O AUTOR
Anselm Jappe é doutor em Filosofia, ensaísta e escritor. Nasceu na Alemanha em 1962, estudou na Itália, graduou-se e vive na França, onde ensina Filosofia. É considerado o melhor intérprete e crítico da obra de Guy Debord, foi próximo de Robert Kurz (Krisis). Vários de seus livros foram publicados no Brasil.
A PUBLICAÇÃO
O livro “Uma conspiração permanente contra o mundo – reflexões sobre Guy Debord e os situacionistas”, de autoria de Anselm Jappe, reúne cinco ensaios e foi publicado no Brasil em 2014, pela editora Antígona, com 140 páginas, tradução de Jorge Lima Alves.
CIRCUNSTÂNCIAS
Anselm Jappe estuda e reflete sobre Guy Debord desde os anos 1980, quando este ainda era pouco reconhecido e festejado. Após sua morte, em 1994, Debord foi, digamos, adotado no mundo intelectual e acadêmico e festejado como um “tesouro nacional” da França.
A IMPORTÂNCIA DO LIVRO
Guy Debord é um dos mais importantes intelectuais franceses do século XX (suas ideias estariam na base do movimento de Maio de 1968) e, depois de sua morte, em 1994, suas ideias-chave e sua obra ganharam um enorme espaço no mundo inteiro.
Anselm Jappe é considerado há muito o mais fiel e rigoroso intérprete das ideias de Debord. Este livro reúne cinco ensaios de Jappe que, segundo ele mesmo diz na abertura do livro, são fruto de quase vinte anos de reflexão sobre a obra de Debord e o percurso dos situacionistas (movimento que nos anos 1950 fundiu várias tendências artísticas de vanguarda).
O LIVRO
Editado no Brasil, o livro reúne cinco ensaios do autor que abordam e debatem a aproximação e a diferença entre Debord e outros pensadores importantes, como, por exemplo, Karl Marx, Theodor Adorno e Hannah Arendt, para citar os principais.
Anselm Jappe trata nesta obra de questões permanentes, aquelas que, mesmo depois de debatidas por décadas, continuam a merecer novas leituras e novas interpretações, jamais deixando de ser atuais e inquietantes. Jappe coloca Debord em face de Hannah Arendt num dos ensaios. Noutro trata de política, usando a ideia de “espetáculo” com que Debord abordava a (na palavra de outros autores) “realidade virtual” ou o “simulacro”. Também discute a trajetória dos situacionistas e questiona se Debord foi “assimilado” e virou um clássico ou se continua perturbando a ordem com suas ideias.
BONS MOMENTOS
— Espero que os ensaios reunidos neste livro demonstrem que o caráter subversivo de Debord não residia unicamente na sua habilidade para se manter longe do espetáculo, por mais importante que ela fosse. A sua capacidade de perturbar não se esgota necessariamente no momento em que podemos ver as suas obras expostas num museu ou as suas ideias retalhadas por tristes universitários. Há uma força explosiva, tanto nas suas ideias como na sua vida, que brilham ainda mais quando comparadas com outros pensamentos e outras vidas sob os mesmos holofotes.
— A nostalgia da “verdadeira política” (identificada com o “diálogo democrático”), que seria necessário salvar da demagogia dos que manipulam os cérebros invadindo-os com imagens veiculadas pelos “mass media”, é a consequência da concepção muito positiva da política que sempre caracterizou a quase totalidade da esquerda. Mas Debord não se propõe defender a política, nem sequer a política “revolucionária”, das distorções e da superficialidade introduzidas pelo “espetáculo”.
— O desenvolvimento das forças produtivas atingiu um tal grau que a humanidade poderia sair daquilo a que Adorno chamou a “autoconservação cega”, e os situacionistas a “sobrevivência”, para passar por fim à verdadeira vida. São as relações de produção (a ordem social) que o impedem; segundo Adorno, “dado o nível das forças produtivas, a terra poderia ser, aqui e agora, o paraíso”…condenam a sociedade a submeter-se sempre aos imperativos da sobrevivência e criam aquilo que o situacionista Vaneigem chamou “um mundo onde a garantia de não morrer de fome é trocada pelo risco de morrer de tédio”.
— Não é necessário insistir na centralidade do conceito de autenticidade em Debord: as suas ideias-chave, como “espetáculo”, “mentira”, “falsificação”, “ideologia materializada”, remetem para uma oposição frontal entre a verdade, o original, a vida e a cópia falsa. Do mesmo modo, a sua vida foi, do princípio ao fim, uma recusa da inautenticidade da existência que via à sua volta.
— Podemos ter a certeza de que Debord não apreciava o hip-hop. Também não era, seguramente, politically correct e não se inscrevia de todo no conformismo da esquerda. Combateu a guerra da Argélia, mas nunca se referiu ao “anti-racismo” ou ao “multiculturalismo” dos dias de hoje. Proclamou e viveu a liberdade de usos e costumes, mas estava longe do feminismo e ironizou sobre esse novo crime que seria a “homofobia”.
— Em 1955, Debord desejou a destruição de todas as igrejas, sem ter em conta o seu valor artístico. Trinta e cinco anos depois, constatou que esse programa tinha sido realizado pelos progressos da dominação espetacular. Se Debord mudou de opinião, isso não teve nada a ver com o bem conhecido processo pelo qual um revolucionário ou um vanguardista envelhecido faz as pazes com o inimigo de outros tempos e aprecia o que antes desprezava.
CURTAS
— O papel do desenvolvimento das forças produtivas não é evidentemente negado, mas mais fundamental parece ser a relação dos indivíduos, dos grupos e da humanidade com o tempo e, portanto, com a morte.
— O principal objetivo da pólis era fazer do extraordinário uma ocorrência comum e cotidiana.
— Nas suas últimas obras, Debord mostra-se implacável com os poderes dominantes e a situação que criaram, mas também não vê revolucionários.
— O que é certo é que Debord já não é um autor “clandestino”, longe disso. Mas ter-se-á tornado um autor “como os outros”?
— Está na moda apresentar os situacionistas como a “última vanguarda artística”. Uma afirmação absurda (a menos que sirva interesses banais), pois pretende criar um elo entre os situacionistas e outras pretensas vanguardas dos anos 1960, como o Fluxus ou o Happening.
— São as atuais hierarquias sociais que, para se manterem, garantem a sobrevivência e, ao mesmo tempo, impedem a vida.
— A suspeita de que a arte moderna se esgotou começa agora a impor-se, mesmo entre aqueles que durante muito tempo recusaram essa ideia.