“The only way to protect the right to publish is to publish”
Vi “The Post”, de Steven Spielberg com Tom Hanks e Meryl Streep. Que filme. Forte, intenso, emocionante. Posso dizer que Spielberg me representa. O jornalismo dos tempos gutenberguianos dos anos 1970. O filme de Spielberg é valioso demais: resgata o ambiente de trabalho daquele período. Telex, teletipo, composição a quente, linotipo, matrizes totalmente analógicas. A minúcia da narrativa visual chega a mostrar o ponto de fusão do chumbo que alimentava as linotipos, um detalhe sutil, para iniciados… emocionante. Que zelo teve o diretor, mais uma vez, na construção da sua narrativa. As oficinas do Post, mostradas em detalhes valiosos, uma aula de produção gráfica da era tipográfica. Os rolos de telex na redação, telefones jurássicos, máquinas de escrever em profusão.
Uma aula de jornalismo em muitos planos. No plano da apuração, da produção, da decisão de publicar (ou não), a correlação de forças na redação, o papel do jurídico no processo de decisão, a preservação das fontes, os riscos e, principalmente, o compromisso com o princípio fundador do jornalismo liberal, a obrigação de publicar. Os conflitos de relacionamento — Katherine Graham. a publisher do Post era amiga de Robert McNamara, a quem chamava de Bob.
A cena onde visita Bob dizendo vai publicar os “papéis do Pentágono” é especialmente emocionante. Estabelece-se um diálogo duro, tenso e honesto de ambas as partes. Um deles refere-se a Nixon, o presidente, como um “filho da puta” que vai “ferrar” o Post.
Conheci pessoalmente três personagens da história: Phil Graham, Ben H. Bagdikian e Ben Bradlee. Phil Graham na própria redação do Post impecavelmente reproduzida como o foi também no filme de Alan Pakula.
O filme é uma grande homenagem a Katherine Graham mas também uma homenagem a Johannes Gutenberg e à linotipo. Também “cita” Pakula nos planos e fotografia, principalmente na cena final que remete a Watergate. Ben Bradlee foi o grande destaque em All the President’s Men, o filme antológico de Pakula. Agora é vez de Graham. Ela é a heroina de The Post e Bradlee é seu alter ego. Um não existiria sem o outro. Por traz de um grande editor há sempre um (a) grande publisher. Sempre foi assim.
The Post me fez lembrar da minha experiência como editor-executivo do jornal O Povo, na fase de transição das poderosas Remingtons (não os fuzis, as máquinas de escrever) para três computadores seminais na redação, usados principalmente para produzir “arte”.
Sem o publisher Demócrito Dummar dando apoio espiritual, num alinhamento silencioso e consistente, não teríamos feito nada. O espírito do jornal é o dono. No caso do Post, a dona. Katherine Graham está no Panteão dos grandes arautos liberais do direito de publicar — a liberdade de imprensa.
Obrigado Spielberg, obrigado aos roteiristas Liz Hannah e Josh Singer por este filme. Para mim, sorver cada minúcia de narrativa que vocês resgataram mostrando em minúcias a “velha” redação e as heroicas oficinas cheias de gráficos foi uma catarse. Com direito a lágrimas.