O AUTOR
Uribam Xavier é graduado em Filosofia e mestre e doutor em Sociologia, escritor e professor da Universidade Federal do Ceará, além de ativista decolonial.
A PUBLICAÇÃO
O livro Crise Civilizacional e Pensamento Decolonial – puxando conversa em tempos de pandemia, de autoria de Uribam Xavier, foi lançado em 2021, pela editora Dialética, com 114 páginas.
CIRCUNSTÂNCIAS
A teoria decolonial diagnostica uma crise civilizacional e diz que fracassaram o capitalismo e o socialismo, que não cumpriram suas promessas de libertação e emancipação dos povos. Ao contrário trouxeram o mundo a uma encruzilhada sem precedentes e que conduz ao enfraquecimento das democracias e ao abismo da catástrofe climática, mesmo tendo a oportunidade de hegemonia nos últimos quinhentos anos. O ponto de inflexão poderia ser o rompimento com o eurocentrismo e um caminho seria considerar os mais diversos mundos alternativos. A proposta do livro é puxar uma conversa sobre essa corrente de pensamento.
A IMPORTÂNCIA DO LIVRO
É forte a ideia de que os sistemas dominantes (capitalismo e socialismo) fracassaram ao não levar a população à emancipação. Da mesma maneira, é nítido que o neoliberalismo e o discurso frágil da globalização estão acelerando a caminhada em direção a um impasse, que o autor chama de crise civilizacional, para argumentar em favor da teoria decolonial. O livro cumpre a missão a que se propõe, que é estimular e abrir uma boa conversa nestes tempos de pandemia.
O LIVRO
Uribam Xavier estrutura o livro dividindo o texto em onze capítulos breves. Em nove deles, expõe a perspectiva da teoria decolonial, em termos de diagnóstico a partir da história (a partir de 1492) e das circunstâncias atuais (globalização, neoliberalismo, enfraquecimento das democracias etc). Depois da visão mundial, o livro chega ao Brasil e dedica ao país os dois últimos capítulos, com uma leitura crítica da realidade corrente.
O autor usa uma linguagem direta e didática, tornando a leitura leve e acessível mesmo a leitores não iniciados no assunto.
INSIGHTS
“A decolonialidade do poder, qualquer que seja o seu âmbito de referência, implica o rompimento com toda perspectiva eurocêntrica de conhecimento, ou seja, o rompimento com a colonialidade do ser, do saber e do poder da modernidade.
“A chamada quarta revolução industrial (Klaus Schuamb), em curso, desde o fim do século XX, é uma estratégia consciente que tem como objetivo tornar o processo produtivo livre do uso de mão de obra e de construir uma sociedade pós-humana.
“Tratar a terra, a natureza e o homem como coisas, como mercadorias, como propriedades voltadas para o acúmulo de riqueza é a condição própria de existência do sistema-mundo capitalista colonial-moderno.
“Para acumular riqueza, o capital recorre ao controle do Estado, à privatização da política e práticas de fraudulências.
“A fase neoliberal, que foi a resposta do mercado à crise estrutural do capital, está em xeque. O neoliberalismo, que elevou o capitalismo à condição de barbárie, chegou ao fim em escala planetária.
“O pensamento decolonial aponta um caminho político, epistêmico, transmoderno e pluriversal…trata-se de construir um mundo plural, no qual muitos mundos sejam possíveis.
“…cada cultura, cada nação, é um universo concreto. Assim, o pluriversal é a coexistência da pluralidade de universais concretos.
IDEIAS CENTRAIS
“A primeira crise do processo civilizador ocidental moderno foi a crise da razão moderna e do sistema-mundo moderno-colonial, o qual teve início em 1492 com a invasão e conquista da América pelos europeus. Trata-se de uma crise de um padrão civilizatório porque implica a crise de um ethos cultural, ou seja, um modo de ser e de estar no mundo (ontologia), e um padrão de conhecimento (epistemologia) e de subjetividade (visão de mundo), chamado de eurocentrismo, cuja característica mais geral é a imposição do que é particular (localizado e provinciano) como forma de valor e de verdade universais, que inviabiliza, subalterniza, hierarquiza e coloniza as outras formas de ser e estar no mundo.
“As revoluções da modernidade – a Revolução Burguesa, a Revolução Industrial, a Revolução Francesa, a Revolução Americana, a Revolução Mexicana, a Revolução Russa, a Revolução Chinesa, a Revolução Cubana, a Revolução Nicaraguense, a Revolução Cultural, a Revolução Sexual, a Revolução Urbana, a Revolução Tecnológica etc – são revoluções sem emancipação. A libertação, o giro decolonial, é um horizonte civilizatório outro, transmoderno e pluriversal.
“O padrão civilizador moderno, com suas promessas emancipatórias, econômicas, sociais, culturais e políticas (capitalismo e socialismo), entrou em crise profunda. Para alguns, o sistema se encontra numa crise terminal porque a sua base material de reproducão, orientada pelo uso intensivo de ciência e tecnologia (conhecimento), é insustentável do ponto de vista ecológico. Após cinco séculos de existência, esse processo não conseguiu realizar a sua promessa emancipatória, mas levou várias formas de vida do planeta à extinção, promoveu, de maneira irrecuperável, a poluição e a deterioração do meio ambiente, colocou a maioria da população em situação de pobreza e miséria…
“Padrões civilizatórios diferentes do eurocentrismo moderno coexistem por meio de outras nacionalidades, como a andina (pachamama), na América Latina, e a africana (ubuntu), são civilizações holísticas nas quais não se separa a existência humana das outras formas de vida, que entendem que todas as formas de vida têm o mesmo valor, e que a finalidade de todo conhecimento e da economia, enquanto forma específica de saber, não é acumular riqueza, mas fazer a manutenção da existência humana em harmonia com a natureza.
“Com o fim da Guerra Fria, a intensificação do processo de globalização passou a promover a erosão do poder do Estado-Nação, fazendo com que os países, principalmente os periféricos, tenham perdido a sua esperança de definir os rumos do seu processo de desenvolvimento, ou seja, o processo de globalização coloca os países diante da impossibilidade de serem agentes da regulação e da emancipação.
“…Mesmo precarizada, a democracia formal ainda pode ser sacrificada em função do mercado, que, com o neoliberalismo, virou um ser absoluto, um deus para o qual não deve haver alternativa. Logo, podemos comprovar que a economia de mercado destrói democracias, patrocina guerras, ditaduras e derruba governos, e faz tudo isso não em seu nome, mas em nome da “democracia“. Portanto, o mercado é ideológico, no significado mais safado e rasteiro de ideologia, que é o de falseamento da realidade.
“O que Marx fez foi uma crítica eurocêntrica ao eurocentrismo, e não um rompimento. A crítica a Marx e ao marxismo na teoria decolonial não é uma rejeição a Marx e nem ao marxismo. Não significa dizer que Marx é um cachorro morto, significa não tratá-lo como sagrado. Marx continua sendo um pensador fecundo para entender e questionar os fundamentos da economia política moderna, mas não é o único.
Edição de imagens: Heliana Querino