falar da empresa deste setor pertencente ao banco público estadual, o BEC. Nessa época, as empresas do setor cresciam rápido, fortemente alimentadas pela atração que a população inteira sentia para colocar seu dinheiro em cadernetas de poupança, uma verdadeira febre. Esses recursos da poupança (complementados pela captação via letras imobiliárias e somados aos do fundo de garantia por tempo de serviço) eram destinados ao financiamento da construção civil e deveriam seguir crescendo.

Também havia uma bolsa de valores e a ela associadas onze sociedades corretoras de câmbio e valores. Era um modesto, mas importantíssimo núcleo de mercado de capitais que conhecia as empresas locais e fazia um trabalho de base no sentido de sensibilizar empresas para abertura de capital. E nos anos 1970 já aconteceu uma emissão de ações bem sucedida (todas as ações foram colocadas) e outras parcialmente bem sucedidas. E também trabalhavam para estimular pessoas físicas a investirem em ações, um processo educativo essencial. Na liderança da bolsa, o economista Raimundo Padilha se multiplicava (ainda que solitário) para educar empresários e executivos quanto à excelência da opção pela abertura de capital (hoje bilionários se fazem via IPO).

Acima e além de tudo isto, havia o Banco do Brasil, a Caixa Econômica Federal e o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico, que eram, na época, todos eles muito ativos e acessíveis.

Havia a Superintendência do Desenvolvimento do Nordeste – Sudene, que avaliava projetos industriais e se os aprovava, eles tinham acesso garantido a aportes de capital de risco e enormes benefícios fiscais. Vale lembrar que mais ou menos na metade dos anos 1970 a legislação havia sido modernizada (criação do Fundo de Investimento do Nordeste – Finor) e as empresas amplamente beneficiadas com a mudança, que garantia o aporte de recursos com subscrição de ações sem direito a voto. Havia, pois, toda uma estrutura e um sistema voltados para a industrialização.

Também havia sido atualizada a Lei das Sociedades Anônimas, o que dava aos negócios com ações e ás empresas de capital aberto uma base jurídica sólida, que facilitava e estimulava os investidores.

E investidores e recursos não eram coisas escassas na época, pois estava sendo atualizada a legislação dos fundos de pensão, que já eram obrigados a destinar a ações uma parcela expressiva de suas gigantescas carteiras de investimentos de longo prazo. O Ceará tinha dois poderosos fundos de pensão (Capef e Cabec).

E, para as pessoas físicas, investir em ações de companhias abertas nordestinas assegurava um abatimento do Imposto de Renda Devido da ordem de quarenta e cinco por cento.

Não há como pensar que era tudo perfeito, não era. Entretanto, não há como negar que o momento e as circunstâncias davam ao Ceará uma oportunidade evidente. Por que não a aproveitou? Por que escolheu não aproveitar? O que faltava para que o Ceará desse um passo (ou um salto) enorme em direção ao desenvolvimento industrial, não se sabe. Talvez não faltasse muito, quem sabe uma coordenação política, um bom e pragmático planejamento econômico e uma boa e talentosa equipe para tocar a banda.

Estamos hoje cinquenta anos depois e olhando para trás. Parece que não temos mais aquelas instituições, nem aquelas condições, nem…

Textos anteriores tentaram mostrar que havia fartura e diversidade de matéria prima, mão de obra em quantidade e com habilidade, qualificado espírito empreendedor. O texto acima tenta mostrar o contexto local e o suporte nacional em termos de intermediação financeira (financiamento e investimento), legislação, estímulos e suportes de todo tipo.

Elementos de uma oportunidade histórica.

Osvaldo Euclides de Araújo

Osvaldo Euclides de Araújo tem graduação em Economia e mestrado em Administração, foi gestor de empresas e professor universitário. É escritor e coordenador geral do Segunda Opinião.

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Osvaldo Euclides de Araújo

Osvaldo Euclides de Araújo tem graduação em Economia e mestrado em Administração, foi gestor de empresas e professor universitário. É escritor e coordenador geral do Segunda Opinião.