O AUTOR
Timothy Radcliffe, nascido em 1945, em Londres, é frade dominicano desde 1965. Além de escritor bem sucedido, foi professor na Universidade de Oxford, progrediu na hierarquia de sua igreja e segue publicando e dando conferências sobre espiritualidade e como ativista de direitos humanos
A PUBLICAÇÃO
O livro “A arte de viver em Deus”, de autoria de Timothy Radcliffe, foi lançado em 2023, pela editora Paulinas, com 440 páginas.
CIRCUNSTÂNCIAS
O autor propõe que a vida pode ser plena se as pessoas estiverem abertas para viver com imaginação, aceitando a incerteza e enfrentando os desafios com criatividade. Ele justifica com a atitude dos apóstolos de Cristo, que atenderam a seu chamado para segui-lo, largando tudo e entregando-se ao incerto, num momento em que seu mundo era marcado pela miséria e pela violência. Seguiram para abrir um caminho novo, quem sabe.
A IMPORTÂNCIA DO LIVRO
O livro de Thimothy Radicliffe sugere que a fé não está necessariamente e simultaneamente no começo, no meio e no fim de todo o processo da vida consciente — o que a fé tem a dizer a um adolescente, por exemplo? E propõe que pode-se, fazendo escolhas racionais (aceitando riscos), buscar uma experiência de vida com qualidade, vibrante, cheia de aventuras. A fé se apresentará. Como se a fé conquistasse seu próprio espaço e sentido, como consequência natural, não como condição. Assim, não se trata de um livro religioso comum. É um passeio por ideias conduzido por um guia experiente, excepcionalmente culto e com raro talento para escrever.
O LIVRO
Pode-se entender o livro como um empreendimento que dialoga para mostrar o sentido da religiosidade cristã. A lógica é baseada na trajetória e no discurso de Jesus e na prática dos seus apóstolos, devidamente apoiada na boa filosofia, na melhor literatura e em outras áreas do saber. O texto também tem religião e cita a Bíblia, sem exageros. Esse tempero moderado dá à leitura um bom e leve sabor.
O autor organiza a busca (ou encontro natural) desse sentido amplo em quatro processos que ele batiza assim: imaginação, viagem, ensinamento e ressurreição.
Em função da alta qualidade do texto, a leitura flui, sobretudo nas duas primeiras partes. As duas últimas partes penetram mais na questão da fé. Em todo o percurso da obra o autor faz competente leitura do mundo como ele é.
INSIGHTS
“… Não é, pois, a ciência que mina a imaginação religiosa… o que sufoca a ‘eternidade no corarão humano´ é a ilusão de que toda a verdade é cientificamente verificável…
“… Não admira que as grandes orações da Igreja, durante os últimos quinze séculos,tenham sido poemas.
“…A ameaça mais profunda à nossa civilização é a ‘globalização da superficialidade’, consequência da trivialidade de grande parte da comunicação nas redes sociais.
“…para milhões de jovens, a linguagem da fé não tem significado algum. Está tão fora de moda como a máquina de escrever.
“…a certas galinhas se cortam as asas para produzirem mais carne. Esta é uma geração de galinhas sem asas; suponho que era isso que Nietzsche queria dizer ao afirmar que Deus morreu…
“…quando jovem, senti-me estimulado pela questão de saber se os ensinamentos do Cristianismo eram ou não verdadeiros. Mas a decisão de me aventurar a viver na Ordem foi tomada pela minha impressão de que os confrades pareciam estar sedutoramente vivos.
IDEIAS CENTRAIS
“… A imaginação é a porta pela qual escapamos dos limites de qualquer modo reducionista de ver a realidade… qualquer artista ou pessoa criativa, qualquer um com uma noção das questões fundamentais que os seres humanos enfrentam, podem ser artesãos de nossa fuga e aliados de nossa evasão.
“… De uma forma minúscula, tento neste livro juntar as ervas medicinais, os vislumbres que encontrei em todo tipo de lugares estranhos. É um exemplo muito pequenino, espero, do modo como na nossa tentativa de compreendermos quem somos e para onde vamos, somos devedores não só dos crentes, da nossa fé ou de outros credos, mas ainda de todos aqueles que têm olhos e ouvidos abertos e que ousam admirar-se, em ambos os sentidos da palavra.
“… Há um meio-dia na existência de todos os que têm uma vida muito longa, quando temos de aceitar que a nossa vida já não está aberta a possibilidades infinitas. Para mim, já não é realista ter e criar um filho ou aprender mandarim, pilotar um avião, correr uma maratona ou aprender a tocar violoncelo. Bem, talvez o violoncelo.
“… Se nos recusarmos a reconhecer quem somos e suprimirmos a consciência dos aspectos desagradáveis de nós mesmos, acabaremos por encontrar esses fragmentos em outras pessoas e odiá-las. Se enfrentarmos a verdade de quem somos, ouviremos o Senhor convidando essa pessoa, e não um eu qualquer inexistente e idealizado, a encaminhar-se para ele. Nesse “hoje”apreenderemos vislumbres do dia eterno…
“… Não, perdoar não é esquecer; não, os ensinamentos da Igreja não são ideologia e doutrinação. Eles libertam a mente e o coração. Não, o Cristianimso não rejeita o corpo, mas aprecia a sua santidade, e assim por diante. Em outros momentos, tentamos escapar da prisão de um quadro, deixando a mosca sair da garrafa, para nos servirmos aqui da imagem de Wittgenstein. Como nos furtaremos à sedução da violência ou ao fascinio do dinheiro…?
“… A liturgia diária das horas, como nos convida Stackhouse, ajuda-nos a viver bem cada dia, deixando para trás os fardos e as responsabilidades do passado e abrindo-nos ao dom do futuro, e a ser, assim, mais ou menos capazes de viver agora, nesse momento, atentos às pessoas diante de nós e ao que hoje nos é dado fazer. São poucos, entre nos, os que dispõem de tempo para viver a liturgia das horas e à sua renovação da nossa esperança. Mas há quem tenha outra poesia, outros cânticos, para nos oferecerem alimento, à medida que caminhamos e despertamos da sonolência da banalidade.