PRÉ-LEITURA DO LIVRO “A VIAGEM DO ELEFANTE”, DE JOSÉ SARAMAGO


O AUTOR

José Saramago (1922-2010) foi um escritor português, conhecido por seu estilo único de narrativa e reflexões profundas sobre a condição humana. Recebeu o Prêmio Nobel de Literatura em 1998, sendo o único escritor de língua portuguesa a conquistar a premiação. Entre suas obras mais famosas estão Ensaio sobre a CegueiraO Evangelho Segundo Jesus Cristo e Memorial do Convento. Seu estilo é marcado por frases longas, pouca pontuação convencional e diálogos embutidos na narrativa, o que exige um leitor atento. Suas histórias frequentemente abordam temas como ética, religião e política, com uma visão crítica e inovadora.

 A PUBLICAÇÃO 

O livro “A Viagem do Elefante”, de autoria de José Saramago, foi lançado em 2008, pela Companhia das Letras, com 260 páginas. Posfácio de Alberto da Costa e Silva. 

CIRCUNSTÂNCIAS 

A ideia para o romance surgiu de um fato histórico. No século XVI, o rei D. João III de Portugal presenteou o arquiduque Maximiliano da Áustria com um elefante chamado Salomão, que fez uma longa e inusitada viagem de Lisboa até Viena. Saramago utilizou este evento para construir uma narrativa rica em conexões com a realidade atual, refletindo sobre o absurdo e a grandeza das pequenas coisas da vida. .

A IMPORTÂNCIA DO LIVRO

A Viagem do Elefante, de José Saramago, transforma um evento histórico trivial em uma narrativa reflexiva e universal. O livro transcende seu contexto específico para abordar questões como o absurdo do poder, a insignificância do ser humano diante da história ou a luta constante pela sobrevivência e significado.

Ao explorar o impacto do simbolismo de um elefante – uma figura tão imensa quanto exótica– em uma Europa marcada por hierarquias e formalismos, Saramago questiona a validade das convenções sociais e políticas. E faz refletir sobre como pequenos gestos, atos de vaidade ou decisões políticas podem trazer consequências desproporcionais e revelar muito sobre a humanidade e suas contradições.

Além disso, o livro reforça a relevância do papel da literatura em resgatar histórias esquecidas ou marginalizadas e dar-lhes um novo significado. A jornada de Salomão abre espaço para discutir tensões entre culturas, resistência ao desconhecido e capacidade humana de resiliência, temas universais e atemporais.

Do ponto de vista literário, A Viagem do Elefante exemplifica o estilo inconfundível de Saramago e sua habilidade de aliar humor, ironia e crítica social, consolidando-se como uma obra que, mesmo ambientada no passado, dialoga com o presente. É um lembrete de que a literatura tem o poder de ressignificar o ordinário e de nos conectar com nossa própria condição humana, por mais absurda que pareça. 

O LIVRO

“Sempre acabamos por chegar aonde nos esperam.” É com essa frase que José Saramago dá início a uma das mais singulares obras de sua vasta produção literária, A Viagem do Elefante

O protagonista improvável é Solimão, o elefante, renomeado Salomão por seus novos donos, ao lado de Subhro, seu tratador indiano, fio condutor da narrativa. Enquanto os homens ao seu redor discutem interesses políticos, religiosos e logísticos, o elefante segue sua marcha, indiferente à pompa que o cerca.

Subhro, com sua astúcia, é um contraponto à solenidade das figuras de poder. Ele representa a voz crítica, por vezes humorada, que observa e comenta as absurdidades da jornada. Saramago, como de costume, utiliza seu estilo inconfundível — parágrafos longos, diálogos integrados ao texto e um narrador que se insinua na história — para guiar o leitor. 

A Viagem do Elefante é uma alegoria sobre o absurdo da existência. A jornada de Salomão expõe a vaidade dos poderosos, a fragilidade das grandes decisões humanas e a resistência tranquila dos que não têm escolha senão seguir adiante. Saramago, com seu tom irônico, mostra como gestos grandiosos são frequentemente movidos por futilidades.

A obra também dialoga com temas universais, como a compaixão e a indiferença diante do destino. Solimão, o elefante, torna-se uma metáfora do ser humano: carregamos o peso da vida, seguimos caminhos que não escolhemos e enfrentamos as adversidades com a paciência de quem não tem alternativa.

A linguagem de Saramago, marcada pela oralidade e pelas digressões filosóficas, exige do leitor uma entrega. Essa imersão é recompensada pela profundidade das reflexões e pela singularidade da narrativa. O humor sutil do autor permeia toda a obra, tornando-a leve mesmo em seus momentos mais densos.

“A Viagem do Elefante” não é apenas uma história sobre um elefante em movimento; é uma viagem pelo espírito humano, guiada pelo olhar crítico e generoso de Saramago. A leitura deixa no leitor uma sensação de melancolia e maravilhamento, como se a viagem de Salomão fosse também a nossa, uma travessia cheia de absurdos, surpresas e pequenas epifanias.

Ao final, o romance nos lembra que, por mais complexa que seja a jornada, o que realmente importa é a maneira como a enfrentamos — com coragem, humor e, por que não, um toque de ternura.

A Viagem do Elefante é um romance que encanta pela simplicidade aparente de sua trama. Salomão, silencioso e imponente, torna-se uma metáfora poderosa para a resistência e o absurdo da existência humana. Ao fechar o livro, o leitor se pergunta: quem realmente viajou? O elefante, o tratador, os personagens ou nós, guiados pela genialidade de Saramago?

CURTAS 

“… E para que quero eu aqui o elefante, perguntou  o rei já algo abespinhado, Para o presente, senhor, para o presente de casamento, respondeu a rainha…

“… Desta vez, juntou-se muita gente nas ruas, e, se o arquiduque foi aplaudido por ser quem era, o elefante, pelo mesmo motivo, não foi menos.

“… Somos, cada vez mais, os defeitos que temos, não as qualidades.

“… Não era homem para permitir que se lhe desmandasse o coração em público, mesmo quando, como agora, lágrimas invisíveis lhe deslizam pela cara abaixo.

“… dói-me o mundo… Não me conformo com o que os homens fazem aos homens.

“… enlaçou com a tromba o corpo da menina como se a abraçasse e levantou-a ao ar como uma nova bandeira, a de uma vida salva no último instante, quando já se perdia. 

BONS MOMENTOS 

“… Um elefante, aquilo é que é o tal elefante, murmurava, não tem menos de quatro côvados de altura, e a tromba, e os dentes, e as patas, que grossos são as patas. Quando a caravana se pôs em marcha, seguiu-a até a estrada. Despediu-se do comandante, a quem desejou boa viagem e melhor regresso, e ficou a olhá-los enquanto se afastavam. Fazia grandes gestos de adeus. Não é todos os dias que aparece nas nossas vidas um elefante.

“… O elefante, obedecendo a um ligeiro toque na orelha direita, dobrou os joelhos, não um, com o que já se daria por satisfeito o padre que viera com o requerimento, mas ambos, assim se envergando a majestade de deus do céu e dos seus representantes na Terra. Solimão recebeu em troca uma generosa aspersão de água benta…

“… Os lobos aparecem no dia seguinte. Tanto deles temos falado aqui que, por fim, decidiram mostrar-se. Não parecem vir com ânimo de guerra, talvez porque o resultado da caçada, durante as últimas horas da noite, tenha bastado para confortar-lhes o estômago, além disso, uma coluna destas, de mais de 50 homens, com uma boa parte deles armados, impõe respeito e prudência, os lobos podem ser maus, mas estúpidos não são.

“… Os elefantes, tal como, por exemplo, os cavalos, defecam e urinam em movimento, o espetáculo iria ofender inevitavelmente a sensibilidade de suas altezas, antecipou o privado fazendo cara de mais profunda inquietação cívica, ao que o arquiduque respondeu que não se preocupasse com o assunto, sempre haveria gente na caravana para limpar o caminho cada vez que se produzissem tais deposições naturais.

“… Embora já esteja a ser notada por aqui certa fermentação de emoções na trabalhosa constituição de uma identidade nacional coerente e coesa, a saudade e os seus subprodutos ainda não foram integrados em portugal como filosofia habitual de vida, o que tem dado origem a não poucas dificuldades de comunicação na sociedade em geral, e também a não poucas perplexidades na relação de cada um consigo mesmo.

“… Uma nuvem grossa tapou a lua, e a aldeia tornou-se de súbito negra, sumiu-se como um sonho na obscuridade circundante. Não importava, o sol romperia à sua hora e mostraria o caminho para o estábulo, onde os bois, agora ruminando, tinham pressentimentos de mudança de vida.

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