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“POSSO SER EU?” A incrível vida de WHITNEY HOUSTON

“Eu tocava bateria e ficava logo atrás dela. Todas as noites eu a via cantar e podia ver claramente todos os músculos de suas costas trabalhando. Era impressionante!”, diz o baterista Michael Baker logo ao início do documentário “Whitney: Can I Be Me?” (2017), não autorizado pela família, mas que conta a vida e obra da poderosa e inesquecível voz chamada Whitney Houston.

Tal declaração é feita de maneira tão sincera e convincente que você quase pode perceber o arrepio do músico durante seu depoimento, te levando a imaginar como seria realmente seu ângulo de visão ao testemunhar toda a potência física, emocional e artística desenvolvida por aquela mulher ao vivo.

Não é fácil falar de uma voz que marcou seu nome na eternidade da arte humana, cravou recordes e feitos inéditos para seu tempo e sua pouca idade, levando sua cara e sua história ao mainstream em tempos onde o preconceito era uma chuva de socos constantes. Uma artista, mulher, negra, que ainda deixou sua mensagem social quando as questões de representatividade apenas começavam a levantar sua mão como quem timidamente pede a vez para falar. Mas esta é uma história que merece ser contada, revista e – principalmente – ouvida e vista, em todas as suas canções e performances.

Whitney Houston

Whitney Elizabeth Houston nasceu em 9 de agosto de  1963 em Newark (Nova Jersey, EUA). Crescendo no gueto, desde cedo já era incentivada por sua mãe, a cantora Cissy Houston, a desenvolver o dom da voz. A música em Whitney (apelidada desde cedo de Nippy) já se manifestava dentro de sua própria casa: no cotidiano, no sangue e aparentemente no destino clichê daquelas histórias onde uma mãe frustrada espelha em sua filha a esperança de vê-la se tornar o que ela não conseguiu ser quando jovem, em um conflito central que lembraria algum filme nos moldes de “Cisne Negro”. Cissy era uma determinada – e por muitas vezes rígida – tutora musical da filha, ensinando tudo o que sabia e que aprendeu sozinha sobre cantar. Assim, logo na infância/adolescência Nippy já cantava no coral da igreja de sua vizinhança, chamando atenção e encantando a todos com sua poderosa voz.

Mas aquela carreira só teria início e atenção mesmo quando, em certa ocasião, Cissy praticamente lhe pregou uma peça: ligou para a filha fingindo estar rouca de gripe e dizendo se encontrar incapacitada de cantar num show naquele mesmo dia. Após muito pedir que a menina a substituísse, Cissy conseguiu que a filha fosse fazer o trabalho em seu lugar. Foi assim que ela se apresentou pela primeira vez fora da igreja para uma plateia inédita em um pequeno evento local. As mãos do destino fizeram com que, algum tempo depois, Whitney fosse descoberta pelo empresário Clive Davis, proprietário da Arista Records, uma já grande gravadora estadunidense. Clive viu em Whitney um talento a ser lapidado, uma oportunidade de lançar uma nova estrela e apostou na jovem que já soava com uma maturidade para a qual o mundo talvez ainda nem estivesse preparado. E não estava.

Com apenas 21 anos de idade, a cantora assina seu primeiro contrato e trabalha num álbum de estreia, que é lançado em fevereiro de 1985. E é a partir dele que os feitos hercúleos de Whitney começam a criar sua própria lenda: batizado apenas de “Whitney Houston” o disco é, até hoje, o álbum de estreia mais vendido de todos os tempos, batendo a cifra de mais de 22 milhões de cópias. Aliás, em termos de números, Whitney também era um show à parte: a cantora superou por vezes até mesmo os Beatles, pois suas músicas ficaram pelo menos 3 vezes mais tempo no topo das paradas que o quarteto londrino. Foi um fenômeno. Superou também Elvis quebrando recordes comparativos em algumas categorias similares, tamanho foi seu poder e popularidade.

Capa do álbum de estreia, de 1985

Mas falando em popularidade, infelizmente ela não obteve uma boa pontuação nesse aspecto logo no início de sua carreira. Por diversas vezes, e inclusive em importantes prêmios e eventos públicos, Whitney foi rejeitada pela comunidade negra – sua própria gente – por acusarem-na de ser “negra e fazer música como brancos, e para brancos”. Um duro golpe em sua moral e motivação. Mas nada disso a impediu de seguir em frente e galgar mais alguns feitos dos quais seus fãs e quem a ajudou a continuar certamente se orgulham até hoje.

– Já no primeiro álbum, a cantora teve como produtor ninguém menos que Jermaine Jackson (dos Jackson 5, irmão de Michael Jackson), além de ter feito um dueto com ele em duas faixas;

– No terceiro disco, Whitney já gravava com a lenda Stevie Wonder na faixa We Didn’t Know;

– Ela foi a primeira artista a cantar na África do Sul pós-Apartheid, num show não menos que memorável;

– Em 1991, entregou uma performance de tirar o fôlego cantando sem ensaio prévio Star-Spangled Banner, o hino dos EUA, no Super Bowl.

A cantora lapidava seu talento e mostrava mais e mais, apesar dos reveses, que tinha uma personalidade e uma voz própria, a qual dominava com maestria divina. Sua discografia é a prova irrefutável de um talento puro, que se mostraria ser indomável, potente e versátil: Whitney passeava muito bem entre os meandros da voz pop entertainer até o canto romântico gigantesco e tocante. Você pode conferir todas essas facetas nas performances insanas de alguns de seus maiores hits, como When You Believe, I Have Nothing, Saving All My Love For You, So Emotional, I Look to You ou I’m Your Baby Tonight. A jovem cantora tornava-se uma grande mulher, deixando para sempre de lado o que um dia foi o medo de cantar para uma plateia de boteco em uma apresentação arranjada por sua mãe.

Apesar de viver aquilo que era um sucesso estrondoso aos holofotes, sendo um fenômeno sem precedentes e que encontrou apenas um de seus ápices em 1993 junto a Kevin Costner no famoso longa metragem “O Guarda Costas” (e sua não menos conhecida “I Will Always Love You”), Whitney começava a se tornar cada vez mais perdida em uma espiral de sentimentos e conflitos pessoais que por vezes quase a fizeram perder tudo, literalmente. No auge da fama, sua vida íntima corria de forma tão intensa quanto as notas que cantava: o relacionamento abusivo com Bobby Brown (estrela de R&B da época) trouxe episódios tumultuosos, como o abuso de drogas, traições e outros fatos tristes. As desavenças com sua melhor amiga e empresária Robyn Crawford também renderam diversas cicatrizes emocionais na cantora, que em um ponto culminante de sua carreira, se sentiu tolhida e afastada de tudo e de todos que amava.

Somado a tudo isso, fantasmas do passado a revisitavam sempre que a mídia sensacionalista cavava fundo em busca de fofocas. Traumas emergiram publicamente, como o abuso sexual que sofreu na infância por uma famosa cantora da época, que era ainda sua própria prima. Conflitos reais de família eram expostos como panfletagem barata, evidenciando mais problemas com sua mãe, filha, seu marido e seus irmãos quando ela os colocou para trabalhar cuidando de sua carreira. Todos esses sentimentos justificam o título do documentário que citei no início, nos fazendo ver o quanto Whitney em muitos pontos gritava silenciosamente: “Posso Ser Eu?”.

Infelizmente, o fim da carreira de Whitney alguns anos antes de sua morte não se deu da melhor maneira. O golpe fatal em seu psicológico aconteceu quando seu pai, a pessoa mais próxima e que ela mais amava, lançou um processo milionário contra a cantora. Ele pediu 100 milhões de dólares como indenização e, pasmem, tudo isso já ao final de sua vida: com 81 anos e muito doente, vindo a falecer apenas 2 meses depois da abertura do processo.

Unido a tudo isso, sua performance também decaía. Nos últimos anos, já com a voz desgastada por tanto álcool e substâncias químicas, é triste ver nos registros de alguns shows o quanto ela já desafinava e não tinha nenhum controle sobre suas melodias. A plateia vaiava, pedia o dinheiro de volta, numa cena muito triste na qual você não deseja ver um artista.

Whitney em um de seus últimos shows.

Apesar de que nessa mesma época ela já levada sua recuperação e seu eventual retorno mais a sério, Whitney viria a falecer em 11 de fevereiro de 2012 com apenas 48 anos de idade. Ela foi encontrada desacordada por um integrante de sua equipe na banheira de uma suíte no quarto andar do Beverly Hilton, em Los Angeles. O laudo pericial da época apontou como causa oficial um “afogamento acidental, atribuído a um problema cardíaco, somado ao uso de cocaína”. O mundo perdia ali uma das mais incríveis vozes de sua geração, tão eterna e lembrada que jamais deixa de marcar seu lugar em toda e qualquer lista da crítica especializada quando o assunto são as maiores vozes de todos os tempos.

Para quem deseja conhecer toda essa história em diferentes ângulos, há dois documentários já lançados: o já citado “Posso Ser Eu?” (2017), não autorizado pela família, e ainda “Whitney” (2018). Além disso, há um filme musical chegando em 2022, até o momento intitulado “I Wanna Dance With Somebody”, que conta com o mesmo roteirista de “Bohemian Rhapsody”  (filme sobre a banda inglesa Queen) e produção musical do próprio Clive Davis.

Do estrelato precoce à sua triste e inesperada despedida, Whitney foi um meteoro, uma força da natureza com uma potência não só na voz, mas na forma e importância que teve como artista e na vida pessoal, como mulher. Descobrir um(a) artista pela trajetória de sua própria vida, não apenas por sua obra, é algo que nos faz apreciar de uma nova forma cada nota, palavra e sentimento, assim como quem toma um bom vinho e lê no rótulo os ingredientes e a história dele. E Whitney Houston foi sem dúvida um vinho dos mais divinos, de uma safra única e inesquecível, que só melhora conforme degustamos.

DISCOGRAFIA RECOMENDADA:

Whitney Houston  (1985)

Whitney (1987)

I’m Your Baby Tonight (1990)

The Bodyguard – Original Soundtrack Album (1992)

My Love Is Your Love (1998)

FILMOGRAFIA:

Whitney: Can I Be Me? Documentário. Direção: Nick Broomfield, Rudi Dolezal. Reino Unido/EUA, 2017.

Whitney. Documentário. Direção: Kevin Macdonald. Reino Unido/EUA, 2018.

I Wanna Dance With Somebody. Filme musical/cinebiografia. Direção: Stella Meghie. Sem data de estreia definida, (previsto para 2022).


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Sérgio Costa

Bacharel em Ciências Sociais pela UFC e em Comunicação Social (Publicidade e Propaganda) pela Fanor/DeVry. Publicitário por profissão, empresário por coragem e guitarrista por atrevimento. Apaixonado incurável por música, literatura, boas cervejas, boas conversas, viagens inesquecíveis e grandes ideias. Escreve quinzenalmente sobre música para a coluna Notas Promissoras do portal Segunda Opinião.

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Bacharel em Ciências Sociais pela UFC e em Comunicação Social (Publicidade e Propaganda) pela Fanor/DeVry. Publicitário por profissão, empresário por coragem e guitarrista por atrevimento. Apaixonado incurável por música, literatura, boas cervejas, boas conversas, viagens inesquecíveis e grandes ideias. Escreve quinzenalmente sobre música para a coluna Notas Promissoras do portal Segunda Opinião.

2 comentários

  1. Osvaldo Euclides

    Texto de muita força, denso, impactante. Uma história de ascensão e declínio contada com estilo único. Tão sincero quanto emocionante. Bravo, Sérgio Costa!