PRÉ-LEITURA DO LIVRO ‘ORAÇÃO PARA DESAPARECER’, DE SOCORRO ACIOLI – por Mônica Moreira da Rocha

AUTORA

Socorro Acioli, nascida em Fortaleza em 1975, é jornalista e doutora em Estudos de Literatura pela Universidade Federal Fluminense (UFF). Professora e coordenadora da especialização em Escrita e Criação da Universidade de Fortaleza (Unifor), Acioli é autora de mais de vinte livros, tendo recebido o Prêmio Jabuti de Literatura Infantil.  Ela participou de um curso ministrado por Gabriel García Márquez, o que lhe conferiu um domínio brilhante do realismo mágico, que integra de forma única em suas obras.

A PUBLICAÇÃO

Lançado em 2023 pela Companhia das Letras, “Oração para Desaparecer” tem 204 páginas e traz na orelha comentários da renomada Pilar del Rio.

 

CIRCUNSTÂNCIAS DA ESCRITA

“Oração para Desaparecer” foi inspirado em um evento real: a redescoberta de uma igreja soterrada por décadas na cidade de Almofala, no Ceará. Acioli usa essa imagem simbólica de desaparecimento e ressurgimento como base para a trama, refletindo sobre temas como identidade e memória. O livro dialoga profundamente com as culturas nordestina e portuguesa, ampliando suas dimensões históricas e culturais, enquanto explora a luta para reencontrar-se mesmo diante do apagamento.

 

IMPORTÂNCIA DO LIVRO

Acioli aborda questões universais, como identidade, memória e pertencimento, ressoando com leitores de diversas origens. A narrativa de uma mulher que emerge da terra sem memórias desafia o leitor a refletir sobre o que realmente nos define.

O livro também estabelece uma conexão cultural interessante entre Brasil e Portugal, enriquecendo a narrativa ao unir raízes nordestinas com o contexto europeu, reforçando o diálogo entre essas culturas historicamente ligadas.

Ao integrar o realismo mágico com maestria, Acioli reafirma seu talento em contar histórias que são ao mesmo tempo enraizadas no Brasil e universais. Inspirada por eventos reais, como a redescoberta da igreja em Almofala, a autora valoriza a cultura nordestina e dá à obra uma relevância que transcende fronteiras.

A presença de personagens femininas complexas e situações de reinvenção também fortalece a importância do livro dentro da literatura feminina contemporânea brasileira.

 

O LIVRO

“Oração para Desaparecer” é um romance que entrelaça ficção e eventos reais para explorar questões profundas sobre identidade, memória e apagamento. Inspirado na história da igreja soterrada e posteriormente redescoberta, o livro utiliza esse acontecimento como uma poderosa metáfora para refletir sobre o desaparecimento e o ressurgimento — não apenas de espaços físicos, mas também de pessoas e suas histórias.

 

A trama acompanha personagens que, de diferentes maneiras, enfrentam o desafio de preservar ou resgatar suas memórias, confrontando o esquecimento e buscando sentido em meio ao vazio deixado pelo tempo. Entre eles está Cida, uma mulher marcada por uma luta interior constante, que tenta resgatar fragmentos de sua própria história enquanto lida com o apagamento de sua essência ao longo dos anos. Acioli investiga as camadas culturais e históricas do Nordeste e de Portugal, tecendo uma narrativa rica em simbolismos e reflexões profundas.

Com uma linguagem poética e envolvente, “Oração para Desaparecer” nos faz questionar o que resta de nós quando somos soterrados pelas forças do tempo, e como, mesmo a partir de ruínas, é possível reencontrar-se e renascer.

A narrativa combina mistério e introspecção, acompanhando a busca de Cida por compreender sua própria identidade e sua ligação com o lugar. O cenário de Almofala entrelaça-se com sua jornada de autodescoberta.

CURTAS

– “Acordei com os olhos grudados de lama, o nariz entupido de terra e a boca cheia de areia estralando nos dentes.”

– “A casa era um depósito dos vestígios de muitas vidas.”

– “Significa quem morre sem morrer, enterrados que saem da terra. Não é qualquer morto, são os escolhidos para isso.”

– “Vida e morte são mistérios que ninguém alcança. Tudo o que se fala sobre nascer e morrer é mera aposta. A morte é dolorosa, mas talvez o nascimento seja pior, e minha desgraça estava ali, entre uma coisa e outra.”

– “Quando a gente acha que entendeu tudo, o caos aparece para relembrar que não somos coisa nenhuma.”

– “Viver é sempre isso, fazer o que se pode.”

– “Quase sempre, porque os tolos ainda acham que é possível amor completo, que nos complete, e sempre falta tanto.”

– “Sou grão de Areia que Deus vê, sopra e liberta.”

 

BONS MOMENTOS

 

– “Saí de um buraco na terra da Almofala, em Portugal. Estava nua e careca, só usava um colar de búzios. Não sei o meu nome. Fui salva por um casal de idosos. Tenho cortes e marcas de violência no corpo. Sou brasileira. Consigo ver os mortos. Não lembro de nada. Acredito em Deus.”

– “Já aconteceram coisas terríveis. Nenhum ressurrectochega deixando uma vida fácil para trás, é o que tenho percebido. A menina mesmo, chegou cá toda magoada de cortes e pancadas.”

– “Mas eu o amava muito quando sonhava com ele. E meu corpo o encontrava nos sonhos, eu sentia tudo dos sonhos,o fogo, o desespero, a explosão e a paz.”

– “O amor, por si só, já é um perigo gigantesco. Alémdisso posso estar com ele, feliz, lembrar de repente e essa lembrança destruir toda a ideia de futuro que teríamos.Não sei quem fui, o que fiz com os outros, o que fizeram comigo. Mesmo assim vou seguir em frente. Quero estar com ele.”

– “Quem sabe lidar com os buracos da alma? Acredito que as pessoas seriam mais felizes no amor se aceitassem as renúncias que ele impõe e nem todo mundo aceita.”

– “A minha maior pergunta é: o que é ser brasileira? Tenho mais dúvidas sobre isso do que, de fato, sobre quem eu sou. Entender o país no sangue me trará as respostas, tenho esse sentimento, e mesmo partindo para esses documentos falsos eu não deixarei de ser brasileira. Não quero ser portuguesa. Nunca serei. Sou brasileira e isso me agrada muito.”

– “Quem estuda tudo o que não é ligado ao homem, a esse bicho atrasado que somos, talvez consiga viver mais em paz. Foi por isso que escolhi a biologia, porque não entendo a condição humana o suficiente para me cercar dela na vida inteira. É tudo sempre nebuloso, é mais fácil pensar nos bichos e nas plantas.”

– “Tudo o que me faltava eu tinha de volta. Tudo o que perdi, recuperei. Meu nome, meu passado, uma vida novamente minha. E eu me sentia forte, pois já lembrava que tinha o dom de ver os encantados, entender o futuro. Éo invisível que comanda o mundo.”

Monica Moreira da Rocha

Economista, servidora pública aposentada, ex-auditora da Receita Federal do Brasil.