Pré-leitura do livro ´Contos & Crônicas´, de FRANCISCO LUCIANO GONÇALVES MOREIRA (XYKOLU) – por Osvaldo Euclides

O AUTOR

Francisco Luciano Gonçalves Moreira (Xykolu) é cearense de Baturité, nascido em 1952. Formou-se em Letras, exerceu o magistério e teve uma carreira como servidor público federal (Banco Central do Brasil). Escreveu nove livros de crônicas e contos.

A PUBLICAÇÃO

O livro ´Contos & Crônicas´, de autoria de Francisco Luciano Gonçalves Moreira (Xykolu), foi publicado em março de 2019 (edição independente), com 247 páginas.

CIRCUNSTÂNCIAS

Francisco Luciano Gonçalves Moreira (Xykolu) trabalha com as palavras para dar vida a histórias que imagina e a fatos que não merecem ficar esquecidos no passado. Escreve com estilo elegante, seu texto flui com suavidade, invariavelmente rico em detalhes. Narra os eventos com leveza, mas tem a pegada forte para atrair e manter a atenção na trama, que sempre se coloca entre o minuciosamente simples e o delicadamente surpreendente.

A IMPORTÂNCIA DO LIVRO

Xykolu é um trabalhador da literatura, caso típico de uma vocação plena. Diagrama, desenha, escreve e edita de forma artesanal cada palavra, cada linha e cada página de seus livros, e os faz chegar a pessoas que ele mesmo seleciona. Não esconde sua obra, mas pouco a divulga. É mais um dos escritores que o mercado profissional editorial ainda não alcançou – e o próprio autor não o busca. Segue seu caminho e acumula admiradores, semeando textos de alta qualidade, como se tivesse inevitavelmente de dar vazão a uma pulsão criativa, como se cumprisse um mandato.

O LIVRO

Entre contos e crônicas, Xykolu oferece ao leitor quarenta textos selecionados entre publicações anteriores, em livros impressos ou postados nas redes sociais. Em todos eles sobressai a observação atenta do comportamento humano, a descrição detalhada dos gestos que expõem a alma do personagem, com todas as sutilezas que a arte de juntar palavras permite. Destaca-se em vários momentos da obra a personalidade das mulheres contrastando um mundo que se apresenta a elas ora indiferente, ora abertamente hostil, incapaz de compreendê-las.

CURTAS

“Caprichosamente, o primaveril Zéfiro levanta a barra mais ao sul do voluptuoso horizonte e revela a exuberância de uma negra floresta. E, no realce, o encantamento do vale virgem em cuja fenda se esconde a tão desejada gruta dos indescritíveis prazeres.”

“E sobre nós chovia. Uma chuva fina, persistente e fria, que não causava os estragos de um aguaceiro, de um toró, mas impunha ao sol um recolhimento de dar dó…”

“ – Puta que o pariu! – a sofrida Vaninha não se conteve. – Que diabo eu fiz de tão errado para pagar tão caro! Mil perdões, meu Deus! Mas aqui se esgota a minha paciência.”

“E uma voz femínea, serena, tranquila, calma, que exalava o excitante aroma vindo d´alma, convida-me, estimula-me, instiga-me, anima-me: Vem! Sou toda tua! Possui-me!”

“De repente, a surpresa de um insistente olhar, mais parecendo um facho de luz que emana de um farol, lá no alto, a indicar-lhe um porto seguro naquele buliçoso mar de gente alegre.”

“Como um autômato, a moça desaparece por entre os umbrais da porta. Ele, numa curta distância de poucas passadas, também invade o ambiente em que ela entrara: um quarto de hotel cinco estrelas.”

BONS MOMENTOS

‘’Recolheu o tabuleiro. Na escuridão, os restos da lamparina se perderam. Caminhou cabisbaixa até a calçada da estação. Sentou-se no meio-fio. E chorou. Em profusão. Quis morrer, dar um final a uma vida inglória. O trem partiu. Todos se foram. Só ela permaneceu ali. Por desespero ou por cansaço, os braços cruzados sobre os joelhos, a cabeça neles apoiada, adormeceu. E no sono em tamanho desconforto, sonhou. Uma alameda se abriu à sua frente. Por ela caminhou, sentindo os pés descalços pisarem em pétalas de flor. Adiante, um caramanchão. Para. Um raio de forte luz quase a cega. No meio do clarão surge uma criança. De uma beleza indescritível. Extasiada, ouve-a maviosamente dizer-lhe …”

“Domingo de carnaval. Os ponteiros dos relógios analógicos avançam, com a mesma regularidade rítmica, para a posição de maior abertura, de maior distância entre eles – o maior apontando para cima e o menor para baixo. Na suíte do luxuoso e luxurioso motel, a jovem mulher vai se livrando dos efeitos do álcool – o rio caudaloso da tensão extrema agora deságua num mar de calmaria – e, conseguintemente, percebendo que o “facho” esfriara, já se convencendo de que, se não fora daquela vez, o desvirginamento só aconteceria se não mais em tão descabida aventura.”

“Que eu simplesmente me em(br)uteço com essa onda de horror que movimentos ditos populares agora ensaiam, com a fúria vermelha do ódio nos olhos inflamados, com expressões – verbais e gestuais – de estímulo ao confronto inconsequente. Enquanto na alma ferve o desejo insano de depredar e de fazer tábula rasa de consagradas regras de comportamento (nota do autor – (br) = p.).”

“Eu, no extremo da minha simplicidade – ou da singeleza da minha natureza romântico-poética -, procuro conduzir a minha nau por mares bastante navegados – onde o risco é aparentemente menor -, sempre sonhando com o equilíbrio entre a “alma profunda” e a “alma atenta”. Quanto ao mentir, quem de nós tem alguma pedra a atirar?”

“De repente, ouvi um gemido lancinante, a que se seguiram mugidos pavorosos e, por fim, um urro terrível, um berro infernal. Senti o chão tremer sob os meus pés. Um frio penetrante invadiu-me o corpo, atingiu minhas entranhas. Antes que o pavor tomasse conta de mim, adquiri coragem suficiente para ver o que tinha acontecido. E o que vi? Um homem completamente despido, deitado de costas sobre o assoalho do quarto, o braço direito distendido, o esquerdo dobrado sobre o peito, ambas as mãos crispadas, a boca ligeiramente aberta, o olhar lânguido e cheio de torpor, o rosto num esgar de dor extrema.”

“A porta se abre. Ele desperta assustado. É a arrumadeira, sorridente em seu bem passado conjuntinho de blusa branca e saia azul, quem lhe deseja um bom dia e pede desculpas pelo incômodo. Ora, não há de quê. De repente, descobrem-se. Atração. Anatomia. Movimentos. E o que então se dá ali não cabe em simples palavras. Imaginem. Presumam. Inventem. Infiram. Criem.”

“- Cumpade, ind´agora eu vi um negoço esquisito!

– Compadre, era um caminhão…

– Tava caminhano não, cumpade. Tava era correno.

– Então, compadre, era um automóvel…

– Era oito ou nove não, cumpade. Era só um.”

Osvaldo Euclides de Araújo

Osvaldo Euclides de Araújo tem graduação em Economia e mestrado em Administração, foi gestor de empresas e professor universitário. É escritor e coordenador geral do Segunda Opinião.

Mais do autor

Osvaldo Euclides de Araújo

Osvaldo Euclides de Araújo tem graduação em Economia e mestrado em Administração, foi gestor de empresas e professor universitário. É escritor e coordenador geral do Segunda Opinião.

2 comentários

  1. Francisco Luciano Gonçalves Moreira

    Professor Osvaldo, só uma palavra se me oferece neste momento: OBRIGADO!!! E isso revela uma inquestionável verdade: a sua sensibilidade e a sua generosidade superam – e muito! – qualquer expectativa.