PRÉ-LEITURA DO LIVRO “…E POR FALARES E CANTARES…”, DE PEDRO GURJÃO

O AUTOR

Pedro Gurjão é Advogado, Pós-graduado em Gestão Pública, 2 vezes vencedor do Prêmio Nacional Ser Humano (ABRH). Foi colunista e debatedor no Programa de Debates (Jornal O Povo e Rádio AM do Povo).

A PUBLICAÇÃO

O livro “…e por cantares e falares…”, de autoria de Pedro Gurjão, foi publicado em 2024, pela Premius Editora, com 631 páginas. Prefácio de Osvaldo Euclides de Araújo e contracapa de João de Paula Monteiro Ferreira. Índice onomástico com 600 figuras. Incontáveis notas explicativas e bibliográficas.

CIRCUNSTÂNCIAS

Pedro Gurjão abre seu baú de memórias e lança tudo na rede social de maneira ordenada, uma por uma, todas as quartas-feiras, ao longo dos últimos anos. Seu texto é leve, mas substantivo, culto, porém acessível. As mini-crônicas, histórias curtas, anedotas e “causos” atraem seguidores qualificados e uma espécie de comunidade se forma, interagindo de forma especialmente civilizada. Partiu deles a sugestão de reunir os conteúdos em livro impresso tradicional, e virou cobrança. E assim se passaram dez anos de espera até o recente lançamento do livro em original e memorável noite de autógrafos.

A IMPORTÂNCIA DO LIVRO

A diversidade dos temas abordados (cinema, música, literatura, mitologia, comportamento humano, eventualmente juntos e misturados, pra ficar em poucos exemplos) se conecta com personagens conhecidos de todos (do passado e do presente, da cidade e do mundo) para compor roteiros e tramas encantadores, fáceis e agradáveis de ler, provocadores, criando um levíssimo clima de sarau sem fim, um evento cultural de natureza e dimensão única, um retrato singular da cidade, de suas personalidades e de seu melhor espírito.

“…e por falares e cantares” é leitura necessária para qualquer morador de Fortaleza ou pessoa que por ela tenha interesse ou afeto, uma nova e farta fonte de pesquisa para “conhecer” a cidade e, por essas e outras, nasce com a potência de um clássico. Leia com prazer.

O LIVRO

O livro se estrutura em 13 grandes divisões, que o autor chama de Séries, cada uma delas com um número de 3 até 14 títulos e textos. Ei-las: 1. Teu nome é mulher; 2. Anedotas e causos verídicos; 3. Fortaleza antiga; 4. Leotando; 5. Somos internacionais; 6. Papo-cabeça e altas filosofias; 7. Ideologia à parte e outras viagens; 8. Pegando de leve; 9. O discreto charme da burguesia; 10. Do fundo do coração; 11. É…é a tal da realidade fenomênica; 12. Mitologia greco-romana; 13. 50 Anos da Feira da Comunicação.

O autor resgata a tradição oral mais recente, com histórias verídicas, vividas por pessoas de carne-e-osso, ainda não captadas por outros pesquisadores, em livros ou outros registros impressos. Cheias de graça e de espirituosidade, essas anedotas e esses personagens reais encarnam a alma da cidade e entram para a crônica desse tempo (últimos 120 anos). Alguns nomes, de memória: Mário Gurjão (seu pai), João de Paula Monteiro Ferreira, Augusto Pontes, Mino Castelo Branco, Guto Benevides, Gustavo Silva Junior, Prof. Itamar Barreto Medeiros, Flávio César Holanda, Mariano Freitas, Heitor Costa Lima, Lúcio Brasileiro, Alfredo Sales (avô), Alfredo Gurjão (irmão), Ciro Saraiva…

Numa destas séries, Pedro Gurjão presta homenagem a um dos maiores intelectuais brasileiros, Millôr Fernandes, com quem manteve por décadas próxima amizade. E resgata a história de uma “feira de comunicação”, evento que “espantou” a cidade em 1972, por sua natureza (singular para a época), por seu porte e por seu conteúdo e atrações.

Noutra série, o tema é o “Memorial Afetivo de Fortaleza”, onde apresenta 48 listas com marcas, lembranças e as mais curiosas referências da cidade e da cultura. De fazer inveja a Umberto Eco (cujas admiradas listas não eram tão diversas e tão completas), as listas foram trabalho coletivo, interativo. E os co-autores e co-autoras também compõem uma preciosa lista.

E assim o leitor segue numa viagem única no túnel do tempo, frequentando gentes e ideias de todas as épocas, que Pedro conecta com textos de estilo exclusivo.

CURTAS

“…Somos aquilo que vivenciamos e memorizamos: os acontecimentos dos quais participamos, as histórias e as istórias que ouvimos e contamos, nossas conquistas, as coisas e as lembranças que ficaram em nossa trajetória pessoal, as impressões e percepções captadas por nossos sentidos…

“… Na época medieval, um cavalheiro poderia ter muitos amores mundanos, como Dante Alighieri (1265-1321) os teve. Mas, segundo o requinte  cortês, precisava ter um amor celestial. Dante também a teve – Beatriz. Mas ela nunca sequer lhe deu a mão, pois não o amava. 

“… Mulheres são salpicadas, mulheres são salpicantes, mulheres desembrulhadas, mulheres estonteantes, distraídas de banhistas, cenários impressionistas, pessoas impressionadas, estilos renascentistas, mulheres dão gargalhadas, ouvindo estórias picantes…

“Tudo o que existe é, antes de tudo, INFORMAÇÃO. Toda informação é ONDA. Mas, se alguém começa a observá-la, ela deixa de se comportar como tal e passa a se comportar como PARTÍCULA.

“Há uma grande confusão: frases idênticas ou distintas atribuídas aos mesmos e a diferentes autores; e autores distintos aos quais foram atribuídas as mesmas ou diferentes frases — todas porém, muito parecidas. Quem plagiou, coincidiu ou parodiou quem…?

“…os concursos de mentiras não tinham nenhuma conotação pejorativa, nem desmereciam os participantes. Ao contrário: por não ser ofensivo nem maldoso, o desfile das lambanças era uma iniciativa cultural assumida e animada por comerciantes de tradição, boêmios, artistas, personagens folclóricos e intelectuais da urbe.

BONS MOMENTOS

“Era aí pelo ano de 1940, #pedrogurjão sequer tinha nascido. Já não mais existia na Praça do Ferreira o famoso “Cajueiro da Mentira”, sede oficial dos famosos Concursos de Mentiras. Árvore derrubada em 1920, por ordem do então Prefeito. Mas, como numa espécie de “desobediência civil”, a brincadeira dos concursos continuava a se repetir nos dias primeiro de abril, em sucessivas edições anuais, ali mesmo nos bancos da praça, já sem a sombra do “Cajueiro Botador”. As legendas mentirosas eram cuidadosamente dobradas e entregues em caixas de fósforo, selecionadas pela Comissão Julgadora; e lidas ao vivo pelo próprio mentiroso, exposto a vaias ou aplausos dos curiosos. 

“..muito além daquela serra
que ainda azula no horizonte, 
nasceu a Índia Iracema, 
Virgem dos Lábios de Mel, 
filha das entranhas da terra,
do esguicho da pura fonte,
cobria-lhe um fino véu, 
só por testemunha o céu, 
uma mulher, um poema, 
depois Musa de Ipanema, 
do Leme, Copacabana, 
da Lagoa do Cauípe, 
banho de bica no Ipu, 
com menos de uma semana, 
já tava no Mucuripe, 
mergulhou no Acaraú…”

“Nirez Azevedo: — Pedro Gurjão, acho que, de todas as suas mensagens semanais, esta foi a de maior sucesso e que teve mais colaboradores. Pelo assunto (saudade, lembrancas), faz com que o leitor interaja e tambem mostre suas saudades, seus conhecimentos, enfim, creio que se voce continuar a colocar tudo o que lhe for sugerido…não terminará nunca. 
Pedro: — Isso mesmo, Nirez. Então, vamos lá!

“Diante da extrema dor, do intenso sofrimento humano, a reação das multidões é imprevisível, por vezes surpreendentemente paradoxal. Ao invés dos esperados sentimentos de compaixão (= sentir com), de comiseração, afloram contraditoriamente os mais baixos sentimentos de inveja, ódio, vingança, linchamento. Exemplo típico: cristãos sendo eviscerados e devorados a sangue frio por leões famintos no Coliseu, levando ao delírio os espectadores…

“… Em 1972, a Pietá, do mesmo Michelangelo, foi atacada a marteladas por um vândalo ensandecido, o geólogo australiano Lazlo Toth, que tinha problemas mentais, se lançou contra a escultura gritando “sou Jesus Cristo ressuscitado dentre os mortos”– e a martelou 15 vezes, destroçando-lhe o rosto, quebrando-lhe o braço esquerdo e danificando-lhe o cotovelo. Da famosa escultura desprenderam-se mais de 50 fragmentos. Comentando esse fascínio que as imagens exercem sobre os tresloucados, o médico psicanalista Cleto Brasileiro Pontes — um interlocutor da alma — diagnosticou: “Os psicopatas as roubam, os loucos as quebram e os neuróticas se aficcionam por seus detalhes”. A “loucura”, sabe-se, é uma linguagem inverossímil de que se utiliza a personagem fragilizada, como um mecanismo de defesa, para encarar a dureza da realidade…

“… Davi, Rei de Israel e da Casa de Judá, saiu do seu terraço e, da torre do palácio, viu uma mulher na fonte, ao ar-livre. Acabara de tomar banho e uma serva lhe enxugava os pés. Deslumbrado com sua beleza, embevecido como qualquer voyeur, inflamado de paixão, mandou seu mensageiro chamá-la com uma carta. Na pintura de Rembrandt Bathsheba está (des)coberta apenas por um fino véu. No braço direito, um bracelete. No pescoço, um cordão de ouro com pingente. Na orelha longo brinco de ouro. Nenhum erotismo. Semblante suave — porém tenso com o dilema: a quem devo (des)obedecer — ao Rei ou ao General marido?…

Osvaldo Euclides de Araújo

Osvaldo Euclides de Araújo tem graduação em Economia e mestrado em Administração, foi gestor de empresas e professor universitário. É escritor e coordenador geral do Segunda Opinião.