PRÉ-LEITURA DO LIVRO “LER E ESCREVER”, DE V. S. NAIPAUL

O AUTOR

V. S. Naipaul (1934- 2018) nasceu em Trinidad-Tobago, de família imigrante da Índia (ambos colônias britânicas). Prêmio Nobel de Literatura em 2001.

A PUBLICAÇÃO

O livro “Ler e Escrever”, de V. S. Naipaul, com 76 páginas, foi tornado público em 2001, reeditado inúmeras vezes após 2020.

CIRCUNSTÂNCIAS

O livro nasce de uma encomenda a Naipaul de um texto sobre sua relação com a literatura, feita por uma fundação britânica. Naipaul fez seus estudos desde jovem em escolas e universidades na Inglaterra. Quando, pouco depois, ganha da Academia Sueca o Prêmio Nobel, ele usa o ensaio no discurso de agradecimento. Ele escreveu três dezenas de livros.

A IMPORTÂNCIA DO LIVRO

Qualquer texto de um premiado Nobel é relevante. Este “Ler e Escrever” tem inúmeras atrativos. O autor usa como pano de fundo a relação colonial da Inglaterra com a Índia e adverte o leitor que a história da terra de seus pais, avós e ancestrais foi ora esquecida, ora apagada, e o leitor percebe na narrativa tudo que isto representa, seja na vida de uma pessoa, seja na vida de toda um povo. O leitor pode perceber nas linhas e entrelinhas um questionamento do tipo: um país faz uma literatura ou é o contrário, a literatura constrói um país?

O LIVRO

O livro está estruturado em três partes, que são (1) ler e escrever, (2) o escritor e a Índia e (3) dois mundos. É possível de ser lido em menos de duas horas. Naipaul abre o livro dizendo que desde a infância desejou ser escritor. E conta sua trajetória até lá como leitor, desde sua relação com seu pai, com a escola, com o cinema e com a história da Índia no contexto de sua relação com o Império Britânico.

A escrita de Naipaul é difícil de adjetivar. Alguma coisa entre envolvente e encantadora.

CURTAS

“… eu queria ser escritor. Mas, junto com o desejo, viera a compreensão de que a literatura que havia causado esse desejo era de outro mundo, muito distante do meu.

“… não demorou para eu saber que havia um mundo mais amplo lá fora, do qual o nosso mundo colonial era uma mera sombra.

“… eu não conseguia entrar por conta própria nos livros em si. não tinha a chave imaginativa.

“… o conhecimento social que eu tinha — uma ideia mal lembrada na Índia e o mundo colonial miscigenado visto pelo lado de fora — não me ajudava com a literatura da metrópole. Estava a dois mundos de distância.

“… também me havia feito escritor e, portanto, era capaz de ver a escrita a partir do outro lado. Até então, eu havia lido cegamente, sem julgar, sem saber realmente como se devia avaliar uma história inventada.

“… eu não podia, de fato, chamar-me leitor. Nunca havia tido a capacidade de deixar-me levar por um livro; como meu pai, eu li apenas aos pedaços.

“… eu achava minha personalidade de escritor algo grotescamente fluido. Não sentia prazer em sentar à mesa e fingir escrever; eu me sentia constrangido e falso.

“… tudo de valor sobre mim está em meus livros.

BONS MOMENTOS

“Eu já começava a ter minha própria ideia do que era escrever. Era uma ideia particular, e uma ideia curiosamente nobre, sem relação com a escola e sem relação com a vida desordenada, e em vias de desintegração, de nossa extensa família hindu. Aquela ideia de escrita — que me levaria à ambição de ser escritor — tinha surgido das pequenas coisas que meu pai lia para mim de tempos em tempos.

“…Na escola, eu era o menino brilhante; na rua, onde seguimos nos isolando, sentia vergonha de nossa situação. Mesmo depois de passado esse período ruim, e de termos nos mudado, eu era corroído pela ansiedade. Das emoções que sentia, era essa a que conhecia desde sempre.

“… Às vezes, quando eu pensava sobre a ausência de escrita que havia dentro de mim, eu ficava nervoso; e então — era como uma crença na magia — eu dizia para mim mesmo que, quando chegasse a hora, essa ausência não estaria mais lá e os livros seriam escritos.

“… um romance era algo inventado; era essa quase sua definição. Ao mesmo tempo, esperava-se que ele fosse verdadeiro, que fosse extraído da vida; de modo que parte do objetivo de um romance vinha da ideia de rejeitar a ficção, ou de olhar através dela para enxergar uma realidade.

“… eles me mostraram os povos aborígenes, senhores do mar e do rio, ocupados com seus próprios afazeres, donos de todos as capacidades de que precisaram em séculos passados, mas impotentes diante dos recém-chegados, e reduzidos, pelos 200 anos seguintes, à insignificância, ao alcoolismo, às reservas missionárias e à extinção.

“… o passado de nossa comunidade, para a maior parte de nós, terminava com nossos avós; nós não conseguíamos ver além disso. E a colônia de latifúndios, como dizia o bem humorado guia, era um lugar onde quase nada havia ocorrido. Assim, a ficção que alguém escrevia sobre suas próprias circunstâncias imediatas pairava no vácuo, sem um contexto, sem o autoconhecimento mais amplo que sempre estava implícito no romance metropolitano.

“… a Índia era a mágoa maior. Era um país subjugado. Também era o lugar de cuja imensa pobreza nossos avós precisaram fugir no final do século XIX. As duas Índias eram separadas. A Índia política, do movimento pela liberdade, tinha seus grandes nomes. A outra Índia, mais pessoal, era praticamente oculta; desapareceu quando as memórias foram apagando-se. Sobre essa Índia,  não tínhamos como ler.

Osvaldo Euclides de Araújo

Osvaldo Euclides de Araújo tem graduação em Economia e mestrado em Administração, foi gestor de empresas e professor universitário. É escritor e coordenador geral do Segunda Opinião.