Pré-leitura do livro BRASIL: Uma Biografia, de LILIA SCHWARCZ e HELOISA STARLING – por Osvaldo Euclides

AS AUTORAS

Lilia Moritz Schwarcz (1957) é professora titular do Departamento de Antropologia da Universidade de São Paulo (USP), pesquisadora do CNPq e global schoolar da Universidade de Princeton. É autora de O Espetáculo das Raças (1993) e As Barbas do Imperador (1998), Sobre o Autoritarismo Brasileiro (2019) e outros livros.

Heloisa Margel Starling (1956) é professora titular do Departamento de História da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) e autora do Os Senhores das Gerais (1986), Lembranças do Brasil (1999) e Uma Pátria para Todos (2009).

A PUBLICAÇÃO

O livro BRASIL: UMA BIOGRAFIA, de autoria de Lilia M. Schwarcz e Heloisa M. Starling, foi lançado em 2015 pela editora Companhia das Letras, com 709 páginas, sendo 96 delas com ilustrações e fotografias legendadas., 36 páginas de referências bibliográficas, 50 páginas de índice remissivo. A segunda edição (do ano de 2017) traz um “pós-escrito das autoras com 13 páginas.

CIRCUNSTÂNCIAS

As duas autoras são historiadoras e pesquisadoras experientes, com atuação acadêmica em duas grandes universidades. Ambas têm experiência como autoras de livros na área, como se vê acima, e reuniam, pois, as pré-condições para produzir (especialmente juntas) uma peça ampla, densa e original na forma e no conteúdo. Talvez daí decorra o uso da palavra “biografia” no título do livro, que não frustra o leitor, entrega o que promete.

A IMPORTÂNCIA DO LIVRO

O Brasil semre ficou devendo aos brasileiros a sua verdadeira história. Por mil razões, os historiadores optaram por fracionar seus estudos, por fugir das enormes contradições e por quase sempre enviesar em excesso suas análises ou deixar rasas as suas visões críticas. Esta BIOGRAFIA dá um passo largo e decisivo no caminho para que esta dívida seja quitada, se é que um dia ela poderá ser (afinal, cabe perguntar se há uma “verdadeira história”).

O LIVRO

O livro está estruturado em dezoito capítulos, ou dezoito blocos de textos cobrindo uma bem selecionada pauta de períodos, eventos centrais, personagens, instituições e circunstâncias históricas, entre as mais relaventes e decisivas. Todos eles estão numa ordem cronológica, mas sem a perda do foco no que realmente importa — os fatos, as ideias e as personalidades que produzem impacto e desdobramentos – , e apresentados de uma forma inteligente e honesta, com um grau de riqueza de detalhes mais que adequado.

O contexto bem fundamentado e a análise rigorosa das autoras caracterizam um texto que conduzem o leitor à perfeita compreensão do biografado, independente do nível de initimidade e conhecimento prévio sobre a história, sem didatismo excessivo. O livro está mais para um romance realista. E mostra com luminosa clareza as contradições do país, a violência que contra ele se pratica nos andares de cima.

INSIGHTS

“…mas nada se compara aos crimes cometidos pela ditadura contra as populações indígenas. O mais importante documento de denúncia sobre esses crimes – o Relatório Figueiredo – foi produzido pelo próprio Estado, em 1967, e ficou desaparecido por 44 anos… matanças de tribos inteiras, tortura e toda sorte de crueldades foram cometidas contra indígenas brasileiros por proprietários de terras e agentes do Estado…”

“A lei de censura prévia para livros e publicações foi instituida em 1970 e determinava que os editores enviassem originais para Brasília, antes da publicação…”

“Conforme anunciou assombrado a jornal Folha de S. Paulo, de 18 de junho de 2013: “Milhares vão às ruas contra tudo”.

“Em 2 semanas o Brasil que havia dado certo – que derrubou a inflação, incluiu os excluidos, está acabando com a pobreza extrena e é um exemplo internacional – foi substituido por outro país em que o transporte, a educação e a saúde são um desastre e a classe política, uma vergonha, sem falar na corrrupção. Qual das duas versões está certa?” indagou o crítico literário Roberto Schwarcz. Não era só ele que estava perplexo.”

“…em janeiro de 1933, Getúlio Vargas criou, por decreto, na capital da República, sua polícia política. A Delegacia Especial de Segurança Pública e Social (Desp) atuava exclusivamente na repressão política, e cuidava de receber denúncias, investigar, deter e encarcerar qualquer pessoa cuja atividade fosse considerada suspeita – sem necessidade de comprovar prática efetiva de crime…”

“Três dias antes da eleição, a Rede Globo levou ao ar, no programa de maior audiência da televisão brasileira – o Jornal Nacional -, um compacto do último debate entre os candidatos. A versão havia sido manipulada e era favorável a Collor: cerca de 60 milhões de espectadores viram Lula inseguro e vacilante, e Collor, enfático e preciso”.

“No final do governo do general Geisel, o Brasil possuia um dos maiores e bem integrados complexos industriais entre os países periféricos, mas sofria o choque do aumento de preços o petróleo e de sua comprida fila de consequências: crescimento lento nas exportações, aceleração nas taxas de juros, aumento da dívida externa. A inflação seguiu ascendente, chegou a 211% ao ano em 1983…”

BONS MOMENTOS

“O rádio já era, na época, um fenômeno de massa: atendia à demanda de entretenimento de uma audiência crescente, estava consolidado como veículo publicitário e conseguia fazer brotar o sucesso. Em 1939, o DIP passou a difundir propaganda oficial por meio da transmissão radiofônica diária, em cadeia nacional, da Hora do Brasil; através desse programa, popularizou a voz de Vargas, com discursos curtos e simples que pareciam eliminar intermediários e falar diretamente ao ouvinte. Em 1942, a agência ampliou o foco, e tratou de associar a mensagem do governo a uma programação humorística e de musicais. Eficiente, ela invesstiu no formidável sucesso dos “programas de auditório”, idealizados para tornar a Rádio Nacional uma espécie de casa de teatro acessível à população pobre, e onde torcidas – os fã-clubes – assistiam aos cantores de sucesso.”

“…(1963) … O IPES reunia a nata do empresariado brasileiro, além de diretores de empresas multinacionais com atuação no país, dirigentes das principais associações de classe empresariais, militares, jornalistas, intelectuais e um grupo de jovens tecnocratas. Todos estavam envolvidos em atividades de produção intelectual que contemplavam desde a edição de livros e filmes até ciclos de palestras. Nos subterrâneos, porém, a história era outra, e o IPES agiu contra João Goulart com uma política de duas vertentes. A primeira consistia na preparação e execução de um bem orquestrado esforço de desestabilização do governo, que incluía custear uma campanha de propaganda anticomunista, bancar manifestações públicas antigovernistas e escorar, inclusive no âmbito financeiro, grupos e associações de oposição ou de extrema direita…”

“…Ao se converter em política de Estado, entre 1964 e 1978, a tortura elevou o torturador à condição de intocável e transbordou para a sociedade. Para a tortura funcionar, é preciso que existam juízes que reconheçam como legais e verossímeis processos absurdos, confissões renegadas, laudos periciais mentirosos. Também é preciso encontrar, em hospitais, gente disposta a fraudar autópsias e autos de corpo de delito e a receber presos marcados pela violência física. É preciso, ainda, descobrir empresários prontos a fornecer doações extraorçamentárias para que a máquina de repressão política funcione com maior eficácia. No Brasil, a prática da tortura política não foi fruto das ações acidentais de personalidades desequilibradas, e nessa constatação residem o escândalo e a dor.”

“…(1951)… o tema penetrou fundo na sensibilidade política da população e contribuiu para amadurecer entre os brasileiros o sentimento de soberania nacional. Como se desejasse reafirmar sua própria grandeza física, esse foi um dos poucos movimentos de massa da história do país a abrigar um largo espectro de opções ideológicas, reunindo militares, comunistas, socialistas católicos, trabalhistas e até udenistas, debaixo de uma só palavra de ordem , lançada pela União Nacional dos Estudantes (UNE): “O petróleo é nosso”.

“…e então, na noite de 30 de abril de 1981, algo deu errado e uma bomba explodiu antes da hora no colo do sargento paraquedista Guilherme Rosário, dentro de um automóvel Puma cinza-metálico conduzido pelo capitão de infantaria Wilson Machado, no estacionamento do pavilhão do Riocentro, no Rio de Janeiro. O sargento morreu; o capitão ficou ferido, teve sorte e sobreviveu. Ambos serviam no DOI do I Exército, o Puma levava outras três bombas e duas granadas e a dupla fazia parte de um combinado de quinze militares do DOI e do CIE, distribuídos em mais seis carros e encarregados de executar um atentado terrorista de grande envergadura. Se tivesso sucesso, o horror ia ganhar a forma do Riocentro. Naquela noite, o pavilhão abrigava uma plateia de 20 mil pessoas, reunidas num show de música pelo Dia do Trabalho com 30 dos maiores artistas brasileiros…”

“Num encontro em Brasília, quando Ernesto Geisel (presidente entre 1974 e 1979) lhe perguntou o que queria do seu governo, o presidente da OAB, Raimundo Faoro, um adovogado sem militância partidária, autor do clássico Os Donos do Poder, respondeu, sem papas na língua: “Quero muito pouco, sr. Presidente: apenas a restauração do habeas corpus, a extinção dos atos institucionais e o fim da tortura em desvãos do DOI-CODI”. E completou: “Quanto mais não seja, para que Vossa Excelência não entre na história como um ditador sanguinário”.

Osvaldo Euclides de Araújo

Osvaldo Euclides de Araújo tem graduação em Economia e mestrado em Administração, foi gestor de empresas e professor universitário. É escritor e coordenador geral do Segunda Opinião.

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Osvaldo Euclides de Araújo

Osvaldo Euclides de Araújo tem graduação em Economia e mestrado em Administração, foi gestor de empresas e professor universitário. É escritor e coordenador geral do Segunda Opinião.