O AUTOR
Alexandre Aragão de Albuquerque é
Mestre em Políticas Públicas e Sociedade (UECE). Especialista em Democracia Participativa e Movimentos Sociais (UFMG). Arte-educador (UFPE). Alfabetizador pelo Método Paulo Freire (CNBB). Pesquisador do Grupo Democracia e Globalização (UECE/CNPQ). Autor dos livros: Religião em tempos de bolsofascismo (Independente); Juventude, Educação e Participação Política (Paco Editorial); Para entender o tempo presente (Paco Editorial); Uma escola de comunhão na liberdade (Paco Editorial); Fraternidade e Comunhão: motores da construção de um novo paradigma humano (Editora Casa Leiria).
A PUBLICAÇÃO
O livro ‘Religião em tempos de bolsofascismo’, de autoria de Alexandre Aragão de Albuquerque, Edição do Autor, 2023, tem 84 páginas.
CIRCUNSTÂNCIAS
Alexandre Aragão de Albuquerque publicou regularmente textos analíticos e opinativos sobre a cena institucional do país, desde o início da grande crise, a partir de 2015. Entre os textos postados (no Segunda Opinião, que abriga artigos de intelectuais em política, economia e cultura) entre 2018 e 2022, havia alguns que tratavam de uma mesma questão: a delicada área de interseção e influência recíproca da política com a religião, que alguns grupos espertamente exploravam para conquistar e manter o poder com mentiras e manipulação. Este livro faz a articulação cronológica desses textos, o que se faz necessário para jogar luz nesta área de sombras da história recente.
A IMPORTÂNCIA DO LIVRO
Ao discurso político juntou-se a utilização da religião num movimento de radicalização de ânimos e de criminalização da política especialmente convenientes aos interesses de poderosos grupos. Partidos e igrejas deram-se as mãos em busca de conquistar o poder e aumentar suas reservas. A população não estava devidamente habilitada a perceber essa manipulação e dela proteger-se. Nem mesmo importantes parcelas da imprensa estavam equipadas para compreender, desmascarar e frear esse processo que não tem qualquer compromisso com a democracia, com princípios e valores.
Alexandre Aragão de Albuquerque tem sólida formação acadêmica e um texto de alta qualidade. Analisa e opina com rigor, sempre partindo dos fatos concretos. Ele tem lado, mas não faz concessões de qualquer tipo. Seu conhecimento é largo e tem a profundidade necessária.
O LIVRO
O livro é breve e o texto é franco, direto. São oferecidos em ordem cronológica vinte e quatro artigos de estilo jornalístico. O autor deixa bem clara sua fé de natureza cristã e não esconde sua convicção, para dizer o menos, progressista. E cita com a mesma desenvoltura e adequação os evangelistas, Karl Marx e Hannah Arendt, para ficar em poucos exemplos. E explica a utilização da religião pela política (e vice-versa): “…quando um oprimido, das profundezas do seu sofrimento existencial, exclama: “é a vontade de Deus!”, cessam todas as críticas, todas as razões, todos os argumentos questionadores do seu padecimento, e as injustiças estruturais e históricas transformam-se em “mistérios” de desígnios divinos insondáveis. Sua própria miséria diária deve ser suportada pacientemente como uma provação, à espera da salvação eterna de sua alma.”
E acrescenta: “…O esforço desses artigos, portanto, consiste em ir além do aparente, para buscar encontrar verdades mais profundas escondidas nas banalidades dos acontecimentos diários. Numa palavra, ir além da hipocrisia contida nos atos e fatos da relação interesseira entre lideranças religiosas e políticas manifestas no período observado”.
BONS MOMENTOS
“…A igreja que mais elegeu parlamentares foi a Assembleia de Deus; em segundo lugar aparece a Universal. Esta é uma das maiores empresas religiosas do país, possivelmente o mais representativo grupo neopentecostal brasileiro, com 6.000 templos e quatro milhões de fiéis espalhados por todo o Brasil. Um dos braços de internacionalização desta organização é a TV Record, cujo presidente é o bispo Renato Cardoso, genro do presidente do Grupo Universal, Edir Macedo…”
“…Como disse Maquiavel, a religião é a paixão útil que existe para alimentar o amor civil pelo Estado, mas não representa um patrimônio de verdade. Entre a verdade e a religião não há uma medida comum. Dominadores e dominados conhecem a religião de modo diferente: para o Príncipe ela é apenas útil; para o povo ela significa a exteriorização de um mandamento divino…”
“…Em 1970, a teóloga alemã Dorothee Sölle cunhou o termo “cristofascismo” para definir uma postura política que combina cristianismo com fascismo, baseando-se no fato de as relações do partido nazista alemão com as igrejas cristãs haverem contribuído para o desenvolvimento do Terceiro Reich. Segundo a doutora em comunicação, Magali do Nascimento Cunha, no tempo presente brasileiro há posturas semelhantes da parte de movimentos de igrejas cristãs e de suas lideranças fornecendo apoio a Bolsonaro com suas políticas de intolerância e de ódio…
“…Marx, no referido documento, pergunta: ‘Onde devem ser discutidas as questões religiosas: no seio das famílias, nas igrejas e nas escolas, ou também na imprensa e na academia? Na linguagem obscura das opiniões privadas ou na linguagem da razão pública clarificando as contradições?’ Afinal, se a religião se torna uma qualidade da política – conforme se comprova na manifestação política do frade franciscano – a imprensa e a academia têm não só o direito, mas também a obrigação de discutir tais assuntos políticos que envolvem a religião. Apesar de a religião estar voltada para preocupações “com o outro mundo”, ela nasce, cresce e se desenvolve neste mundo material, condicionado pelas estruturas econômicas e culturais, com suas implicações com o poder temporal.
“…Mas em Estados democráticos, constituídos por repúblicas laicas, representativas e participativas, a soberania é popular, com distribuição dos Poderes republicanos regidos por uma Lei Constitucional, promulgada por uma assembleia de representantes eleitos diretamente pelos cidadãos e cidadãs. Não há o dogma de fé religioso a ser imposto e obedecido piamente, mas vigora a luta democrática, respeitando-se as leis que a regem, pela implantação de condições de liberdade e igualdade para todos os que constituem uma determinada comunidade política, diante de desigualdades e injustiças estruturais e históricas sobre as quais foi construída, maltratando a vida de muitos para garantir o privilégio de poucos.
“…Essa concepção egoísta da supremacia do interesse privado sobre o interesse público deriva, por exemplo, de uma compreensão de Jesus de Nazaré entendido como um mestre religioso apolítico, que se dirige ao indivíduo e não às comunidades em suas dimensões econômicas, políticas e sociais. Até o fato extremo da execução de Jesus na cruz, como criminoso político, é totalmente descartado da análise desses líderes religiosos para os quais o que importa é a vida do mundo pós-morte, numa visão redutiva da mensagem do Reino de Deus anunciado pelo Mestre de Nazaré.
“…Como sinaliza profeticamente a canção de Gilberto Gil, é preciso ter a coragem de “subir aos céus sem cordas para segurar”. Ou seja, desapegar-nos da segurança de fórmulas passadas para construir um novo presente, atualizado, arriscando-nos em novas visões, ações e arranjos compartilhados, estabelecendo diálogos de base profundos, conduzidos sempre com maior compromisso de agregação de forças que, embora no meio de inevitáveis dificuldades, revelam-se como resposta possível às ameaças gera- das pelo bolsofascismo e pelo fundamentalismo religioso, para avançarmos decididamente rumo a um horizonte mais vasto, no qual se descubram talentos e peculiarida- des dos diversos participantes, num enriquecimento recíproco.
CURTAS
“… a situação espacial-temporal-social em que Jesus de Nazaré vivia estava repleta de violência, sob o comando tanto dos reis clientes do Império – os herodianos – como pelo governadores gerais romanos na Judeia. Jesus opôs-se ativamente contra essa violência – opressiva (política e econômica), como repressiva (religiosa) – tanto em seus discursos, como na defesa dos mais vul- neráveis do seu tempo.
“…Não é necessário pensar muito para compreender que os interesses destas duas classes – capitalistas e trabalhadores – não são harmônicos. Aqui se encontra a contradição máxima do capitalismo: o capitalismo cresce graças a uma condição que torna o conflito entre trabalhadores e capitalistas inevitável.
“…Os poderosos deste mundo utilizam as mesmas palavras sagradas – a vontade de Deus, a inspiração do Espirito Santo etc. – para legitimarem as atrocidades por eles tramadas: “Deus acima de todos”, a fim de que nada se altere, nada se transforme, e que os trabalhadores continuem se afogando dia após dia no vale de lágrimas da dominação.
“…Como lembra a autora da obra “Origens do Totalitarismo”, Hannah Arendt, foram os fenômenos outrora tidos como insignificantes e desprovidos de importância na política mundial, como o antissemitismo, que se transformaram em agentes catalisadores do movimento nazista alemão criando com ele o mal radical e absoluto, materializado na implantação genocida dos campos de extermínio de humanos.
“… A vida é luta. A solidariedade para com a vida é luta e se faz na luta. Todo esforço de nós humanos é o de darmos finalidade à nossa história particular e universal. Fazer com que nossa existência tenha sentido. E aqui não há lugar para comodismos ou idiotices, como as que estamos tendo o desprazer de assistir.
“ O filósofo espanhol (Miguel Unamuno) adverte que um dos atos mais ignóbeis na história do cristianismo foi o de querer impor a fé pela força da espada (cruzadas) e da fogueira (inquisição), buscando demonstrar sua virilidade.
“… Sadismo é um transtorno psíquico-emocional que acomete indivíduos, levando-os a desenvolver sentimento de prazer e gozo com o sofrimento alheio. Sentem verdadeiro sabor quando percebem alguém sofrendo, mesmo que ele não seja o causador.