Pré-leitura do livro “Crítica da Razão Mestiça”, de Carlos Gildemar Pontes

O AUTOR

CARLOS GILDEMAR PONTES é Escritor. Professor de Literatura da Universidade Federal de Campina Grande – UFCG. Doutor e Mestre em Letras – UERN.

A PUBLICAÇÃO

O livro ‘Crítica da Razão Mestiça’, de autoria de Carlos Gildemar Pontes, foi lançado em 2021, com 181 páginas, Edições Acauã. Apresentação de Mona Lisa Bezerra Teixeira, doutora em Letras.

CiRCUNSTÂNCIAS

Carlos Gildemar Pontes faz uma leitura crítica da formação da “identidade nacional”. Considera necessário traçar uma desconstrução de conceitos sobre uma identidade “imposta, uma cultura impressa a ferro e fogo”, ao longo de séculos, fundamentalmente pelo europeu, branco e cristão. E escolhe conduzir-se pela literatura, um caminho único. Elege a carta de Pero Vaz de Caminha, a poesia de Gregorio de Matos e a obra prima de José de Alencar. E convoca ao bom debate os historiadores da literatura e sociólogos, entre outros estudiosos.

O livro tem como referência tese de doutorado em Letras do autor.

A IMPORTÂNCIA DO LIVRO

A identidade do brasileiro é tema de grandes nomes, como Gilberto Freire, Caio Prado Jr., Sérgio Buarque de Holanda, Roberto Damatta, Jessé de Sousa, autores de livros clássicos. Gildemar coloca-se nesse campo com originalidade e consistência.

O autor faz uma abordagem singular, assumindo a raiz mestiça da identidade nacional já partir do título do livro. E mostra a formação importada, forçada e conveniente ao estrangeiro.

A linguagem acessível e a clareza das ideias não elimina o fato de que o livro segue as regras do rigor científico, com um expressivo suporte teórico. E nem por isso poupa da crítica os intelectuais e seu comportamento ao longo da história.

O LIVRO

O livro está estruturado em cinco capítulos breves, tratando assunto complexo com um texto amigável.

Os três capítulos centrais são dedicados a Pero Vaz Caminha e sua carta enviada a Lisboa quando da ‘descoberta’ do Brasil ( ano de 1500), a Gregorio de Matos (1636-1696) fazendo versos rebeldes a partir da Bahia e José de Alencar, em função de Iracema, o livro (lançado em 1865) que propõe um mito fundador.

O autor apresenta informações e faz análises, apoiado solidamente em fontes qualificadas, sem cansar o leitor com excessos nas citações e sem fugir de opinar claramente.

Ao final, o livro traz onze páginas de referências bibliográficas.

CURTAS

“No nosso entendimento, a Identidade Nacional é uma construção obstaculizada pela ordem institucional e pelo pensamento subalterno que tomou conta da maioria dos nossos intelectuais.

“Sonhamos a imagem reflexa de brancos e fomos assimilados e dominados pela ideia de sermos brancos.

“A literatura é a abertura possível para o exercício de uma crítica cultural sem formas prontas, sem modelos predeterminados…

“Como entendemos, no discurso aristotélico, a poesia (literatura) encerra mais filosofia e verdade que a história.

“Eu sou brasileiro, imperfeito e contraditório, no caminho da escola para aprender quem sou.

“Como crer na história oficial do Brasil no século XVII sem a leitura dos poemas de Gregorio de Matos?

“(José de) Alencar teve a coragem de romper os moldes dentro do modelo. Sofreu perseguições e calúnias. Fez escola e criou obras primas.

BONS MOMENTOS

“O romance de José de Alencar propõe uma leitura do Brasil, a partir da diferenciação e do amálgama entre a cultura nativa e a do colonizador. A noção de identidade cultural para o Brasil teve, no período romântico, e com alguns escritores marcadamente nacionalistas, o ponto alto da formação de uma consciência nacional capaz de produzir uma literatura voltada para as nossas raizes. Embora as matrizes culturais do ocidente ditassem todas as normas e procedimentos para a produção cultural das colônias, os escritores brasileiros daquele período ostentavam uma cultura europeia e um sentimento nativista, que começou a se sobrepor aos modos europeus e ganhou, com a representação desse sentimento uma face brasileira híbrida, estabelecendo diferenças que caracterizavam uma nova cultura nos trópicos — a cultura brasileira.

“A visão sobre os corpos, nas descrições de detalhes, a percepção das diferenças e a certeza de uma superioridade branca sobre os índios levaram Caminha a elaborar ‘um mapa da alma indígena’ com base nos seus atos e costumes. Caminha passou a exercer, com a sua ‘autoridade branca’, a condução dos desejos e possibilidades da utilização da força para dominá-los com mais facilidade. A descoberta do mapa da alma indígena foi mais importante que a descoberta das terras, pois pela dominação dos índios se chegaria à dominação das terras e, consequentemente, dos seus bens.

“Parece que a teoria que nos apresenta ao mundo é a roupa curta que vestimos para ir ao baile de máscaras onde o nosso rosto fica do lado de fora e a nossa verdadeira face não existe. Somos a cópia do que não sabemos ser. E isso se reflete nos costumes, nos modismos e nas incapacidades e retardamento de atitudes frente ao mundo. Qualquer teórico nos alicia.

“O colonialismo de 500 anos deste país, subtraindo do povo o conhecimento, a educação, a ciência, a cidadania, produziram o sub-cidadão que aprende a ler e não lê, que recebe instrução de solidariedade e fura fila, adquire uma bíblia, mas não sabe interpretar a palavra de seus pastores, porque antes não leu um livro de literatura, uma parábola filosófica, uma questão sociológica numa crônica jornalística.

“Como crer na história oficial do Brasil sem a leitura dos poemas de Gregorio de Matos? E vê-se que Gregorio de Matos descortinou, de forma sarcástica, o legado de poder da corte sobre a colônia. Sua atuação como cronista de um tempo, sem Estado nacional e sem revoltas, chamou atenção pela dissonância com as regras do jogo colonial, da estética em vigência.

“Cada um que possuísse escravos e pudesse construir a sua riqueza não se importava com os demais. Eis a base da colonização, do autoritarismo e do racismo entre nós. Tudo isso atrelado a uma face obscurantista de um cristianismo católico voltado para um projeto de expansão da fé pela imposição da espada e da perseguição às diferenças. Ao índio restava a conversão. Ao colono, o trabalho em função do enriquecimento de uma elite subserviente e uma nobreza sem desejo de permanência no lugar.

Osvaldo Euclides de Araújo

Osvaldo Euclides de Araújo tem graduação em Economia e mestrado em Administração, foi gestor de empresas e professor universitário. É escritor e coordenador geral do Segunda Opinião.